Primavera Brasileira ou Inverno brasileiro?

O CONTEXTO DOS DISTÚRBIOS DE JUNHO DE 2013 NO BRASIL

As polícias militares do Brasil passaram a ser utilizadas em várias unidades federativas para controlar distúrbios em dezenas de cidades do país. Os distúrbios aconteceram no transcurso de manifestações públicas de protesto político em junho 2013, em meio a multidões de milhares de cidadãos. Alguns indivíduos, ou grupos deles, mesclados com a multidão, encenaram episódios de crime e desordem, incitando a violência, ateando incêndios e destruindo e/ou subtraindo o patrimônio público e privado, provocando e enfrentando com paus e pedras o Estado e sua polícia. Pessoas inocentes da multidão acabaram por ser atingidas, provocando comoção e revolta.

Operadores da mídia e técnicos os mais diversos, incluindo “policiólogos”, cientistas políticos e sociais, deploraram sistematicamente os freqüentes episódios de violência ocorridos nas manifestações – distúrbios envolvendo indivíduos ou turbas com origem na multidão. Na mídia, ora conclamavam a cidadania para que expressasse a sua vontade política sem violência, enquanto de outra parte sugeriam ações impróprias da polícia como indutoras dos verdadeiros surtos de violência eventualmente expressos no curso das manifestações. A própria cidadania passou a lastimar que manifestações do gênero – entendidas como verdadeiras celebrações da liberdade, da democracia e da cidadania — possam ser empanadas por episódios de crime e violência de criminosos e desordeiros escondidos na multidão de cidadãos.

As multidões são, por definição, um “ajuntamento de pessoas”. A expressão também se traduz por “povo” e “grande número”. No caso das manifestações públicas ocorrendo em junho de 2013 no Brasil, as multidões de manifestantes são extremamente diversificadas em sua composição. Foram conclamadas basicamente pelas chamadas “mídias sociais” (assim, não são formadas “de improviso”, mas com um mínimo de organização). Elas possuem uma agenda de “demandas reprimidas” do interesse da nação. Isso inclui reagir contra a majoração de tarifas de transportes públicos caros e ineficientes, baixa qualidade da educação e saúde, bem como outras questões pontuais da conjuntura, caso de escândalos políticos, corrupção, prioridades equivocadas dos investimentos públicos, propostas oportunistas de emendas constitucionais, etc.

A agenda das manifestações parece não estar vinculada a partidos políticos específicos, interesses da iniciativa privada ou organizações não governamentais. Ou seja, as manifestações não podem ser identificadas, ao menos de maneira clara e reconhecível, com nenhum grupo específico, não indicando possuir comando ou controle centralizado.

A SEGURANÇA PÚBLICA NOS GRANDES EVENTOS DE MULTIDÃO

A carta magna do país, ao tratar da segurança pública, estabelece: “A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: (…) polícias militares (…). Na circunstância de manifestações públicas envolvendo grandes multidões, as polícias militares empregam, para controle da lei e ordem, unidades especiais de controle de distúrbios, os chamados de “batalhões de choque.” O setor de planejamento das polícias, em coordenação com o poder público local, estabelece normas gerais de segurança para grandes manifestações públicas, incluindo limites que não podem ser ultrapassados quando da realização de tais eventos. Existem, portanto, “limites” que a cidadania deve respeitar.

A missão essencial das unidades policiais de controle de distúrbios pode ser definida pela tarefa de controlar e conter indivíduos ou grupos da multidão, visando preservar a ordem pública e a incolumidade das pessoas e do patrimônio. Manifestações públicas pacíficas e de protesto não são o alvo de ações das unidades de controle de distúrbios. Elas estão dirigidas contra as eventuais ações de arruaceiros, incendiários, vândalos, saqueadores e agressores dos agentes do Estado e do restante da nação. São eles que tentam e insistem em não se submeter a limites legitimamente estabelecidos.

