Heil, Stálin!

Nos primórdios da Internet surgiu a lei de Gödwin. Segundo essa lei, toda discussão na internet se prolongaria até que alguém fosse comparado a Hitler. A consequência é a seguinte: uma comparação com Hitler encerra a discussão instantaneamente, de forma que quem a faz mostra-se incapaz de argumentar e, portanto, perde o debate. O crítico Alexandre Soares Silva, que é muito melhor que eu, diz que a lei de Gödwin é muito chata, e eu concordo com ele.

De certa forma, contudo, é preciso tomar cuidado. Hitler é tido como a encarnação do mal e virou algo como o “ponto final” de todas as discussões sociais. Sabe quem mais era antitabagista? Hitler. Vegetariano? Hitler. Usava bigode? Hitler. Uma hora cansa, de fato.

É-nos bem claro que Hitler tinha em mente uma utopia: o III Reich, baseado na suposta superioridade ariana, que seria uma sociedade perfeita, ou quase perfeita; o paraíso na terra. Para chegar a essa utopia, valia tudo. Diziam que os judeus exploravam o povo alemão: expropriemos os judeus; os católicos espalham a superstição e a fraqueza: combatamos a religião; os ciganos são inferiores: matemos os ciganos; e por aí vai.

O grosso da história nos é bem familiar dos nossos livros do ensino fundamental: a Alemanha estava falida e desmoralizada após a I Guerra, Hitler ascende ao poder com um discurso nacionalista, reergue economicamente o país e, com base em seus méritos, vai acumulando mais e mais poder. Faz incursões bélicas para tomar territórios e o poderio germânico só cresce.

Mas neste cenário há uma pergunta que não quer calar: se a Alemanha estava falida economicamente e proibida de ter um arsenal após a I Guerra Mundial, como de repente ela conseguiu dinheiro, armas e exército para fazer isso tudo?

Simples: a União Soviética a financiou.

Documentos descobertos nos arquivos secretos soviéticos, abertos por Bóris Iéltsin, mostram que a União Soviética, muito antes do pacto de Molotov-Ribbentrop, já enviava, em violação do tratado de Versailles, armas e outros bens à Alemanha Nacional-Socialista. A razão era dupla: Moscou considerava o nazismo muito parecido com o comunismo, tanto que impedia o partido comunista alemão de combater o partido nazista diretamente; além disso, o expansionismo de Hitler manteria as nações a seu ocidente ocupadas, enquanto a União Soviética poderia dominar outros povos.

O pacto de Molotov-Ribbentrop, esse mais conhecido porque impossível de esconder, tornou a colaboração alemã-soviética mais próxima e mais ampla. Divulgado à época como um mero pacto de não agressão, na verdade era uma divisão de toda a Europa Oriental entre o domínio alemão e domínio soviético. Entre outras coisas, afirmava que a “Polônia deveria deixar de existir” – o que a história mostra que foi tentado à risca.

É possível questionar: a propaganda dos soviéticos não condenava o “fascismo”, chegando a afirmar que a Polônia e a Finlândia (onde heróis como Simo Häyhä detiveram o exército soviético, o maior do mundo) eram países fascistas como desculpa para invadi-los? Sim, a propaganda dizia exatamente isso. Mas o próprio Lênin dizia: “acuse-os do que você faz, xingue-os do que você é”. Nazismo e Comunismo são irmãos gêmeos.

Mussolini era secretário do Partido Socialista Italiano, e saiu por razões conjunturais: sem ascender no partido, resolveu montar sua própria turminha (como vemos os trotskistas fazerem aos montes no movimento estudantil, ou mesmo em partidos como PCO, PSTU e PSOL, três dissidências do PT). Surgem aí seus vários partidos fascistas, iniciando pelo Feixe Autônomo de Ação Revolucionária (nome que me lembra cena clássica do filme “A Vida de Brian”, sobre as cisões na Frente de Liberação da Judéia).

O jornal New York Times, em 28 de novembro de 1925, reporta que Göbbells gerou animosidades e brigas ao afirmar que “Lênin era o maior homem, perdendo apenas para Hitler”, e que “a diferença entre o comunismo e a fé de Hitler era muito sutil” (ŠNORE, 2008). Parece que uma facção considerável do Partido dos Trabalhadores Nacional-Socialista (esse era o nome completo do Partido Nazista) concordava com ele, e outra discordava veementemente, gerando a confusão.

Se olharmos os cartazes de propaganda nazista e comunista, notamos que eles são praticamente idênticos em texto, ideologia e estética. Grandes bandeiras, punhos em riste, camponeses e operários em marcha. A estética revolucionária soviética – famosa mundialmente e usada até hoje com primor por grupos como o Movimento da Negação.

