Família Imperial Russa, Revolução e Barbárie

Em tempos de trevas espessas, onde um verdadeiro mar de mentiras e desinformações afogam muitos dos que se aventuram a estudar história, política e filosofia, ou que pelo menos tentam entender o cenário atual, procurando as causas diretas e indiretas que afetam a realidade, sempre acabamos por voltar aos mesmos lugares (lócus), seja no campo das ideias, seja no campo dos fatos do passado. Esse exercício, por vezes, difícil e inóspito pelas razões acima citadas ou por fatores que vão da falta de textos e livros isentos em língua portuguesa a hegemonia do discurso pelo viés ideológico, e que por isso, causam cansaço e desânimo nos que buscam a verdade de coração sincero. Um dos fatos históricos mais impactantes, e que por isso tem uma importância direta na vida de cada pessoa que vive nos tempos atuais, é a chamada Revolução Russa de outubro de 1917 e as ideias que a gestaram e a fizeram acontecer. Esse acontecimento, tão citado e tão pouco explicado, é um marco que nos coloca, como país e como civilização, sempre à  sua sombra, assim como na chamada Revolução Francesa, pois nos lembra, sempre, o quão fundo, ou o quão tenebroso, pode chegar a sociedade dita civilizada quando intoxicada por ideais revolucionários.

Um outro ponto que merece uma atenção maior dos que estudam os movimentos revolucionários do passado e do presente, é a trágica trajetória da Família Imperial Russa. A história da revolução, do próprio país, e da família Romanov, se cruzam e têm o destino entrelaçado de maneira total, de forma que é impossível entender esse evento e a Rússia sem compreender as personalidades e nuances do Czar Nicolau II e a Casa Real da época.

São Petersburgo, sede do poder imperial, no final do Século XIX: Uma cidade que crescia e se desenvolvia em processo acelerado, como o Império Russo.

O objetivo desse ensaio não é fazer um relato profundo e completo desse momento histórico que ocorreu há mais de 100 anos em um país a milhares de quilômetros, de cultura e língua tão diferentes da nossa brasileira, pois isso demandaria uma coleção de livros, o que não é, por enquanto, a nossa intenção, mas sim colocar um pouco de luz, de maneira direta, nos fatos, fatores e pessoas que tornaram esse evento possível de acontecer, buscando, ao fim, fazer um pequeno paralelo com a nossa história e com o momento atual que vivemos, tão intoxicado das mesmas ideias e ações daqueles tempos e terras longínquas.

O Czarismo e a Família Imperial Russa

A Rússia, como nação, sempre teve uma história conturbada e cheia de momentos violentos e de personagens obscuros, seja com Ivan o Terrível, seja com Pedro O Grande, que personificaram no imaginário do povo uma mistura de pai com carrasco, de serviço ao país e de megalomania. Isso permanecerá pelo tempo, inclusive no período soviético.

No caso da família imperial russa do final do Século XIX e começo do Século XX,  a situação era muito mais estável. Os Czares haviam começado a liberar os servos, o que na Europa aconteceu no fim da Idade Média na Rússia só terminou no fim dos anos 1800. O país passava por um salto de industrialização, com construção de navios e estradas de ferro que rasgavam as terras inóspitas do extremo oriente. No campo das ideias os pensamentos modernizantes estavam em alta conta nos meios intelectuais e aristocráticos. Grandes escritores mudaram radicalmente a maneira de descrever a realidade por meio de romances, como Tólstoi e Dostoievski. Porém, o pensamento revolucionário entrou, como eterno efeito colateral, junto das ideias modernas e rapidamente começou a se espalhar, com os seus efeitos nefastos.

Czar Russo Alexandre III em trajes civis, em 1893: Império Russo em franco caminho para ser tornar um país moderno europeu.

Em um curto período de tempo, socialismo, comunismo, anarquismo, niilismo, sociedades secretas e tudo que havia colocado a Europa em convulsão no século anterior estava presente em solo russo e em processo de expansão rápida, tendo sempre como infectados e propagadores os jovens estudantes, aristocratas, ambiciosos, insatisfeitos e pessoas de caráter duvidoso, como no resto do mundo.

A Família Real no início do Século XX era composta pelo Czar Nicolau II, por sua esposa, pelas suas filhas e, principalmente, pelo Czarevich(1) Alexei, o jovem príncipe que herdaria o trono imperial.

Príncipe Alexei Romanov: Filho único do Tsar Nicolau e sucessor do trono.

