As “vacas sagradas da segurança pública” do Brasil de 2019 — que não sejam tão sagradas em 2020

O Brasil vive um tempo de descompressão nesse final de 2019 e início de 2020. É uma descompressão moral que resulta da desmistificação (com a mistificação sendo fruto de logro, burla, engano ou tapeação) de antigas “novas regras básicas” sobre um sem número de coisas. O politicamente correto vem dando lugar ao “O rei está nu”. E isso não tem ideologia — é a mera aplicação da lógica da obviedade, com ela sendo aplicável tanto sobre o pensamento de esquerda quanto de direita. E a lógica parece ser ambidestra… Estamos “descobrindo” coisas tão óbvias quanto uma crônica falta de saneamento básico ao longo do Brasil inteiro, algo que absurdamente acontece ao mesmo tempo em que o mesmo país (celeiro do mundo) possui cientistas renomados e reconhecidos internacionalmente…

A “vaca sagrada”, no Brasil, é uma expressão que designa coisas ou seres intocáveis — não tão intocáveis de fato (na realidade brasileira). Bem longe daqui, esses animais são mesmo intocáveis entre os hindus (cultura que deu origem à expressão “vaca sagrada”). Não sem razão. As vacas, na realidade histórica daquele povo do subcontinente indiano, são fontes de coisas extremamente úteis para eles, coisas essas tão diversas quanto leite, laticínios e até mesmo esterco (utilizado tanto como combustível quanto fertilizante). Na perspectiva menos material, o hinduísmo prescreve que a alma está presente em todas as criaturas, o que inclui os bovinos. A vaca e o touro seriam símbolos de Darma, uma espécie de divindade (e também conceito) da milenar religião védica.

A “vaca sagrada” brasileira, entretanto, não é materialmente útil, tampouco louvável espiritualmente. Ela é formada por uma mística dogmática que, na verdade, esconde logro, burla, engano ou tapeação por parte da “vaca” (e de seus respectivos arautos). Isso faz lembrar o diálogo anedótico entre duas pessoas pouco letradas, no qual a impossibilidade de entendimento do que um palestrante fala é tida como simbólica de erudição e sabedoria. De maneira análoga, parece ser o caso vis-à-vis o conteúdo das transmissões da TV Justiça do Brasil atual. Não seria diferente diante de um extinto programa de governo no qual médicos não seriam tão médicos como os demais. Para tomar mais um exemplo de serviços essenciais, as “vacas sagradas brasileiras” também pontificam contra a polícia, ao mesmo tempo que qualificam de suspeitos aqueles que são flagrados enquanto praticavam crimes identificáveis até mesmo pelo mais leigo dos homens comuns.

Que 2020 traga para o Brasil menos vacas sagradas e respectivos arautos/proponentes. Que o logro, a burla, o engano e a tapeação tenham um pouco mais de moderação nos próximos 365 dias. Sempre oportuno lembrar Abraham Lincoln ao afirmar que “Pode-se enganar a todos por algum tempo; pode-se enganar alguns por todo o tempo; mas não se pode enganar a todos por todo tempo”. Qualquer que seja a ideologia, parece que 2019 foi um ano de desmistificação de uma antiga colônia de fidalgos e depois de “espertos”, salvadores da pátria. Mas o tempo está mudando e a circunstância mutante vai junto com ele nesse 2020 que está pouco adiante. Não há como resistir — o tempo não para. Já dizia o filósofo José Ortega y Gasset: “Eu sou eu e a minha circunstância, e se não salvo a ela, não me salvo a mim.” Que sejamos todos salvos em 2020 — Feliz Ano Novo!

Geroge Felipe de Lima Dantas

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