Natan Donadon, a polícia e o Navio de Pirata

Hoje discutia com um amigo policial sobre as incongruências de nossa legislação penal e em como os princípios gerais do direito, no Brasil, acabam contorcidos a favor de um garantismo histérico. Explico, em terras tupiniquins, o simples fato de uma pessoa soprar o “bafômetro” pode ser considerado produzir provas contra si mesmo. Existe uma lei que delimita o uso das algemas a detalhes inexequíveis, absurdos, que impedem a ação policial ordinária. Recursos, subterfúgios e tecnicismos jurídicos acabam tirando marginais das cadeias antes do cumprimento de suas penas.

O problema dos meus questionamentos é sua premissa falsa, a de que os homens que escreveram estas leis ou os que proferem sentenças malucas estão imbuídos dos mesmos sentimentos de dever e cidadania nos quais acredito.

Lembram-se do amigo com quem estava conversando ele me jogou esta realidade na cara, de forma direta, explícita, e ao mesmo tempo impactante. Ele disse: – Depois que um deputado, condenado a 13 anos de cadeia, saí da câmara dos deputados no cubículo de uma viatura, preso, com destino a uma penitenciária, e sem perder o mandato. Você espera o que?

Exatamente esta é a questão: O que esperar das nossas “autoridades”? Dos nossos governantes? Das nossas instituições? Como um policial militar pode manter as leis nas ruas se elas não são respeitadas em seu nascedouro? Como esperar que o cidadão comum cumpra com suas obrigações, acredite neste nosso “pacto social”, em nossas leis na ordem e no progresso?

Nossa moderna, e frágil, democracia é achincalhada por toda sorte de imoralidades e desrespeito as leis e a ordem republicana estabelecida. Como vamos manter um Estado Democrático de Direito nestas condições? O enfraquecimento das instituições é um perigoso elemento para um possível processo de concentração da autoridade governamental. O enfraquecimento crônico do Congresso Nacional. E o processo mais agudo que vem sofrendo o judiciário. Poderão gerar, em futuro, mais próximo do que gostaríamos, um regime de poder concentrado nas mãos de algum “salvador da pátria”, aos moldes bolivarianos.

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Natan Donadon.

De um lado temos um Supremo Tribunal que arrota autoridade e justiça, mas no momento decisivo toca a bola para a outra casa decidir. De outro a casa, que deveria zelar pela democracia, desmorona inerte diante do deboche público. Perdendo força, autoridade e o respeito da população, crendo-se que ainda exista algum.

Parece que desta vez conseguiram, passaram dos limites, hoje, na penitenciária da Papuda, temos o primeiro preso deputado do país. Mas, ninguém precisa ficar preocupado, ao que parece, ele não receberá nem salário, nem as regalias do cargo enquanto estiver preso. Ufa! Que alívio. É constrangedor apenas imaginar o tratamento que este parlamentar está recebendo na cadeia. Será que os agentes penitenciários o tratam por excelência? Já fico imaginando na hora da boia:

– Excelência sua quentinha chegou. Dirá, solicito, o carcereiro.

Ou então em uma futura condução para depoimento:

– Deputado, sua excelência poderia colocar as mãos nas algemas? Perguntaria um inocente agente penitenciário.

– Como assim? Não conhece a resolução do supremo sobre algemas? Não há razão para isso. Você não tem esse direito! Responderia, ofendido, o deputado encarcerado. O negócio é ruim até de imaginar, chega a causar náusea. Mas, fazer o que? Parece que os diálogos acima estão mais perto da realidade do que jamais pode prever o mais malicioso crítico.

Depois de presenciar todo este espetáculo, imaginar estes desdobramentos, o policial tem que vestir uma farda, ir às ruas defender um sistema completamente falido, “mesmo com o sacrifício da própria vida”, como diz o juramento. Como encarar este desafio? Como podemos estar discutindo seriamente as razões das leis, a técnica policial o emprego da força quando tudo, nesta terra, parece ser um arremedo do mau gosto. Uma brincadeira sem graça, onde os ganhadores são sempre os mesmos. Um sistema fake, montado apenas para inglês ver, sem compromisso nenhum com os valores de um Estado Democrático de Direito.

É por isso que a fala do meu amigo foi tão impactante, pois trás, na constatação do óbvio, a clareza de estarmos navegando em barco sem rumo. Na caserna temos uma expressão para isso, Navio de Pirata. Sabe como é? O navio navega, mas o Capitão está bêbado, o imediato dançando em cima da mesa, os marujos brigando e o papagaio defecando na mesa do refeitório enquanto prostitutas nuas dançam no convés. Numa semana como essa cada policial sente-se como o último marujo sóbrio do navio, tentando controlar a embarcação, exercendo suas funções isoladamente, cumprindo o dever, mesmo tendo certeza de que o naufrágio é inevitável.

Luiz Fernando Ramos Aguiar.

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