A família imperial padecia dos mesmos e velhos problemas que todas as famílias que carregam o fardo de ter que reinar sobre um povo tem, como garantir a sucessão do trono, contornar todas as crises internas e externas da nação, lidar com os nobres e grupos de ricos e poderosos, além de cuidar da própria família e intimidade. No caso dos Romanov não era diferente. O Imperador, sua esposa, e os seus cinco filhos tinham uma rotina com todos os bônus e ônus que uma família nessas condições teria em qualquer lugar do mundo. Porém, na Rússia, nesse período, as provações se mostrariam muito além do que qualquer um dos membros da casa real jamais poderia imaginar.

A primeira dificuldade do Czar Nicolau era a postura com os seus súditos. Herdeiros de uma antiga tradição tirânica, ele tinha muita dificuldade de lidar com os anseios e reivindicações da sociedade, que se sofisticava rapidamente. O Trono Russo tinha uma forte ligação com a Igreja Oriental cismática(2), também chamada de ortodoxa, que fazia parte do Estado Russo e que, muitas vezes fazia da política uma das suas áreas principais. No tempo em questão, a linha de pensamento do governo era a autocracia, ou a capacidade do soberano de governar em poderes totais, sem nenhum balanço ou interação maior com a sociedade, sendo legitimado pela Igreja Ortodoxa e pela aristocracia. Isso afastava uma parte importante e poderosa da sociedade, além de contribuir para o isolamento da família imperial como um todo.

Outro ponto era o momento histórico revolucionário, que convulsionava a Europa e a Rússia na época. Um dos movimentos que agia há muito tempo na Rússia era o anarquismo, com seu grande “pai” Bakunin, que já havia custado a Rússia tanto em atentados, revoltas e o assassinato do avô de Nicolau II, Alexandre II, assassinado em 13 de março de 1881. Os outros grupos eram os socialistas, com as divisões Social-Democrata e Comunista. Estes últimos discípulos dos ensinamentos de Karl Marx, que acreditavam na revolução violenta com vistas a destruir o status quo e acelerar o processo histórico para a utopia futura igualitária, além de tantos outros grupos menores, mais ou menos radicais, que buscavam mudanças na estrutura do estado e da sociedade de maneira a fazer tábua rasa o passado.

A política exterior também era preocupante. A Rússia, que tanto sofreu com as guerras revolucionárias napoleônicas, agora se via envolvida, novamente, em uma guerra de proporções mundiais, desta vez causada por um outro país: a Alemanha do Imperador Guilherme II. Essa passaria para história como a Grande Guerra ou Primeira Guerra Mundial.

Dentro da Casa Real Russa a situação tinha contornos graves, pois o Czar, depois de quatro tentativas, finalmente teve um filho que poderia herdar a coroa. O Império Russo, diferente do Português e Brasileiro, não permitia que mulheres reinassem, o que era causa de grande preocupação na família imperial e na sociedade. Porém, com o nascimento do menino Alexei as preocupações só aumentaram, pois, o menino sofria de uma doença grave, que por vezes quase o matou. Os cuidados constantes com o menino e com a doença, um tipo de hemofilia, deixaria a Casa Real, e principalmente os seus pais e membros do governo, em estresse permanente. Esse fator levou a Czarina Alexandra a procurar um curandeiro obscuro, chamado Rasputin, a quem se acreditava ter poderes sobrenaturais de cura. Essa relação de confiança da Czarina com Rasputin deixou a população insatisfeita e deu causa a muitos boatos ruins espalhados pelos revolucionários contra a família real.

Czar Nicolau II: Imperador de um país continental em tempos revolucionários

A personalidade do Czar Nicolau II também não ajudava. Ele era um homem culto, que entendia a história e as tradições do seu país, amava a sua família, porém, não percebia o perigo que os movimentos revolucionários e a conjuntura internacional representavam para a seu trono nem para a sua dinastia. A derrota russa na guerra com o Japão em 1905, com a perda de toda a frota do Báltico na Batalha de Tsushima, aumentou o ressentimento da aristocracia e da oficialidade contra ele, deixando-o com a má fama de indeciso e fraco. Já os revolucionários o odiavam por ter sufocado a tentativa de revolução de 1905. Com isso o Czar ficou com poucos apoiadores fiéis no Império.

Nicolau era descrito como apático, indeciso e distante, o que contrastava drasticamente com o temperamento de grande parte da população russa, sempre acostumada a resolver conflitos e divergências de maneira apaixonada e, por vezes, violenta. A sua indecisão e incapacidade de avaliar pessoas e situações também contribuíram, gradativamente, para o beco sem saída em que o seu país terminaria por entrar. A procrastinação, uma característica do estado russo, também permeava a mente do Imperador, além da pusilanimidade com os inimigos da pátria e pessoais. Tudo isso mesmo tendo em memória o assassinato do seu avô em um atentado a bomba que matou, além do Czar Alexandre II, dezenas de pessoas. Essa mistura de ingenuidade, arrogância autocrática e letargia terminaria por custar caro a população russa e a sua família.

