Soldado Izabella, precisamos entender

No dia 31 de agosto de 2014 a policial militar Izabelle Pereira morreu ao ser atingida por 17 tiros de uma submetralhadora que estava dentro da viatura onde estava de serviço, na cidade de Maceió. A policial tinha 25 anos e, de acordo com informações preliminares, os disparos teriam ocorrido de forma acidental.

O fato que poderia parecer resultado normal, decorrente dos riscos da profissão, se reveste de caráter trágico quando enfocamos que os disparos vieram de uma submetralhadora que estava no assoalho da viatura (não de uma arma nas mãos de um marginal) que deveria ter funcionado como ferramenta de defesa não como instrumento de morte. Sem dúvidas, quando um policial militar opta por transportar uma arma longa na viatura tem como objetivo principal aumentar a proteção da guarnição, melhorar a resposta de fogo em situações extremas. Ou seja, o policial quer aumentar suas chances de voltar vivo para casa.

Quando ouvi a notícia pelo rádio a primeira coisa que me veio a mente foi: Por que a arma estava no assoalho do carro? Qual o motivo do armamento não estar acondicionado em um local apropriado? Porque o cano da arma não apontava para um local seguro? Provavelmente por que, como na grande maioria dos estados brasileiros, a viatura policial não conta com um equipamento básico, barato, e que protege o policial em uma série de situações, um suporte para arma longa. Caso a arma estivesse encaixada em um destes equipamentos, mesmo se tivesse disparado, o cano estaria apontando para um local seguro e nenhum policial teria se ferido.

Contudo, o transporte de armamentos e equipamentos policiais soltos no interior de viaturas não traz riscos apenas de acidentes com disparos. Nos casos de colisões, ou capotamentos, da viatura, armas e equipamentos soltos, podem colidir com o corpo dos policiais causando traumas de grande gravidade. Basta lembrar que alguns equipamentos policiais, como tonfas e cassetetes, são projetados para produzir lesões com impactos e que os armamentos e munições pesam vários quilos possuem bordas metálicas e podem facilmente cortar a pele.

suporte 01

viatura com suporte

Outra falha que pode ter ocorrido e que a arma em questão estivesse com defeito ou fosse um equipamento muito antigo. Uma submetralhadora muito usada pelas polícias militares do Brasil é a MT12, modelo do início do século XX, em calibre 9mm, e que trabalha com um sistema de ferrolho aberto. Policiais mais modernos, principalmente que tiveram treinamento com pistolas e submetralhadoras mais novas, desconhecem esses sistema de funcionamento e acabam saindo para as ruas com a MT12 em ponto de disparo. Como as armas são muito antigas seus seletores de tiros, travas e outros sistemas de segurança costumam não funcionar com muita eficiência, podendo causar o tipo de acidente que ocorreu com a policial no nordeste. Por isso, os policiais mais antigos sabem que com a MT12 só se anda com ferrolho fechado, e o acionamento só acontece em caso de ocorrência. Entretanto, todas as matérias na sobre o caso afirmam que o calibre da arma era .40 fazendo com que essa teoria não tenha grande sustentação.

Infelizmente mesmo as submetralhadoras mais modernas tem apresentado defeitos de fabricação que resultam em rajadas inesperadas ou disparos acidentais, e podem ser uma explicação para a fatalidade ocorrida. O site Blitzdigital, em vídeo publicado no dia 30 de dezembro de 2013, produzido no estande de tiro do Batalhão de Operações Especiais da PMDF, já havia mostrado como os novos modelos de submetralhadoras da Taurus apresentavam um defeito muito semelhante ao ocorrido no acidente em Maceió (confira o vídeo abaixo ou no link https://blitzdigital.com.br/index.php/menu-videos-pm/681-novas-metralhadoras-da-taurus-vem-de-fabrica-com-defeito). No vídeo, a arma dispara rajada mesmo com o seletor em modo intermitente, ou seja, um tiro por vez. Inclusive, na matéria o site alerta que o defeito poderia acarretar em acidentes fatais. Entretanto, não podemos afirmar que a arma de Maceió é do mesmo modelo utilizado nos testes em Brasília, apesar das similaridades do calibre e do defeito. É preciso aguardar as investigações.

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O pior é que a lei brasileira obriga as polícias a adquirirem seus armamentos no mercado nacional, que conta basicamente com duas empresas. Sem concorrência, as corporações ficam a mercê de modelos genéricos de armamentos consagrados sem, entretanto, a segurança e confiabilidade das grandes marcas internacionais. Além disso, a restrição de mercado inflaciona os preços fazendo com que armamentos de qualidade mediana sejam adquiridos com preços, algumas vezes, superiores aos similares consagrados em testes de campo. Sem opção as policias são obrigadas a colocar seus homens em risco enquanto testam as maravilhas da indústria bélica nacional. É o capitalismo protegido, a concorrência assassina, quem se importa com a vida do policial que está na ponta da linha? Quem vai chorar a morte da Izabelle?

Toda essa conversa de mercado, tecnologia e concorrência parecem distante de nós, política fria e sem importância, mas o resultado dessas políticas refletem diretamente na vida dos operadores de segurança pública. Caso políticas adequadas tivessem sido adotadas o armamento e a viatura da policial poderiam estar dentro dos padrões operacionais mínimos. Então, não estaríamos falando sobre mais um policial morto em serviço, no máximo sobre uma viatura com o teto furado ou outro coisa do gênero, talvez nem isso.

Mas, como neste país vivemos uma democracia frágil e um capitalismo de faz de conta a população acaba pagando o pato. Desta vez, quem está sofrendo é mais uma família de policial militar que, provavelmente, está inconsolável. Porque perdeu a filha não na luta contra crime, mas, na luta contra um estado arcaico, que para proteger um nicho de mercado, deixa mais de 500.000 policiais militares desprotegidos.

A morte de Izabelle poderia ter sido evitada com medidas simples, que vão desde procedimentos operacionais até as políticas de reserva de mercado de armamento. A verdade é que muito pouca gente está preocupada com as Soldados Izabellas espalhadas pelo Brasil. Sempre que se discute segurança pública pouco se fala sobre o principal “item” do pacote, o ser humano que irá executar todas as super ideias que nossos políticos terão. Se estes homens e mulheres continuarem a serem tratados como Izabella não há esperança para nosso país.

Fonte: www.capitaoaguiar.com.br

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