Como o ambiente pode influenciar o comportamento de um criminoso?

O espaço físico pode influenciar a percepção e o comportamento das pessoas nos mais diversos sentidos. Com a segurança, não seria diferente. Por isso, há algumas semanas, introduzimos o assunto “espaços inibidores de crime”. Agora, seguiremos adensando o tema, posicionando o ambiente como importante variável nas ações de prevenção de delitos.

Iniciemos por Gifford, para quem a Psicologia Ambiental traduz-se pelo “estudo da transação entre indivíduos e o cenário físico.” Segundo o autor, enquanto os indivíduos modificam o ambiente, este modifica comportamentos e experiências (Gifford, 1997). Na mesma direção, Günther (2005) define a disciplina como “o estudo das relações (recíprocas) entre os fenômenos psicológicos (comportamentos e estados subjetivos) e variáveis ambientais físicas.” Já para Paul e Patrícia Brantingham (1981), expoentes da criminologia ambiental, o crime é caracterizado por quatro componentes: a ruptura da lei (crime), o ofensor motivado, a vítima/alvo disponível e o ambiente favorável.

Por meio dessas falas, podemos aduzir que, tanto quanto o comportamento de indivíduos e grupos, o espaço constitui relevante variável a ser considerada em matéria de prevenção criminal.

Em termos práticos, do ponto de vista do cidadão ordinário, potencial vítima, certos ambientes podem produzir a sensação de segurança, enquanto outros induzem ao medo, mesmo em áreas onde os índices criminais não são altos.

Avançando, da perspectiva dos potenciais agressores, podemos recorrer a duas abordagens relacionadas à prevenção situacional do crime: a) a Teoria da Escolha Racional e b) a Teoria do Comportamento Planejado.

A primeira oferece elementos para explicar os delitos em termos de custo-recompensa. De acordo com Cornish e Clark (1986), por exemplo, a intensão de cometer atos ilegais estaria inversamente relacionada ao custo do ato delitivo per si.

Ao seu turno, a Teoria do Comportamento Planejado propõe que a decisão de engajar-se em um comportamento em particular é resultado de um processo volitivo.

A partir de ambas abordagens, podemos concluir que os potenciais delinquentes avaliam suas opções de comportamento e, então, tomam a decisão de cometer ou não o crime.

Quando observamos o fenômeno do crime desta maneira, percebemos que os criminosos não atuam de forma aleatória, mas, em verdade, se comportam e são movidos por escolhas conscientes. Por consequência, em geral, o intento de delinquir pode ser neutralizado naquele potencial agente que, para a consumação do crime, perceba alta dificuldade e risco.

A esta altura, podemos inferir que o arranjo do espaço físico, em termos de projeto ou intervenções a posteriori, pode ser realizado de forma a criar obstáculos ou mesmo inibir a ação de potenciais infratores. Ao encontrar barreiras físicas ou psicológicas que o separem do alvo ou elementos que dificultem uma eventual fuga, potenciais agressores são desestimulados a delinquir. Por ora, ficaremos apenas com essas duas ilustrações.

triangulo do crime
Triângulo do Crime segundo Paul e Patricia Brantingham.

Em sentido oposto, os críticos de estratégias preventivas baseadas nas teorias da Escolha Racional e do Comportamento Planejado denunciam o possível deslocamento dos delitos. Supostamente, ao sentir-se desencorajado a cometer crimes em uma área, simplesmente, o delinquente passaria a atuar em outro setor ou atividade delitiva.

Entretanto, pesquisas apontam para casos de robustas reduções de delitos via prevenção situacional. Em um clássico sobre o assunto, Heal e Laycock (1986) demonstram que, mesmo quando o referido deslocamento ocorre, somente parte de potenciais criminosos voltam a delinquir. Desta feita, implementando-se ações de prevenção situacional, haveria um ganho líquido na redução global de crimes em uma determinada cidade, por exemplo.

De igual modo, ao abordar a Teoria da Oportunidade, Clark e Felson (1979) asseveram que os criminosos respondem muito mais ao incremento do risco e do esforço para a consecução de seus objetivos delitivos do que prevê as teorias criminológicas tradicionais. Para esses autores, potenciais delinquentes não apenas recuam diante de um evento específico, mas muitas vezes desistem de toda uma carreira criminosa. Igualmente, os pesquisadores demostram, haver rara migração quando os crimes são prevenidos por meio da prevenção situacional.
Ademais, mesmo os adeptos da Criminologia Crítica sustentam que nem todos os indivíduos “pegos” em atos definidos pela sociedade como desviantes seguirão carreira na delinqüência. Apenas para ilustrar, isso está explicito na Teoria dos Rótulos de Howard Backer (1997).

Em suma, cremos que a discussão exposta até o momento demonstra a clara relação entre o comportamento dos indivíduos, sobretudo de eventuais delinquentes, e as características físicas do ambiente. Em face disso, nosso próximo desafio será apontar as principais estratégias utilizadas com vistas a consecução de espaços mais seguros. Para tanto, em nosso próximo texto, estaremos delineando os contornos da Prevenção Criminal pelo Desenho Ambiental, CPTED*.

Isângelo Senna da Costa.

REFERÊNCIAS

AJZEN, Icek. From intentions to actions: A theory of planned behavior. Springer Berlin Heidelberg, 1985.

BECKER, Howard S. Uma teoria de ação coletiva. Zahar, 1977.

BRANTINGHAM, Paul J.; BRANTINGHAM, Patricia L. (Ed.). Environmental criminology. Beverly Hills, 1981.

CLARKE, Ronald Victor Gemuseus; FELSON, Marcus (ed.). Routine activity and rational choice. New Jersey, 1993.

CORNISH, Derek e CLARKE, Ronald. The Reasoning Criminal: Rational Choice Perspectives on Offending. New York, 1986.

COSTA, Isângelo Senna da. O que são espaços inibidores de crime?. Disponível para acesso em

GIFFORD, R. The role of Environmental Psychology in the formation of environmental policy. Comunicação apresentada no Simpósio Internacional LAPSI-IAPS – Psicologia e Ambiente, São Paulo, SP, Brasil. 2002.

GUNTHER, Hartmut. A psicologia ambiental no campo interdisciplinar de conhecimento. Psicologia USP, 16 (1/2), 179-183. Sao Paulo: USP, 2005.

HEAL, K. & LAYCOCK, G. Situational Crime Prevention. London. 1986

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* Sigla em inglês para Crime Prevention Through Enviromental Design.

Fonte da Foto:

Local inseguro em Brasília

Fonte: http://veja2.abrilm.com.br/assets/images/2014/12/253714/Mato-Alto-07-size-598.jpg?1419085288 

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