22 anos da Turma Dom João VI

Tornar-se policial militar é uma experiência avassaladora, ao cruzar os portões da Academia o cadete tem mente cheia de esperanças e sonhos e sequer pode sonhar com a aspereza da realidade das ruas ou complexidade da missão que está abraçando. Foi assim que a 22 anos que os mais de 100 cadetes da turma Dom João VI fizeram sua passagem para a aventura que definiria suas vidas, no dia 05 de maio de 1998.

Nossa trajetória foi marcada por obstáculos, no mínimo, singulares. Seriamos a primeira turma da APMB (Academia de Polícia Militar de Brasília) formada em curso de quatro anos. Com internato no primeiro ano, aulas nos três turnos e estágios no fim semana, fazíamos cálculos de que, mesmo que curso durasse os tradicionais três anos, a carga horária ainda seria maior do que a de qualquer curso universitário de cinco.

Aniversário de 20 anos da Cia Brutus

Na época a estrutura da APMB não estava preparada para receber tantos alunos e era comum passar alguns dias sem água. Quase cem cadetes dividindo um único alojamento, dormindo em um salão com 50 beliches e dividindo um alojamento com 10 privadas. Lembro bem do número de privadas porque fui um dos cadetes responsável pela reforma do banheiro, atuando como pedreiro. Como a PMDF não tinha mais rancho, nossas opções de almoço eram limitadas. Nos primeiros meses havia um restaurante particular na academia, que funcionava na estrutura do antigo rancho e que fornecia refeições de qualidade, no mínimo, duvidosa. A dieta forçada só foi interrompida quando fomos liberados para almoçar em restaurantes próximos, o que acabou causando o fenômeno da multiplicação das marmitas, principalmente as elétricas, que se espalhavam próximas as tomadas na hora do almoço.

Após a formatura a realidade dura da nossa profissão começou a se impor. Em uma ocorrência, até hoje obscura, o Aspirante Charles teve sua vida ceifada, era o primeiro da nossa turma a ter de cumprir o juramento de cumprir a missão mesmo com a vida. Um golpe duro que nos lembrava que nos lembrou que a vida policial deixa marcas não apenas em nós, mas principalmente em nossa família e amigos. Já tínhamos enterrado nosso amigo Maurício, morto em um acidente de carro, um momento de profunda tristeza. Mas nada se comparava a dor de ver um irmão de turma morto no cumprimento do dever. Alguns anos depois seria a vez do então Tenente Sagiorato, morto por um companheiro de farda, dentro do quartel, uma tragédia que marcaria nossa turma para sempre, abrindo uma ferida na alma que não será cicatrizada. A cada companheiro perdido me lembrava das palavras do Tenente Vasconcelos, hoje coronel, nos treinamentos para a formatura de que o momento da formatura seria a última vez em que toda a turma estaria reunida, era verdade.

Fomos a única turma da de aspirantes da PMDF a permanecer neste posto por 04 anos, alguns ainda ficaram mais. Os primeiros a permanecerem na função de oficial-de-dia como Capitães. Quando foi o momento de fazer o CAO (Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais), fomos convocados a entregar toda documentação, alguns interromperam férias, outros deixaram projetos para ao final do processo, reunirem a turma para avisar que não haveria curso. A promoção para major demorou alguns anos para contemplar todos os integrantes da turma e nossa perspectiva para tenente coronel é desanimadora. E mesmo assim, não sei se por teimosia, compromisso com o dever ou simplesmente porque é nosso trabalho continuamos firmes, na linha de frente com mesma garra de quando nos formamos, mas sem ingenuidade.

Quando fizemos dez anos de polícia lembrei aos meus companheiros que fomos a última turma formada no século XX, a última do milênio. Somos representantes de uma geração que em via de extinção, oficiais analógicos imersos em um universo digital. Somos herdeiros de uma tradição que vem se perdendo, de resiliência, de encarar a adversidade e a dor como parte da missão. Os integrantes da Cia Brutus estão habituados a serem designados para as missões mais espinhosas, a maioria continua servindo na linha de frente, como sempre, mesmo sendo oficiais superiores. Para nossa geração a recusa da missão não é cogitada, as ordens são cumpridas de forma natural e continuamos a “carregar o piano”. Mesmo depois de 22 anos não abandonamos nossa vocação e já começo a acreditar que a reserva está se aproximando rápido demais.

Parabéns a todos os integrantes da turma Dom João VI, a lendária Cia Brutus, que Deus possa manter nosso espírito de luta e abnegação pelo período que nos resta na PMDF. Que ao final da jornada os dinossauros analógicos deixem para as novas gerações um legado de coragem e sacrifício para inspiração das futuras gerações de oficiais.

Formatura aspirantes 2000
Aniversário de 20 anos

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