EGOLATRIA NOCIVA

General Reformado Luiz Eduardo Rocha Paiva.

Além de Deus, existem profissionais sempre lembrados e solicitados em momentos de grandes riscos, crises e ameaças – os de Saúde, os do Direito e os Soldados.

Ao cidadão de bom senso, traz insegurança ver os três Poderes da República, no âmbito de grave crise sanitária, empenhados em mútuo e disruptivo conflito político, onde as três atividades profissionais poderão subir ao palco do embate simultaneamente. Hoje, falta apenas a última delas, a militar, e isso não será bom. Porém, numa escalada em que os três Poderes provoquem desequilíbrio entre si e ruptura institucional, que desaguem em convulsão social e anomia, essa indesejável presença irá acontecer para salvar o próprio Estado de Direito, a democracia e a paz interna.

O artigo nº 142 da Constituição Federal atribui às Forças Armadas: a defesa da Pátria, portanto sua soberania e unidade política; a garantia dos Poderes Constitucionais, portanto a harmonia e o equilíbrio entre esses pilares da democracia; e a recuperação da lei e da ordem em caso de anomia e consequente convulsão social.

Que fique bem claro não se estar defendendo a implantação de regime militar, nem lei de exceção, mas sim a ordem institucional vigente. O que preconiza o artigo está sendo afetado pelas ações dos próprios Poderes da União, considerada a vertente política desse injustificável conflito, onde são evidentes o mal gerenciamento pelo Executivo e os nefastos interesses de lideranças dos demais Poderes, ou seja, os da velha política patrimonialista e fisiológica.

Em tal cenário, decisões de ministros da Suprema Corte devem ser respaldadas no que seja legal e justo, mas precisam refletir bom senso, jamais se deixando poluir no afã de satisfazer egolatrias nocivas. Urge atuar para a recuperação da coesão nacional, harmonizando as instituições para suplantar a crise sanitária e o conflito político, ambos cindindo a sociedade.

Causou espécie a decisão do Ministro Celso de Mello que, soberbamente, invocou mandamento da época imperial: condução “debaixo de vara” de ministros do Executivo, ressaltando, ainda, que a Suprema Corte dá “valioso precedente”. Dizeres inúteis, pois os ministros iriam acatar a decisão, não por temerem a espetaculosa ameaça, mas por serem cidadãos-soldados cientes de suas obrigações legais.

A história não se repete mas, em situações semelhantes, embora longínquas no tempo, se os gestores de hoje cometerem erros similares aos do passado, as consequências poderão ser, infelizmente, igualmente danosas. A propósito, trago a lume um episódio que teria ocorrido, também, no âmbito de um conflito entre Poderes no início da República. Refiro-me a uma passagem atribuída a Floriano Peixoto, então Presidente, quando se referiu ao Supremo Tribunal de Justiça, pretório excelso de então, dizendo:

“Se os seus ministros concederem ordens de Habeas Corpus contra os meus atos, eu não sei quem amanhã lhes dará o Habeas Corpus de que, por sua vez, necessitarão”.

Quem tem certeza da própria autoridade moral não precisa decidir com ameaças provocativas e inúteis. Serenidade e bom senso é o que se espera das autoridades da República, ao invés de egolatria nociva e disruptiva em momento tão delicado.

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