Por que a previdência dos Policiais Militares é diferente?

Ao assumir o governo o presidente Temer tem defendido uma série de reformas que, na visão do governo, são fundamentais para a recuperação financeira do país. Neste sentido algumas autoridades têm apontado a previdência dos militares, estaduais e forças armadas, como um gargalo na administração do orçamento. Eles defendem uma reforma na previdência dos militares que teriam privilégios, como uma aposentadoria precoce. Mas neste processo todas as peculiaridades e situações específicas da carreira são ignoradas como se os militares fossem servidores comuns.

A carreira militar, seja nas polícias, forças armadas ou corpos de bombeiros, exigem de seus servidores compromisso e abnegação que servidores civis jamais poderão entender e, caso fosse exigido, faria com que a maioria deixasse sua carreira para vender batatas na feira. Afinal qual o analista, técnico, assistente administrativo, gerente de pessoal ou assessor legislativo que, no trabalho, precisa diariamente cumprir um compromisso de levar a cabo suas tarefas ainda que tenha que sacrificar a própria vida?  Para os que não sabem, cada policial, tem o dever legal e moral de cumprir com suas obrigações ainda que sua integridade física ou emocional esteja ameaçada. (Art 32.- inciso I – a dedicação integral ao serviço policial-militar e a fidelidade à instituição a que pertence, mesmo com o sacrifício da própria vida; Estatuto da PMDF)

Mesmo quando o militar passa para a inatividade a obrigação de submeter-se as regras e preceitos da caserna continuam, como previsto no artigo 13 parágrafo 3 º da  Nº 7.289, de 18 de dezembro de 1984 (Estatuto da PMDF):

Art 13 – A hierarquia e a disciplina são a base institucional da Polícia Militar, crescendo a autoridade e a responsabilidade com a elevação do grau hierárquico.

Parágrafo 3º – A disciplina e o respeito à hierarquia devem ser mantidos em todas as circunstâncias pelos policiais-militares em atividade ou na inatividade.

Se um médico, político ou juiz podem, ao se aposentar, utilizar o prestígio e os títulos decorrentes do exercício da profissão para o desenvolvimento de uma nova atividade. Aos policiais militares são impostas uma série de restrições, até mesmo quanto ao uso do posto ou graduação que o militar conquistou. Basta darmos uma olhada novamente na lei 7.289, Estatuto do Policiais Militares do DF, artigo 29, inciso XVIII, e todas suas alíneas:

Art 29 – O sentimento do dever, o pundonor policial-militar e o decoro da classe impõem, a cada um dos integrantes da Polícia Militar, conduta moral e profissional irrepreensíveis, com observância dos seguintes preceitos da ética policial-militar: 

XVIII – abster-se, na inatividade, do uso das designações hierárquicas quando:

a) em atividades político-partidárias;

b) em atividades comerciais;

c) em atividades industriais;

d) para discutir ou provocar discussões pela imprensa a respeito de assuntos políticos ou policiais-militares, excetuando-se os de natureza exclusivamente técnica, se devidamente autorizado; e

e) no exercício de cargo ou função de natureza civil, mesmo que seja da administração pública.

Na verdade mesmo atividades paralelas como ter um comércio, participar da administração de uma empresa ou ter um trabalho paralelo são muito restritas aos policiais militares, na verdade a legislação deixa transparecer a necessidade de uma dedicação quase monástica à carreira. Sem contar que os militares não desfrutam de garantias básicas de todos os trabalhadores, como fundo de garantia, limitação de horas trabalhadas semanais, horas extras ou qualquer outra garantia dessa natureza.  E não são imposições de ordem moral, mas limitações legais, que violadas resultam em punições severas sejam administrativas ou, em casos específicos, penais. (Lei 7.289, Estatuto do Policiais Militares do DF,  Art 30 – Ao policial-militar da ativa é vedado comerciar ou tomar parte na administração ou gerência de sociedade ou deIa ser sócio ou participar, exceto como acionista ou quotista em sociedade anônima ou por quotas de responsabilidade limitada).

É comum a todo profissional, mesmo ao se aposentar, manter alguma atividade relacionada à sua carreira. Muitas vezes até o exercício da profissão, seja para a complementação da renda ou como prestação de serviço a comunidade. Aos policiais que passam a inatividade está reservada a total desconexão com a profissão, afinal ninguém pode ser policial se não estiver nas fileiras das corporações. Não serviço voluntário, comunitário ou para complementação de renda onde o policial possa exercer sua profissão. A única alternativa é ser convocado enquanto estiver na reserva.

Até quando o policial militar se aposenta o processo não ocorre de uma vez, mas em duas etapas. Na primeira o profissional é conduzido à reserva, momento em que pode ser convocado a qualquer momento, e tem o dever de retornar a sua corporação ainda que não tenha nenhum interesse. O militar só está realmente aposentado quando é reformado, e então não tem mais obrigação de responder a um chamado. A condição da reforma é adquirida por se atingir uma idade determinada ou por questões de saúde, em ambos os casos considera-se que o profissional não tem mais condições do exercício da profissão e, por isso, encontra-se liberado da obrigação.

Outro fator a se considerar na aposentadoria dos policiais militares é a necessidade do vigor físico do profissional de segurança pública no exercício da atividade, principalmente no Brasil. O policial militar no serviço ordinário precisa carregar uma serie de equipamentos como: armas, munições, algemas, colete, rádio, tonfa ou bastão retrátil, taser, lanterna. Que pode chegar a mais de 10 kg de equipamento, atrelado ao corpo do policial por jornadas de trabalho que podem chegar a 24 horas seguidas, dependendo do tipo de escala. Muitas vezes o policial fica exposto ao sol, à chuva e ao frio. Se o policial pertence a uma unidade especializada como um batalhão de choque, a quantidade de equipamento é bem maior, em condições mais severas. Além disso, a natureza do trabalho exige o confronto físico, seja na contenção de uma pessoa presa ou no enfrentamento de elementos hostis. Essas características tornam o trabalho policial de difícil execução para as pessoas mais velhas, mesmo que os politicamente corretos se arrepiem e me chamem de “idosofóbico”.

Mesmo nas condições de trabalho mais adequadas os policiais ainda desenvolvem uma série de patologias, físicas e emocionais, em decorrência do trabalho nas ruas. Submetido cotidianamente ao estresse o policial fica mais suscetível a transtornos como depressão, ansiedade e a dependência química. Ainda as jornadas passadas em viaturas ou os períodos em que precisa ficar de pé por várias horas, ao longo do tempo, favorecem o aparecimento de problemas nas articulações e na coluna.

Os policiais militares trabalham e se aposentam sob condições muito específicas,  são exigidos muito além do que se pode esperar de qualquer servidor civil, por isso mesmo é fundamental que tenham um regime diferenciado de aposentadoria. A justificativa não é apenas o atendimento aos profissionais, pelo contrário, manter uma tropa em condições de atender à população, de forma eficiente e segura, é zelar pela segurança e pela tranquilidade da sociedade.

Eleger a aposentadoria dos policiais militares como um vilão do orçamento é criar um boneco de palha, um bandido imaginário. Contudo, destruir este boneco pode causar mais prejuízos do que se espera.

 

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