O modelo policial no Quênia

A República da Quênia é um país da África oriental que se tornou independente do Reino Unido em 12 de dezembro de 1963. Com uma população com cerca de 45 milhões de habitantes, a sua capital, Nairóbi, é a cidade mais populosa e importante do país. O Quênia é uma república presidencialista e o maior centro comercial e econômico da região (áfricas central e oriental), tendo em seus 580.347 km2 de extensão territorial inúmeros patrimônios culturais do continente, sendo conhecido pelos safaris, parques nacionais, o Lago Victoria e com umas das tribos mais antigas da África, como os Masai Mara.

O Serviço Nacional de Polícia (National Police Service – NPS) é a instituição policial responsável por todas as atribuições de segurança pública na República do Quênia, de natureza completamente civil, tendo sua nomenclatura sido substituída em 2012, deixando de ser a “Força Policial do Quênia” (Kenia Police Force – KPF) a fim de adotar conceitos e filosofias mais modernos de polícia democrática, o de prestar serviço à população. O NPS se encontra ainda em processo de reforma, desde a promulgação da nova Constituição do Quênia, de 2010. A estrutura da reforma é considerada global e sistêmica, e leva em conta aspectos estruturais e culturais, dentre outros. O objetivo é alcançar uma resposta mais ágil e eficiente do serviço policial e que ele seja centrado na sociedade e na aplicação das leis.

A polícia nacional do Quênia contem aproximadamente 90 mil profissionais e não há limite percentual entre homens e mulheres. Atualmente, há uma campanha para atrair mais mulheres para ingressar na instituição, as quais representam apenas menos de 10% do efetivo. A legislação não permite a sindicalização, mas existe o “Welfare”, uma associação onde os membros interagem e buscam melhores condições de trabalho junto as autoridades. O NPS é a única instituição policial/segurança pública do país. Até 2010, existiam dezenas de agências policiais, a cargo dos estados, municípios e cidades. Mas com a reforma geral do sistema e modelo policial de 2010, foram todas incorporadas a um únicoórgão policial.

O Serviço Nacional de Polícia é chefiado pelo Inspetor-Geral de Polícia (IGP). O IGP não estáem nível operacional, mas em estratégico e na coordenação de políticas de segurança pública. Abaixo do IGP estão três subinspetores-gerais de polícia, os quais são responsáveis pelas seguintesáreas especializadas:

  1. Serviço de Polícia do Quênia (Kenia Police Service – KPS). Este é o pilar responsável pela maior parte dasfunções de policiamento geral de aplicação da lei e ordem. Todos os policiais uniformizados que operam nas unidadespoliciais se enquadram nessa categoria. É a principal função de policiamento no país, sendo o departamento responsável pelo policiamento ostensivo e de polícia administrativa.
  2. Direção de Investigação Criminal (Directorateof Criminal Investigation – DCI). Esta é o equivalente queniano aoFederal Bureau Investigation (FBI) americano ou do Departamento de Polícia Federal (DPF)brasileiro, responsável pelasfunções de investigação (políciajudiciária) em todos os níveis (locais e internacionais), coordenação com o sistema de justiça criminal e ministério público. Os policiais não usam uniforme rotineiramente, mesmo sendo de carreira. O emprego de uniformes se dá em ocasiões específicas.
  3. Serviço de Polícia Administrativa(Administration Police Service – APS). É composto por policiais uniformizados com funções peculiares, como controle de fronteiras, certos tipos de roubos, segurança de instalações do governo,etc. Pode-se equipará-los ao conceito de uma “gendarmaria” (militarizada), embora esse seja um conceito derivado do modelo francês e não do sistema britânico, adotado no Quênia.

O Serviço Nacional de Polícia possui 12 patentes, divididas em ciclos de “não oficiais”, “oficiais” e “oficiais nível general”. A partir de superintendente-adjunto de polícia, as promoções são publicadas na “gazzete” (algo como diário oficial). Abaixo dessa patente, são publicados em atos próprios.

Patentes equivalentes ao ciclo de “não oficiais”:

  1. Police Constable (PC). Equivalente ao soldado policial militar ou agente da polícia civil, conforme tipo de atribuições.
  2. Cabo (Corporal);
  3. Sargento (Sergeant) / Sargento sênior (SeniorSergeant)

*O Sargento sênior é uma patente para sargentos em fim de carreira que não ascenderão ao ciclo de oficiais (por antiguidade e para diferenciar dos sargentos mais modernos).