Não só isso, o discurso de justificação é semelhantíssimo. Para os comunistas, a ditadura do proletariado; para os nazistas, o Reich ariano. Para os dois, o paraíso na terra. Os males da nação eram devidos aos judeus ou aos burgueses; bastava escolher um dos dois e se saberia se estava no grupo de Hitler ou no de Lênin.

Mas os documentos de Moscou fazem uma outra revelação impressionante: desde antes da II Guerra, a União Soviética já deportava, a pedido de Hitler, judeus para a Alemanha. Não apenas isso: foi descoberto que a Alemanha enviou emissários à Rússia para que estudassem o novo método usado pelos comunistas: campos de trabalho forçado para os inimigos do regime (os campos de concentração). Foram os comunistas que inventaram os campos de concentração e toda a “tecnologia de morte” utilizada neles; os nazistas foram à Rússia e aprenderam como fazer.

Mas as descobertas não param por aí: após o fim da II Guerra Mundial, os campos de concentração criados por Hitler na porção oriental da Alemanha – que ficou sob o domínio soviético – continuaram em atividade. Como os soviéticos já estavam familiarizados com aquele método há mais tempo que os nazistas, Stálin manteve em funcionamento as usinas da morte que todos desprezamos.

Gulag, campo de concentração soviético

 

Já ouvi muito que os atos de Stálin foram um “acidente” e que o que ele fez não é “o verdadeiro socialismo”. Mas, quando se lê as palavras dos dois pais fundadores do socialismo vemos algo muito semelhante ao nazismo. Investigando documentos antigos e geralmente desconhecidos de Marx e Engels, os historiadores têm se deparado com textos surpreendentes.

Friederich Engels, no jornal Neue Rheinische Zeitung, em janeiro de 1849, escreveu que quando a revolução socialista acontecesse, e a luta de classes ocorresse, haveria sociedades primitivas na Europa, “dois estágios atrasadas”, porque sequer eram capitalistas, e as chamava de “lixo racial”, ou “povo descartável” — dependendo da tradução de “völkerabfälle” –, advogando sua destruição. Já Karl Marx escreveu literalmente: “As classes e raças fracas demais para dominar as novas condições de vida devem se entregar”. “Elas devem perecer no holocausto revolucionário” (MARX apud ŠNORE, 2008).

Prestem atenção à palavra usada pelo pai do comunismo: Holocausto. Marx, quando Hitler nem era nascido, já advogava o morticínio, chamando-o exatamente de holocausto, para aqueles que ele considerava “povos inferiores”.

Os achados não param por aí. Bernard Shaw, um famoso socialista inglês, defendia que aqueles que produzem menos do que consomem deveriam ser exterminados. Apenas tinha a “nobre” restrição de que eles não deveriam sofrer muito, deveriam ter uma “morte humana”, e pedia que se descobrisse um gás letal que matasse de maneira indolor. Quanto humanismo! Poucos anos depois esse gás foi descoberto e usado pelos nazistas. O nome do gás era Zyklon B, um pesticida à base de cianureto, cloro e nitrogênio. Os “inimigos do Reich” – judeus, ciganos, cristãos também – eram levados às câmaras de gás e lá eram envenenados pelo Zyklon B. A morte era indolor e os nazistas aplicariam exatamente o mesmo termo de Shaw: “morte humana”. Revisemos a história! Hitler era um humanista tal qual Bernard Shaw, Stálin, e tantos outros!

De novo: socialismo e nazismo são irmãos gêmeos. E quem o dizia era o próprio Fuhrer. Hitler afirmava que ele era o “autêntico realizador do Marxismo” (RAUSCHNING apud FEDELI). Até a diferença oficial, o “nacionalismo” nazista (nacional-socialista) que se contraporia ao “internacionalismo” comunista (internacional socialista), é questionável. O arianismo nazista explícito (exaltação da raça ariana) encontra analogia perfeita no discreto eslavismo soviético (exaltação do povo russo).

No inverno de 1933, Stálin matou de fome 7 milhões de ucranianos (mais que o total de mortes de judeus pelo regime nazista em toda sua extensão, estimado em 6 milhões), de maneira sádica, com direito a enterro de vivos. Promoveu migrações de russos para promover “limpezas étnicas” nas repúblicas bálticas. Instruiu o estupro de todas as mulheres encontradas na Polônia e Alemanha quando da marcha vitoriosa na II Guerra. Fora a já citada colaboração intensa com Hitler na deportação de judeus e outros povos para a Alemanha, para que se os colocassem em campos de concentração. E, claro, o genocídio — local, como o massacre de poloneses em Katyn, ou nos distantes gulags, os campos de concentração soviéticos — dos povos indesejados.

