O papel crucial das polícias militares em tempos de Covid-19

Em breve todo o Brasil pode estar paralisado. Ninguém deseja isso. Contudo, é nesse sentido que aponta o histórico das medidas frente ao Convid-19, principalmente na Europa[1]. Se esse cenário se confirmar, nos próximos dias as forças de segurança terão que, como as co-irmãs européias, fazer valer o toque de recolher nas ruas. O problema é que temos algumas variáveis que nos distinguem do Velho Continente para pior. Nesse cenário, a Polícia Militar, por sua missão constitucional e capilaridade em todo o território nacional, possui um papel fundamental.

A primeira variável que coloca o Brasil em uma situação peculiar é a cada vez mais possível convulsão do sistema penitenciário. No Estado de São Paulo, nesta semana, já houve a fuga de mais de 1.300 detentos[2] com relatos de ataques a agentes da lei em período de folga[3]. Isso impõe às polícias militares múltiplos desafios como a constante vigilância do perímetro dos presídios; os cuidados redobrados para com a segurança de seus homens, mulheres e familiares; e o aumento de criminosos nas ruas.

O perigo também vem de fora para dentro das prisões e não estamos nos referindo apenas à nova versão do coronavírus. Cresce a pressão de ONGs e abolicionistas penais para que  detentos sejam liberados sob o pretexto de se evitar a propagação da epidemia na cadeia[4]. Em verdade, centenas de presos já foram postos em liberdade, sobretudo no Estado de Minas Gerais[5]. São legiões de criminosos adicionais nas ruas dos quais não podemos esperar qualquer tipo de solidariedade para com a população. Isso nos leva a uma segunda variável: a possibilidade de saques em locais como estabelecimentos comerciais e templos por desordeiros e por bandidos profissionais.

Polícia Militar italiana garantindo o cumprimento de quarentena

Comércios fechados, igrejas esvaziadas, instalações de ensino sem a comunidade escolar e ruas desertas colocam muitos recursos materiais sem um importante fator de proteção: a vigilância natural. A ausência dos olhos da rua, nas palavras de Jane Jacobs[6], aliada a maior vulnerabilidade de bens e ao aumento no número de potenciais agressores a solta formam uma mistura explosiva em termos de segurança pública.

Uma terceira variável diz respeito à quantidade e às características de nossa população de rua. Claro que precisamos olhar a questão de forma mais ampla, dado que estamos falando de seres humanos  em situação de extrema vulnerabilidade diante de uma epidemia que assola o Brasil e o mundo. Porém, do ponto de vista estrito da ordem pública, como esperar obediência a quarentenas por parte do exército de zumbis dependentes químicos que vive em cracolândias ou embaixo das marquises das grandes cidades brasileiras? Se em condições normais de temperatura e pressão é quase impossível impedir que essas pessoas venham a depredar veículos e lojas, o que esperar delas com as ruas completamente vazias?

Diante desse cenário, é importante que as polícias militares garantam para si a profundidade estratégica necessária antes que o combate se inicie para valer. Principalmente porque a guerra a ser enfrentada nos próximos dias pode acontecer em um front definido ou em vários fronts simultaneamente. A missão das polícias militares pode envolver apenas a manutenção de quarentenas; quarentenas mais distúrbios civis; ou tudo isso aliado à necessidade de contenção de violência conflagrada.

Por profundidade estratégica, aqui, entenda-se a capacidade das polícias militares responderem aos desafios que temos realçado nestas breves linhas. Para tanto, recursos materiais e humanos precisam ser previamente alocados para serem manobrados onde quer que se façam necessários e em tempo hábil; isso vale tanto para ações de ataque quanto para ações de resguardo. O mais importante: as respostas precisam ser rápidas, efetivas e dentro das regras do Estado de Direito. 

Mais do que nunca, os comandantes policiais militares precisam demonstrar acurado senso de prioridade, muito foco. A hora é de se priorizar de forma absoluta a manutenção do serviço operacional. Por exemplo, as equipes responsáveis pela manutenção de serviços de rádio e comunicação precisam ser compartimentadas. Se um desses setores for contaminado por inteiro e ao mesmo tempo pelo Convid-19, quem será designado para dar continuidade ao serviço?  Escalantes e armeiros já possuem colegas em condições de substituí-los como no caso de baixa por saúde própria ou de familiares? Os policiais militares do expediente administrativo, tropa reserva, realmente precisa continuar cumprindo expediente nos quartéis tratando de temas que podem esperar o final da crise? Se não temos respostas para essas perguntas, estamos atrasados.

Nesse prisma, toda a atividade meio precisa estar direcionada a planos de contingência que garantam tanto à continuidade do serviço de rua quanto à existência de pronto emprego para ações envolvendo controle de distúrbio civil. Uma exceção a isso talvez seja o fortalecimento do atendimento de emergência de saúde aos próprios policiais militares e a seus dependentes. Por óbvio, na mesma categoria estão os processos de logística diretamente relacionados ao serviço operacional.

No quesito assistência de saúde, policías militares que exigem nível superior para acesso aos seus quadros podem estar em ligeira vantagem. Essas corporações podem desenvolver planos de chamada e contingência envolvendo policiais militares que possuem formação na área de saúde para reforço das ações de atendimento ao seu público interno. Ademais, principalmente priorizando a atividade fim, medidas mais intuitivas também podem ser adotadas, tais quais: a) a organização de planos de chamada para policiais do expediente administrativo já no formato unidade, companhia, pelotão e GPM por frações do território previamente definidas; e b) a designação de policiais militares que estejam prontos para assumir serviços como o atendimento 190, a reserva de armamentos, a confecção de escalas  e as guardas dos quartéis. Não precisamos ir além desses exemplos porque alternativas e competências não faltam aos comandantes policiais militares.

Sem dúvida vivemos um momento ímpar em nossa história. Contudo, desde a mais tenra idade desta grande nação, os policiais militares têm bem cumprido o dever de servir e proteger seus compatriotas. Desta vez não será diferente. Que Deus nos proteja a todos!


[1] https://edition.cnn.com/2020/03/09/europe/coronavirus-italy-lockdown-intl/index.html

[2] https://ponte.org/policia-investiga-acao-do-pcc-nas-mortes-de-dois-agentes-penitenciarios-em-sp/

[3] https://www.otempo.com.br/brasil/presidios-registram-fuga-em-massa-de-1-356-presos-em-sao-paulo-1.2311852

[4] https://www.conjur.com.br/2020-mar-17/coronavirus-ong-libertacao-presos-rio-janeiro

[5] https://www.otempo.com.br/cidades/coronavirus-cerca-de-1-500-presos-comecam-a-ser-soltos-em-ribeirao-das-neves-1.2312292

[6] https://www.archdaily.com.br/br/786817/jane-jacobs-e-a-humanizacao-da-cidade


Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.