Patentes equivalentes ao ciclo de “oficiais”:

  • Inspetor (inspector);
  • Inspetor-chefe (chiefinspector);
  • Superintendente-adjunto de polícia (AssistantSuperintendentof Police);
  • Superintendente de polícia (Superintendentof Police);
  • Superintendente-sênior de polícia (SeniorSuperintendentof Police);

Patentes equivalentes ao ciclo de “oficiais generais”:

  • Comissário de polícia (Commissionerof Police) – equivalente a general 1 estrela;
  • Inspetor-geral adjunto (Assistant Inspector General) / Assistente Sênior Inspetor-General de Polícia (SeniorAssistant Inspector General of Police) – equivalente a general 2 estrelas;

*O Assistente Sênior Inspetor-General de Polícia é uma patente para Inspetor-geral adjunto em fim de carreira que não ascenderão as patentes acima.

  1. Subinspetor-Geral (Deputy Inspector General) – equivalente a general 3 estrelas;
  2. Inspetor-Geral de Polícia (Inspector General of Police) – equivalente a general 4 estrelas;

Para os policiais de carreira, o acesso é único e todos devem ingressar como policeconstable, por meio de concurso público, permanecendo ao menos 2 anos no policiamento ostensivo até possuírem o tempo mínimo (interstício) para habilita-los a realizar concursos internos para cabo ou diretamente para o ciclo de oficiais (inspetor). O nível educacional exigido é o nível médio e o curso de formação dura 9 meses. Existem cursos obrigatórios de formação para policeconstable, cabo, sargento, inspetore inspetor-chefe. A partir de superintendente não há mais cursos de formação ou de carreira.

Certas áreas de especialidades, como de medicina, direito e forense, candidatos com diploma superior na área podem realizar concurso e entrar como inspetores, não ascendendo mais que o nível de superintendente-adjunto de polícia (equivalente ao de capitão policial militar).

            As promoções levam em consideração os seguintes indicadores: patente atual, antiguidade, qualificação de exames levados a efeito em cada posto, tempo de serviço, conduta/histórico disciplinar, qualificação acadêmica, propensão à liderança, desempenho na entrevista do comitê de promoção, dentre outros. Esses critérios são adotados da patente de policeconstable a de superintendente-adjunto de polícia.

            Da patente de superintendente de polícia a inspetor-geral adjunto (AIG), a Comissão Nacional de Serviço da Polícia se reúne para determinar os oficiais que preenchem os critérios de meritocracia adequados a promoção. Para os cargos de subinspetor-geral e inspetor-geral, uma vez que exista um claro, a Comissão Nacional de Polícia dará publicidade em diário oficial (gazzette) para que candidatos apliquem para o processo seletivo para as vagas abertas. Para as patentes de superintendente de polícia a inspetor-geral adjunto, a Comissão após deliberação envia os nomes dos melhores avaliados ao parlamento do país para verificação e aprovação. A nomeação do Inspetor-Geral será apresentada pela Comissão Nacional de Polícia ao Parlamento, sendo, posteriormente, enviado ao presidente do Quêniapara a nomeação formal. Precede a escolha, a divulgação da abertura de processo seletivo em diário oficial para que candidatos possam aplicar para o cargo, por ato do presidente, preservando princípios da publicidade, transparência e avaliação dos candidatos por diferentes esferas de poderes.

            No Quênia, o Inspetor-Geral de Polícia responde diretamente ao Ministro do Interior no que se refere a políticas públicas e atividades operacionais. Entretanto, para assuntos de “supervisão e revisão de atos administrativo” por parte da polícia (oversight), a Comissão Nacional de Polícia é um órgão encarregado por fiscalizar os atos administrativos a fim de evitar erros ou má fé em assuntos diversos como promoções, orçamento e lotações/transferências. A Comissão é composta por membros do parlamento, advogados, especialistas em recursos humanos, membros da sociedade civil, além do Inspetor-Geral e os três subinspetores-gerais.  

             Não existe qualquer relação estruturada, funcional ou operacional entre a polícia nacional e para com as Forças Armadas. No Quênia, o mandato das Forças Armadas se restringe a defesa nacional/soberania do estado em caso de ameaças externas e defesa das fronteiras nacionais, e não têm nenhum papel na segurança interna.As Forças Armadas do país não tem qualquer papel em questões de aplicação da lei, de policiamentoe na segurança pública, ao menos que haja um desastre nacional, quando são solicitados a cooperar com o Serviço Nacional de Polícia com apoio logístico.

