Audiência de custódia: propagando a impunidade

É mais que sabido que o grande problema do Brasil atual é a criminalidade fora de controle. É consenso de qualquer brasileiro comum, com exceção da esquerda caviar ou revolucionária, que um dos fatores, senão o maior, de contribuição a esse verdadeiro genocídio do crime é a absoluta impunidade, que é a mãe da reincidência.

O mínimo esperado no caso brasileiro é que o Estado aja visando diminuir os índices criminais de guerra civil (são mais de 55 mil assassinatos por ano com no mínimo 165 mil feridos, chegando há mais de um milhão de mortos em 20 anos).

Neste contexto foram criados pelo governo os tribunais especiais para realizar as chamadas audiências de custódia, a um custo milionário, que buscou trazer a justiça criminal nas primeiras 48 horas depois de uma prisão em flagrante.

Passado a fase inicial de implementação e da euforia da novidade, porém, percebe-se que o efeito dessas audiências de custódia está gerando um efeito reverso e perverso, tanto para a justiça, que é o objetivo final de toda a estrutura, quanto para a Polícia.

Este caso, no mínimo curioso, merece uma reflexão do porquê que isso aconteceu e se é possível aproveitar essa estrutura para se ajustar aos objetivos óbvios de qualquer política pública no combate à criminalidade.

Os princípios da justiça

Um dos princípios para que a justiça humana funcione minimamente e atinja o seu papel social fundamental, sem entrar em “utopias de céu na terra” ou de modelos mentais ideológicos, é que ela deve ser rápida e eficaz, com burocracia mínima, e, ao fim e ao cabo, justa.

Essa premissa, aliada ao princípio elementar de que a lei e a sua aplicação deve ser equitativa, ou seja, que o ato criminoso deve ser punido na real proporção dos seus efeitos na vítima, seja ela uma pessoa, uma população, um valor caro a sociedade ou ao país, ou seja, que a pena seja agravada na medida em que o crime praticado se torna mais grave. É por isso que um dos símbolos da justiça é a balança.

Outra premissa é que existe um valor universal, ou valores universais, que podem ser identificados em todas as sociedades, em todos os locais do planeta, em todos os tempos, e que esses princípios são hierarquizados, ou seja, existem valores que são mais importantes e caros do que outros. Um exemplo clássico são os dez mandamentos, que tem uma hierarquia de bens jurídicos tutelados clara, usando um termo do direito moderno derivado do direito romano. Começa com as faltas contra Deus, a família, a vida, aos bens, a moral e a verdade. No direito brasileiro, que obedece essa lógica como qualquer outro direito no mundo, os bens tutelados pelo Estado obedecem uma hierarquia parecida e é com essa medida que as leis são feitas e devem ser aplicadas.

O modelo

Obedecendo aos princípios acima citados existem muitos modelos válidos no mundo atualmente, dentre eles cito o modelo chileno, onde um indivíduo preso em flagrante é apresentado ao juiz e a promotoria para julgamento em 48 horas, tendo o prazo prorrogado apenas para apresentação da perícia ou de outras diligências necessárias que não devem superar um prazo exíguo. Com isso, crimes comuns, e principalmente os violentos, são julgados e, em caso de condenação, a pena é aplicada de maneira rápida e eficaz. Nos Estados Unidos, ou em qualquer outro país civilizado, a aplicação da lei obedece a mesma lógica: A polícia que prender apresenta o autor, vítima, objetos e testemunhas diretamente a promotoria pública e ao magistrado em uma audiência poucas horas depois da prisão. A sentença e promulgada rapidamente e o criminoso encaminhado ao presídio quase que imediatamente.

No Brasil o modelo é uma aberração mundial, a começar com o modelo policial de “meias polícias”, que só existe aqui e em dois países do continente africano, onde uma corporação policial prende alguém em flagrante e é obrigada, por força de lei, ao invés de apresentar a ocorrência diretamente a promotoria pública e ao judiciário, a apresentar os fatos a uma outra corporação policial, que refaz todo o processo burocrático para depois remeter a quem de direito, o que atrasa ou inviabiliza a rapidez da justiça.

Além deste fator, os prazos e a quantidade de subterfúgios legais que protelam o julgamento ou os efeitos do julgamento praticamente inviabilizam a justiça brasileira, já que se demora meses, as vezes anos, para que o autor de um crime se sente a frente de um juiz e, quando condenado, demore outros tantos anos para se começar a cumprir a pena, que também é cumprida com reduções de até 1/6 do tempo fixado.

A realidade atual da audiência de custódia.

Com esse cenário caótico o Judiciário resolveu agir e, pela primeira vez em décadas, tomar efetivamente uma ação que poderia mudar o cenário atual.

Com um alto investimento em estrutura, que montou salas de julgamento que não devem em nada para o Chile ou para qualquer outro país ocidental, com um programa intensivo de treinamento dos funcionários empregados nessas audiências, com a criação e normatização de todo um arcabouço legal que regulasse as atividades dessa nova atividade e depois de todos os convênios serem celebrados entre o Ministério Público, Defensoria Pública e o Judiciário, ou seja, depois de todo um trabalho hercúleo e de um custo elevado da parte estrutural, legal e física finalmente estava tudo pronto para que uma nova visão remodelasse o tratamento dado a justiça criminal no Brasil.

