Por uma torcida desorganizada

Os acontecimentos dos últimos jogos no Estádio Nacional de Brasília, o Mané Garrincha, deixaram aparente uma velha mazela do país do futebol, a violência nas arenas. Como sempre aparecem milhares de palpiteiros e especialistas prontos para resolver o problema e, quase sempre, dizendo onde e como as forças policiais devem agir. O engraçado é que alguns deles jamais estiveram em jogo de futebol, à trabalho. No máximo compareceram em alguma tribuna de honra ou camarote vip, protegidos pela mesma polícia que criticam. Gostaria de ver estes parasitas atacarem as verdadeiras raízes do problema.

Quando traçamos um histórico das grandes tragédias ocorridas durante jogos de futebol chegamos a fator comum em todos os casos, a presença das torcidas ”organizadas”. Onde quer que tenha ocorrido um evento violento nas arquibancadas ou nos arredores dos estádios, estes grupos estão sempre envolvidos, direta ou indiretamente. Se a fonte primária do problema é tão clara, porque nenhuma medida é direcionada para controlar ou expurgar estas “associações“ dos futebol brasileiro?

Os atos ocorridos recentemente no Mané Garrincha não fogem a regra. O torcedor espancado pela torcida (organizada) do flamengo, pertencia a uma torcida (também organizada) do São Paulo. Aliás, de acordo com a imprensa, a vítima já possuía passagens pela polícia. A coisa é tão gritante que um dos torcedores do Coríntians que esteve preso na Bolívia, acusado pela morte de rapaz durante um jogo de futebol naquele país, foi identificado participando de uma turba, no último jogo do Timão em Brasília, pouco tempo depois de ser libertado. Não bastasse, até um vereador, no meio da organizada, foi identificado agredindo um policial militar que tentava controlar a multidão.

Um fato que revela a importância das torcidas organizadas na violência nos estádios são o tempo e recursos que os órgãos de segurança gastam nos planejamentos dos eventos, que, de forma prioritária, estão relacionados com o controle destes grupos. É preciso separar as torcidas dentro dos estádios, levantando grades, tapumes e destinando efetivo policial para estar nas “fronteiras “ entre as hostes. Mas, bem antes disso, agentes de trânsito e policiais militares são empregados em esquemas mirabolantes de controle de tráfego e do transporte público, de forma que torcidas adversárias não se encontrem no trajeto que leva aos jogos. E todo o esquema é ampliado após os jogos de forma que grupos rivais nunca se encontrem.

Além dos esquemas desenvolvidos pelos organismos de segurança pública os líderes dessas turbas são elevados a condição de interlocutores oficiais, e participam de reuniões envolvendo membros das secretarias de esportes, do ministério público e das policias militares e civis. Nestas reuniões são estabelecidos acordos e procedimentos, que geralmente são cumpridos integralmente apenas pelos órgãos governamentais.

É lamentável que a existência destes grupos impeçam que os estádios de nosso país possam ser frequentados pelos verdadeiros torcedores. Nunca vejo planejamento ou grandes esquemas para trazer aos jogos o torcedor comum, desorganizado, que vai a evento esportivo para desfrutar de sua real natureza, o ser apenas um jogo. Acontece então que rotineiramente nossas arenas estão povoadas de vândalos que afastam um público potencialmente muito maior. Pois qual é o pai que, em sã consciência, leva seus filhos para correr risco de morte pelas confusões provocadas pelas “organizadas“.

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Leandro S. Oliveira, a esquerda, preso na Bolívia e novamente envolvido em confusão em jogo de futebol.

Os policiais que estão habituados a trabalhar em jogos de futebol percebem claramente a diferença em evento com a presença, ou não, das organizadas. Se no evento não há a presença das organizadas, não importa muito o tamanho do público, é quase certo que não haverá confusão. Mesmo em jogos com torcidas com rivalidades históricas simples fatos de não haver a presença das organizadas é suficiente para trazer nossos estádios a padrões civilizados de convivência pública. É muito fácil averiguar isso em jogos amistosos ou comemorativos, que ocorrem, algumas vezes, longe da casa do clubes, com ingressos mais caros e sem a presença das torcidas profissionais.

A questão é: Porque em uma democracia poucos podem sobrepujar o interesse da maioria? É muito estranha essa proteção e deferência que estes grupos recebem, mesmo que seus membros estejam cronicamente envolvidos em episódios violentos e , muitas vezes, criminosos. Os grupos são tão violentos que atualmente é comum que mesmos grupos que levantam a bandeira de um mesmo time se enfrentem, em razão de discordâncias internas. Isso mesmo, torcedores do flamengo se atracando com torcedores do flamengo e corintianos se agredindo corintiano, tudo em nome das bandeiras das torcidas.

A pacificação das arenas de futebol passa não apenas por punições mais severas e penas mais duras aos desordeiros. É fundamental que o governo, federações desportivas, os clubes e a sociedade se organizem para banir do nosso meio estas facções criminosas travestidas de torcedores.

O dia mais feliz para o futebol brasileiro será o dia em que as torcidas estiverem desorganizadas, onde torcedores de times adversários possam sentar lado a lado sem medo de agressões injustificadas ou gratuitas. Estádios onde a presença das famílias seja rotineira e onde a população possa aproveitar ao máximo o esporte mais importante do país.

Luiz Fernando Ramos Aguiar.

 

Fotos: Ed Ferreira / Agência Estado e Agência Reuters

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