            O tempo de serviço dos policiais para fins de aposentadoriaé de 27 anos e 10 meses ou ao atingir a idade de 50 anos, o que ocorrer primeiro. Entretanto, a partir dos 20 anos, os policiais quenianos podem se aposentar proporcionalmente, recebendo um lump-sum (montante em pecúnia). O policial pode optar por permanecer trabalhando até os 60 anos, limite para aposentadoria compulsória. As vantagens de se permanecer além dos 50 anos de idade, ou dos 27 anos e 10 meses de tempo de serviço, é que o profissional recebe anuênio, ou seja, policiais na mesma patente recebem salários diferentes. Ademais, podem ser promovidos ou ocupar cargos importantes, frisando que o valor da pensão será referente ao último salário que o policial recebeu ainda durante o serviço ativo.Se um policial falece, seu cônjuge tem direito a pensão integral durante cinco anos após o óbito. Os policiais recebem benefícios integrais quando da aposentadoria e, algo interessante e bem diferente da maioria dos países, os policiais quenianos não contribuem com nenhum valor para fundos de pensão durante a carreira.O relatório publicado pela Global Peace Index de 2017 afirma que a Alemanha ocupa a 16ª posição no ranking de países mais seguros do mundo (dentre 163 países estudados com 23 indicadores qualitativos e quantitativos), enquanto o Brasil o 108° lugar. Uma pesquisa do Instituto Gallup, 2018 Global Law andOrder, coloca o Brasil como o quarto país no mundo em que as pessoas se sentem mais inseguras, entre 142 nações, ficando apenas atrás da Venezuela, Afeganistão e Gabão. A Alemanha aparece em 11º lugar.

A constatação de que o antigo modelo adotado no Quênia era improdutivo e ineficiente levou as autoridades nacionais a realizarem uma grande reforma estrutural, durante a constituinte de 2010, incluindo a completa reforma do modelo de polícia e segurança pública no país, criando apenas uma única instituição nacional, com três grandes áreas de atuação. Não existe uma formula correta, mas estudos e transparência nos processos que antecedem, implementam e analisam as politicas de reformas policiais precisam ser bem estudadas e com a participação de todos, desde o policial mais moderno aos mais antigos no âmbito interno, e a posteriori, dos membros dos poderes constituídos para se implementar as mudanças imperiosas para se modernizar e avançar com o tema da segurança pública.

O Quênia optou por unificar todas as instituições em uma única, com órgãos de monitoramento multidisciplinar de fiscalização dos atos e aprovação de promoções inclusive com chancela do parlamento das patentes mais altas, julgando o princípio da imparcialidade e não da “politicagem” o que deve prevalecer em todas as tomadas de decisão. Os critérios de seleção do chefe da polícia, o Inspetor-Geral é muitíssimo interessante, pois se inicia com a voluntariedade dos que sejam habilitáveis, segundo a descrição que o cargo exige. Essas medidas, buscam evitar ao máximo os critérios integralmente políticos para escolha do cargo máximo dentro da polícia, e que pode ser considerado um bom exemplo para outras instituições.

O sistema federativo previsto na Constituição brasileira garante a autonomia das unidades federativas, algo bem diferente do Quênia. Muito se tem questionado sobre unificações e ou ciclo completo para ambas as policias militares e civis no Brasil como as alternativas mais viáveis para melhorar os índices de produtividade e reduzir os índices criminais. Esse conceito de meia polícia existente no Brasil (“ciclo completo ou incompleto de polícia”) sem dúvida está mais que provado ser um modelo ultrapassado que nem mesmo os que o originaram usam mais.

Considerando a necessidade da sociedade brasileiraem ter um serviço policial mais eficiente e com índices criminais baixos, ao menos três lições podem ser tiradas da experiência queniana: (1) Até que ponto a falta de transparência e participação para a realização de reformas dos modelos policiais e do sistema de segurança pública continuarão a não ser considerados como prioritários? (2) Até quando critérios de indicações simplesmente políticas pelo chefe do poder executivo para os cargos de chefia, muitas das vezes com nomeações de profissionais sem experiência, incompetentes e sem capacidade e maturidade técnicas para os cargos, permanecerão a ser uma realidade para os órgãos de segurança pública? Convém ressaltar que o Brasil é o país com a maior taxa de crimes violentos do mundo e tem um modelo de meias policias praticamente inexistente em qualquer outro país. E, (3) a existência de algo semelhante a “Comissão Nacional de Polícia” poderiaser estudada como uma alternativa a fim de dar uma maior credibilidade aos atos realizados pelas instituições policiais.

Referências:

Republica do Quênia. Constituição do Quênia. 2010.Disponível em http://www.icla.up.ac.za/images/constitutions/kenya_constitution.pdf.

Republica do Quênia.Ato da Comissão Nacional de Polícia. Disponível em http://www.icla.up.ac.za/images/constitutions/kenya_constitution.pdf .

Lei da Polícia Nacional.Disponível em http://www.nationalpolice.go.ke/downloads/category/5-acts.html

Serviço Nacional de Polícia.Ordens Permanentes de Serviço. Disponível em http://www.nationalpolice.go.ke/downloads/category/5-acts.html

Entrevista a SSB.

Fontes abertas diversas.

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