No caso da possibilidade da ultrapassagem de limites de segurança por um grupo da multidão, um protocolo de medidas deve ser seguido pelas unidades de controle de distúrbios (batalhões de choque), entre eles: (i) persuadindo o grupo a não se aproximar, penetrar e romper os limites de segurança (com as policias interagindo tempestivamente com as lideranças do movimento no sentido da dissuasão pacífica, depois de terem sido contatadas por membros do poder público civil local); (ii) distribuindo panfletos solicitando a observação e respeito aos limites de segurança; (iii) iniciando ostensivamente a gravação de registros de vídeo para identificação posterior de fatos e indivíduos envolvidos (para uso inclusive na responsabilização penal); (iii) anunciando avisos de contenção, antes do comando do posicionamento da força policial de choque.

De maneira genérica, as unidades de polícia de choque são posicionadas fora da visão da multidão. Antes disso, cordões de isolamento são formados por linhas de policiais de unidades normais de policiamento, no sentido da contenção de grupos e preservação dos limites de segurança. Depois de esgotados, sem proveito, os recursos normais de dissuasão para respeito dos limites, a unidade especializada é empregada, observados os seguintes aspectos: (i) movendo a unidade para a área com comandos de voz audíveis também pela multidão; (ii) demonstrando força de maneira gradual (tropa, cavalos e veículos); (iii) intensificando os efeitos psicológicos das “demonstrações de força” (incluindo a percussão de escudos com bastões) e, finalmente; (iv) utilizando as formações e movimentos típicos das “formações de choque” (linha, cunha, triângulo, etc.), combinadamente com (v) agentes químicos e armamento “menos que letais” (lacrimogêneos, gás pimenta, “balas” de borracha, canhões d’água, etc.).

O PERIGO QUE PODE SAIR DA MULTIDÃO…

pms em risco

Uma multidão pode dar ensejo que grupos de indivíduos, saídos de dentro dela e auxiliando uns aos outros, partam para a prática de ações violentas, crimes e desordem. Isso é parte do fenômeno de formação e ação das chamadas “turbas”. Elas são formadas, na visão das ciências do comportamento, por indivíduos em forte interação, agindo sob a influência da sugestão e da emoção em lugar da razão. Membros da turba, diferentemente de quando estão sós e isolados, perdem inibições formadoras do autocontrole, podendo ser capazes, por isso mesmo, de exibir comportamentos incompatíveis com os da vida normal e comum. A multidão difere da turba, não apresentando o componente emocional exacerbado característico da outra forma de agrupamento de indivíduos. Nos dois tipos de agrupamento de indivíduos, entretanto, podem estar presentes sentimentos de invencibilidade, forte sugestão interpessoal e “contágio” emocional. Agrupamentos do gênero, em grande parte, não atuam premeditadamente, sendo impulsivos e móveis. Também são crédulos ao extremo, acreditando em razões e argumentos totalmente incompreensíveis para os que não estão sob a influência grupal.

CONCLUSÃO

É preciso refletir sobre a “equivalência moral” que possa ficar sugerida entre (i) a violência de turbas de vândalos, incendiários e saqueadores, vis-à-vis (ii) a força empregada por policiais encurralados e em situações de grave risco físico, todavia utilizando protocolos de uso progressivo da força enquanto estão criticamente postados entre (i) fogo, porretes de madeira, barras de metal, pirotécnicos e pedras e (ii) vidas e patrimônio público e privado. Nenhuma das duas coisas é esteticamente atraente, mas comparar uma com a outra é tão absurdo quanto comparar a barbárie com a civilização. Se ações de controle de distúrbios (do chamado policiamento “de choque”) e armas “menos que letais”, incluindo agentes químicos, eventualmente atentam contra a saúde, já não há eventualidade nas lesões e riscos produzidos por fogo, porretes de madeira, barras de metal, pirotécnicos e pedras. Talvez já seja tempo de esclarecer tecnicamente, ainda que de maneira breve, os membros da nação, acerca da tradicional doutrina de controle de distúrbios, incluindo “ações de choque”, bem como em que circunstâncias ela é aplicável e contra que tipos de ameaças da multidão e das turbas que eventualmente podem sair de dentro daquela outra forma de agrupamento de pessoas.

George Felipe de Lima Dantas.

Fonte das fotos: Veja e notícias uol.

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