Até hoje o eslavismo faz sucesso na Rússia. Vladimir Putin, que fez parte da KGB, a polícia secreta soviética, advoga-o explicitamente. Também alguns de seus correligionários, inclusive com tons antissemitas. Aleksandr Dugin, ideólogo de Putin, tem-no como uma das bases de sua nova utopia: o eurasianismo.

Não restam dúvidas de que o nazismo e o comunismo são idênticos nos seus acidentes: formas de propaganda, apelo à luta contra os “opressores”, genocídio como forma de controle social, campos de concentração, a inutilização daqueles que não produzem de acordo com o esperado, xenofobia, apelo ao futuro brilhante e utópico. E é neste último ponto que reside a identidade de ambos na sua essência.

Nazismo e Comunismo são expressões levemente distintas da mesma mazela histórica que Olavo de Carvalho chama de “mente revolucionária”, a idéia de que a história é o único juiz, e que todos os atos são justificados quando se tem em vista “um mundo melhor” (CARVALHO, 2012).

Cegados pela utopia, o nazista e o comunista enxergam todos os seus atos como justificados desde já, dado que se voltam a um “futuro magnífico”. Nessa enganação, homens capazes de grandes bens, considerados como honrados e morais, podem se tornar os maiores tiranos.

Ernesto Guevara, o Che, relata sobre sua vida incríveis sacrifícios pessoais em prol de pessoas simples, que são confirmados por testemunhas (GUEVARA, 2001). Esse mesmo homem comandou fuzilamentos e ordenou que se fuzilasse mais e mais, a sangue frio, matando pessoalmente inclusive crianças. Os comunistas podem até não comer criancinhas, mas matam-nas inescrupulosamente. Stálin visitava pessoalmente diversas casas, sabia o nome de todos, perguntava aos cidadãos russos se sua calefação funcionava, se tinham algum problema, e mandava consertar o que estivesse quebrado (MONTEFIORI, 2004). Ao mesmo tempo comandava o maior genocídio que se tinha visto até então na história (superado por Mao Tsé Tung que, ao contrário, pessoalmente era profundamente imoral). Hitler era visto como um homem culto e gentil, além de ser muito admirado pelos alemães, e vejam só o que fez…

Foi a mentalidade revolucionária que transformou esses homens em demônios. Dostoiévski inclusive denomina esse tipo assim em seu romance homônimo, que é uma excelente descrição desse processo. Ao colocar como juiz de seus atos o futuro ainda não existente e que seria forjado pelos próprios atos, isto é, um árbitro subjetivo e relativo, perde-se todo o norte moral. De novo Dostoiévski, agora em Irmãos Karamázov: “destruindo-se nos homens a fé em sua imortalidade, neles se exaure de imediato não só o amor como também toda e qualquer força para que continue a vida no mundo[;] [e] mais: então não haverá mais nada amoral, tudo será permitido” (DOSTOIÉVSKI, 2009), trecho famosamente parafraseado como: se Deus não existe, se não existe qualquer norte moral absoluto, então tudo é permitido.

Assim, sempre que ouvir algo justificado na apelação a “um mundo melhor”, desconfie. Pode ser a preparação de mais uma pilha quilométrica de cadáveres.

REFERÊNCIAS:

COURTOIS, S. et alli. O Livro Negro do Comunismo. São Paulo: BCD, 1999.

DE CARVALHO, O. Alguns Traços da Mente Revolucionária, in Revista Vila Nova, julho de 2012, v. 3, pp 43-47.

DOSTOIÉVSKI, F. (1880) Os Irmãos Karamázov. 2ª edição. São Paulo: Editora 34, 2009. Vol. 1, p. 110.

FEDELI, O. Rock’n Roll, Idade Média, nazismo e socialismo. Disponível em: http://www.montfort.org.br/old/perguntas/rock.html. Acesso em: 21 de novembro de 2012.

GUEVARA, E. De Moto Pela América do Sul: Diário de Viagem. São Paulo: Sá Editora, 2001.

MONTEFIORE, S. S. Stálin não era um Homem Medíocre: entrevista. [agosto de 2004]. São Paulo: Revista Primeira Leitura, n. 30. Entrevista concedida a Silio Boccanera.

MONTEFIORE, S.S. Stálin – A Corte do Czar Vermelho. São Paulo: Companhia das Letras.

RAUSCHNIG, H. Hitler m’a dit, Paris: Coopération, 1939, p. 210

ŠNORE, E. Soviet Story (A história soviética). [Filme-Vídeo] Lituânia: produzido por Edvīns Šnore, 2008.

Luís Guilherme Pereira é engenheiro de computação e colunista no site da Revista Vila Nova, onde o presente artigo foi publicado.

Fonte: Revista Vila Nova

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