Turma Dom João VI – 21 anos de serviço, proteção e sacrifício

Aprendi que as estrelas indicativas dos postos são colocadas sobre os ombros dos oficiais não como ostentação de autoridade, mas são um memorial perpétuo das obrigações e do peso que estão depositados sob cada decisão que tomamos. Em maio de 1998 cerca de 100 garotos, recém-saídos da adolescência, firmaram um compromisso de sangue e entregaram suas vidas ao serviço e a proteção da sociedade, mesmo que, na época, não tivessem a exata noção do que isto significava. Queríamos ser heróis, prender bandidos, ajudar as pessoas e provar nosso valor enfrentando o crime nas ruas da capital. Após 21 anos de confrontos diários com a realidade aprendemos que nem sempre o policial sobrevive à missão, que burocracia é um inimigo feroz e que nossa profissão, muitas vezes, exige mais do que podemos dar.

Recém-formados, tivemos nossa primeira baixa, Maurício, falece em um acidente automobilístico indo para o trabalho. Por um capricho do destino fui incumbido de abrir o armário dele para preparar a túnica que ele usaria como mortalha. Enquanto colocava na farda as bucaneiras e as platinas as lembranças do amigo tornavam a tarefa quase insuportável. Entretanto, o primeiro golpe que mostraria a natureza do nosso sacerdócio foi quando o Aspirante Charles, ao apoiar uma guarnição em ocorrência, durante sua folga, foi covardemente apunhalado por um marginal. A fatalidade marcou de forma permanente a mente e o coração de cada membro da turma Dom João VI, mostrando a crueza, a violência e a irracionalidade do crime.

Outra tragédia marcou de forma irrecuperável a 9º turma de oficiais da Academia de Polícia Militar de Brasília, a morte prematura e incompreensível do Tenente Sagiorato, morto por um outro oficial nas dependências do Batalhão de Trânsito. A dor foi lancinante e, ainda hoje, quando fecho os olhos posso ver a imagem do funeral e ouvir o ensurdecedor toque de silêncio, interrompido pela sinfonia estrondosa da salva de tiros, uma homenagem que gostaríamos de nunca prestar aos nossos companheiros.

Lembrar dos amigos que não estão mais entre nós pode parecer inadequado em um momento de comemoração, mas manter viva a memoria de nossos companheiros é fundamental para honrarmos os sacrifícios e a dedicação tanto dos que se foram quanto dos que ainda estão na batalha. Irmão de farda, nosso consolo é certeza de que hoje os senhores servem nos exércitos celestiais e alimentamos a esperança de logo nos reencontrarmos.

Se a dor é uma companheira inconveniente, não podemos deixar de ser gratos por todas as alegrias decorrentes das conquistas da carreira. O crescimento profissional dos integrantes da Dom João VI é patente, integrados em praticamente todas as áreas da Polícia Militar do Distrito Federal nos acostumamos a nossos companheiros “carregando o piano”. Atualmente, grande parte das unidades operacionais da corporação estão sob o comando de membros da nossa turma, e a empolgação, comprometimento e dedicação deles nos fazem pensar que aqueles 4 anos de aspirantado, nos contaminaram de forma irremediável.

Coragem, impetuosidade e capacidade de assumir as reponsabilidades de suas decisões tem sido a marca da atuação dos componentes da confraria Brutus.
A turma Dom João VI foi a última turma formada no século XX, somos os representantes de uma classe de policiais militares em extinção. Algumas vezes temos dificuldades em entender e aceitar as mudanças, que os novos tempos e as tecnologias nos trazem. Mas como somos os últimos representantes de uma era analógica, mantemos nossa disciplina, nossa honra e compromisso. E nesta década derradeira de serviço policial militar manteremos nosso juramento, mesmo com risco da própria vida.

Parabéns a todos os integrantes da Cia Brutus.

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