Na primeira audiência de custódia aqui em Brasília o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal compareceu dando ao evento uma real dimensão da importância que isso tem para o Estado e o Judiciário brasileiro.

Finalmente, depois de um grande clamor de toda a população brasileira, cansada de ser roubada, violentada e padecer indefesa a toda uma horda de criminosos impunes, onde mais de 500 policiais são assassinados todos os anos, agora o bandido no Brasil sentaria na frente de um juiz, e da promotoria e da defensoria, em um prazo célere, de 48 horas.

Algo deu errado

Na primeira audiência de custódia citada o promotor público diz, celebrando o evento histórico: “…principalmente no que tange a prisão, ele (o preso) já relatou que não houve qualquer tipo de constrangimento”. Para qualquer pessoa normal o pensamento seria: “Isso é sério? Isso é uma brincadeira? “

Infelizmente o que parecia ser uma brincadeira de mal gosto, era real. Toda aquela estrutura, todo aquele custo, a presença do presidente do STF e da imprensa e da fina flor dos operadores do direito, era para saber SE O PRESO HAVIA SIDO CONSTRANGIDO PELA POLÍCIA!!! Até o preso desta primeira audiência não acreditou no que estava ouvindo e, constrangido e desconfiado pelas perguntas que fizeram a ele, se ele havia sido agredido ou “constrangido” pela a polícia militar que o prendeu, respondeu que não, que estava tudo certo. E aí acabou. A audiência foi encerrada, o preso foi devolvido a polícia civil para que o levasse para a delegacia e para o que o processo seguisse o seu curso normal brasileiro.

Assista aos vídeos abaixo e confira como foi a primeira audiência de custódia no DF. Preste atenção principalmente no que é dito ao final do segundo vídeo:

O efeito na criminalidade e no meio policial

Ao tempo em que outros presos foram sendo levados as audiências de custódia aconteceu o óbvio, os criminosos começaram a denunciar os policiais que os prenderam, por vingança ou na esperança de terem suas penas diminuídas ou serem soltos.

Até o momento em que este artigo foi escrito informações dão conta que mais de 8 mil presos foram soltos nas audiências de custódia por todo o Brasil. Os dados ainda não atualizados mostram que, em média, 42% dos presos em flagrante foram soltos desde o início das audiências.

Em um caso concreto um traficante foi preso em flagrante em uma casa com duas menores e com todos os objetos conectados ao crime. Ao apresentarem a ocorrência na audiência de custódia o juiz desqualificou a prisão, baseado unicamente na palavra do bandido, soltou o traficante, que tinha uma vida criminal contumaz, e solicitou que os policiais fossem indiciados pelo crime de tortura. O traficante saiu solto e na semana seguinte foi preso novamente portando uma arma de fogo. Os policiais processados se sentiram injustiçados e revoltados, levando-os a desanimar e perder a pró atividade no serviço policial.

Diagnóstico ideológico do problema

Para aqueles que não tem contato com o mundo jurídico e criminológico, que é a maioria da população brasileira, essa sequência narrada pode parecer surreal e absurda. Como é possível que a elite jurídica brasileira possa praticar uma ação diametralmente contrária a vontade da maioria absoluta da população, que é a quem essa estrutura assalariada pelos impostos deve servir, e contra os princípios mais básicos de qualquer justiça humana da face terra, trazendo a inversão de valores para centro do combate ao crime e a justiça criminal? A resposta é simples: Ideologia.

Criminologia e a criminologia crítica

Existe uma área de estudo dentro do universo das ciências humanas, que é derivada da sociologia, chamada criminologia.

Criminologia vem da junção das palavras crimen, em latin, e logia, que em grego significa estudo. É a ciência que se propõe a estudar o comportamento criminal, chamado desviante, os fatores geradores do crime, as ações criminosas e a personalidade criminosa, além dos seus efeitos na sociedade.

Dentro da criminologia existem as chamadas escolas, que são ramos de pensamento que congregam autores, ideias e pesquisas que seguem na mesma linha de raciocínio. Dentro dessas escolas a que tem a maior influência dentro do meio acadêmico brasileiro nos últimos 40 anos são as escolas de criminologia crítica e a marxista, diferente de outros países onde a escola mais influente é a criminologia clássica.

