Mocinho e Bandido

No meu tempo de infância, em Santana do Livramento, o passatempo preferido das crianças do sexo masculino, superando de longe o futebol em número de adeptos, era brincar de mocinho e bandido. Tratava-se de uma reprodução das perseguições e tiroteios típicos do gênero de filme que mais animava as platéias nas sessões dominicais – o bom e velho bangue-bangue. O resultado era sempre previsível. O sorteado para o papel de bandido enfrentava todos os outros e acabava preso.  
As notícias das últimas semanas sobre a exasperação da violência em São Paulo me fez pensar naqueles folguedos infantis. Ao fim e ao cabo, também no Brasil real, todo bandido que não morre antes, um belo dia acaba preso. Mas na manhã seguinte se apresenta de novo para brincar. Prenderam e soltaram. Vamos deixar essa frase assim, na base do sujeito oculto porque, de hábito, os responsáveis pelo soltar jogam a culpa uns sobre os outros. Em novembro de 2010, quando o Rio de Janeiro iniciou a ocupação dos morros com apoio das Forças Armadas, escrevi um artigo – “O Rio espana o morro” – afirmando que a bandidagem, como o pó submetido à ação do espanador, saía dali, mas iria pousar em outro lugar. Li, recentemente, no Estadão, que o Primeiro Comando da Capital (o PCC paulista) está abrigando criminosos do Rio, ligados ao Comando Vermelho (o CV). Segundo a matéria, essa interação das duas organizações começou, de fato, com a ocupação do Morro do Alemão e com a subsequente construção de quatro Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no local.
O fato me leva a algumas certezas. Primeira, fracassará irremediavelmente toda política de segurança pública que não incluir a ampliação dos contingentes policiais e a construção de estabelecimentos prisionais em números suficientes para atender a demanda. Segunda, o mero controle de território e a simples pressão sobre tal ou qual atividade criminosa apenas fazem com que os agentes do crime migrem para outro local ou para outro ramo. Terceira, será infrutífera toda legislação que desconhecer o fato de que a cadeia é o lugar onde os bandidos devem estar. Carência absoluta de penitenciárias é o sonho sonhado por todo delinquente.
A insegurança de que padecemos tem muito a ver com a ideologia da luta de classes e com o ressentimento da esquerda que nos governa desde 1995 (FHC cabe aí dentro, sim senhor) em relação à atividade policial e de segurança pública. Para essa mentalidade, polícia civil, polícia militar, repressão ao crime é tudo aparelho direitista contra os oprimidos. Duas décadas dessa mentalidade nos levaram à situação atual. Não há presídios, os quadros policiais estão esvaziados, as leis penais e processuais têm mais furo do que queijo suíço, e o crime compensa. Sim, o crime, no Brasil, virou um negócio de escasso risco e enorme rentabilidade. E, pior de tudo, sob uma proteção legal e institucional que se impõe à vontade dos próprios agentes da lei.
* Percival Puggina (67) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia e Pombas e Gaviões. Publicado originalmente no site: www.puggina.org.

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