Essas linhas de pensamento, derivadas da ideologia de esquerda, que se fundamenta na luta de classes, e, também, na linha crítica da Escola de Frankfurt, que elegeu como nova classe revolucionária, não o proletário previsto por Karl Marx, mas sim o lumpenproletariat, ou seja, uma subclasse social, também definida por Marx como sendo o “lixo” da sociedade, ou “marginais”. Essa subclasse eleita como nova elite revolucionária deveria ser composta não por trabalhadores do setor industrial, que é uma classe essencialmente conservadora e cristã, e sim pelos “marginais”, ou seja, o novo motor revolucionário deveria ser os bandidos, assassinos, estupradores, traficantes de drogas, prostitutas, drogados, pederastas e demais pessoas em situação de desajuste social. É daí que surgiu esse discurso, presente no meio acadêmico e nos meios educacionais e de mídia, que o criminoso, seja ele um estuprador ou um latrocída, é, na verdade, uma vítima da desigualdade social, do capitalismo e da sociedade conservadora, que não permitem que ele libere os seus comportamentos primitivos revolucionários, e que a polícia, como meio de controle da classe dominante, existe apenas para manter o status quo e oprimir pessoas injustiçadas por não terem os meios econômicos dos ricos ou da classe média, e que por isso, deveria ser combatida como órgão opressor do Estado, por todos os meios para que seja enfraquecida, desqualificada, desmoralizada e, por fim, extinta ou que fique inapta para frear o movimento revolucionário de desestabilização e a própria revolução final.

É por isso que o foco na audiência de custódia não é, no Brasil, a vítima ou a promoção da justiça, e sim o criminoso, gerando como efeito amargo direto, pela inversão de valores, a impunidade. Isso ocorre por quê para uma parte do judiciário, da elite acadêmica e da mídia, o mais importante não é a hierarquia dos bens jurídicos tutelados e a promoção de uma justiça rápida e equitativa, que gera paz social e qualidade de vida, e sim a ideologia comunista, baseada nessas escolas revolucionárias, que visam como objetivo a desestabilização do país, transformando-o em uma panela de pressão de injustiça, violência e ódio, e que leve a uma revolução que transforme o Brasil em uma nação comunista “sem classes”, ou nas utópicas e maravilhosas Cuba e Venezuela.

Conclusão

Pelo exposto percebe-se que o Brasil, devido a esse novo protocolo criado da audiência de custódia, e pela ideologia que transformou a nossa pátria em campeã mundial em homicídios e de policiais assassinados, desperdiça uma chance de ouro de realmente ir de encontro ao cerne, ao núcleo, do problema dos índices criminais de guerra civil que passamos.

Ao se inverter o foco do Direito, que é a satisfação do desejo de justiça da vítima, dos valores e do modelo que fazem o judiciário funcionar em qualquer lugar do mundo, para os interesses do criminoso e das organizações criminais, apenas se agravou o problema, o que parecia impossível, gerando ainda mais impunidade, que, por sua vez, tem como consequência direta violência e morte, além de promover um desestimulo ainda maior da atividade policial.

Para solucionar essa aberração e, de quebra, ainda inverter o polo negativo das audiências de custódia para o positivo, bastaria que ao invés de se analisar somente a prisão e se o criminoso foi “constrangido”, julga-lo aos rigores da pouca lei que ainda nos resta.

Mantendo o protocolo criado, em que a polícia militar apresente diretamente o preso em flagrante ao judiciário e a promotoria pública em 24 horas, com todos os termos e laudos prontos, e que esse preso SEJA JULGADO E NÃO OS POLICIAIS, e que seja promulgada a sentença imediatamente e, em caso de condenação, encaminhando o preso para a penitenciária de imediato, agirá diretamente na impunidade e na sensação de segurança da sociedade, reduzindo de forma considerável os índices criminais e fazendo que o Brasil entre, finalmente, para o time de países civilizados com uma justiça rápida, desburocratizada e efetiva.

Olavo Mendonça.

Veja o comportamento de um preso em uma audiência de custódia:

Notícias sobre a audiência de custódia:
Pernambuco:
Goiás:
Brasília:
Mato Grosso:
Rondônia:
Espírito Santo:
Minas Gerais  (Uberlândia):
Outros casos:
Assaltante de bancos solto na audiência de custódia:
Eu acompanhei aa audiências de custódia aqui no DF e no começo eram liberados 80% dos presos. Devido a péssima repercussão o índice desceu para 50%, como no resto do país.
Programa de rádio onde o tema foi a audiência de custódia:
Sobre impunidade:

4 Replies to “Audiência de custódia: propagando a impunidade”

  1. Isso foi só o começo. Agora teremos a “Cidadania nos Presídios” em todo o Brasil.

    Quase 6 mil presos devem ganhar a liberdade no Espírito Santo
    http://www.gazetaonline.com.br/_conteudo/2016/02/noticias/cidades/3930164-quase-6-mil-presos-devem-ganhar-a-liberdade-no-espirito-santo.html

    Lewandowski maquia dado sobre população carcerária para legitimar soltura de bandidos em todo o país
    http://veja.abril.com.br/blog/felipe-moura-brasil/cultura/lewandowski-maquia-dado-sobre-populacao-carceraria-para-legitimar-soltura-de-bandidos-em-todo-o-pais/

  2. Excelente artigo. Parabéns. Só não vê quem não quer. Essa inchada justiça gastando mais de nossas receitas num coisa inútil dessas. Inútil porque sem sentido. Só promove a “Justiça” e o bandido.

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