Czar Nicolau II e sua esposa, Czarina Alexandra Fyodorovna.

A primeira revolução: A Revolução Socialdemocrata de Fevereiro

A panela de pressão só aumentava dentro do Império Russo. A propagação das ideias revolucionárias atingiam o seu auge. Revolucionários infiltrados no Estado Russo criavam crises artificiais com vistas a agitar as massas. As crises fabricadas eram aumentadas e potencializadas por agitadores na imprensa, meios intelectuais e dentro da população. A sabotagem dos serviços públicos, da polícia e do funcionamento das forças armadas era comum. O governo era visto como grande e ineficiente. A insatisfação da população chegou ao seu auge.

Os revolucionários, de todos os espectros, lançavam-se em uma campanha devastadora contra os costumes e valores da sociedade russa, ainda em grande parte feudal, semeando a inveja com o discurso de luta de classes. O discurso de revolta contra os superiores também grassava dentro dos militares, Armada e Exército Imperiais, com soldados e marinheiros em constante agitação nos quartéis e navios. O campo intelectual estava praticamente dominado pelo discurso socialista sem que o governo percebesse o perigo e tomasse medidas para frear ou reverter o processo de deterioração. Esse quadro só se agravou com o assassinato do Primeiro Ministro Pyotr Stolypin, em 1911. De perfil forte e contrarrevolucionário Stolypin vinha realizando reformas com vistas a criar uma real classe média livre urbana e rural, o que arrefeceria a pressão na sociedade russa. Por conta disso ele sofreu 11 tentativas de assassinato, até que no dia 14 de setembro, no Opera House de Kiev, ele viria ser morto com dois tiros por um militante de esquerda.

Pyotr Stolypin, Primeiro Ministro do Império Russo. Assassinado por ser um contrarrevolucionário.

A participação da Rússia na Primeira Grande Guerra foi a gota d’água para terminar de convulsionar o país. Com a trágica derrota para o Japão ainda fresca na memória, as desventuras do conflito contra a Tríplice Aliança(3) só terminaram de sepultar o pouco de orgulho que ainda restava nos militares e na população pela vitória contra a França Napoleônica, tão bem descrita na Magna Opus de Léon Tolstoi, Guerra e Paz.

A incompetência, letargia e corrupção que assolavam o Império Russo, além das ações de enfraquecimento, quebra de disciplina e sabotagem dentro do exército, foram devastadoras no conflito. A Alemanha Imperial, o Império Austro-Húngaro e o Império Otomano se aproveitaram dessas dificuldades. Na frente oriental as batalhas foram monumentais, como na frente ocidental, porém, os problemas de logística (falta de alimentos, remédios, armamentos, munição, estrutura de comunicação) e, muitas vezes, de coordenação de comando fez com que a Rússia amargasse várias derrotas. As baixas eram inacreditáveis: 3 milhões de russos morreram na guerra. Porém, as derrotas cessaram em 1916 com o Império Russo vencendo várias batalhas importantes, o que praticamente virava o jogo. O comando do General Aleksei Brusilov, na chamada ‘Ofensiva de Brusilov”, foi decisivo nesse momento da guerra. Mais de 200 mil soldados alemães e 2,5 milhões de soldados do Império Austro-Húngaro foram feitos prisioneiros. Mais de um milhão de soldados inimigos morreram o que enfraqueceu a Tríplice Aliança liderada pela Alemanha. Com as batalhas se acirrando na frente ocidental a situação para os inimigos da Rússia era deseperadora.

Apesar disso, a reputação do Czar não melhorou. Em que pese sempre se vestir com farda, Nicolau II não era visto como um chefe de estado militar que se importasse com a vida dos seus soldados. Com a quinta coluna a pleno vapor dentro do país isso foi fatal.

O ato final foi a decretação por parte do governo imperial do racionamento de comida que culminou com uma onda de protestos, que cresceram a cada dia, levando milhares de pessoas às ruas de São Petersburgo, no dia 23 de fevereiro de 1917. As manifestações foram se acumulando até que explodiram em revolta, impulsionados pelos revolucionários que aguardavam esse momento há muitos anos. Com o agravamento dos conflitos a situação caminhava rapidamente para um limite insustentável. Neste momento grave o Império estava isolado politicamente, sem apoio das forças armadas, contando apenas com Gendarmaria Imperial Russa (4), a Polícia Militar, que permaneceu fiel até o fim. Os conflitos duraram três dias quando tropas rebeladas do Exército se juntaram aos revolucionários. Com isso o Czar renunciou ao governo pois não tinha mais como manter-se à frente de um dos maiores países do mundo. Foi dissolvido o Conselho de Ministros sendo substituída pelo Governo Provisório, liderado pelo Príncipe Georgy Lvov.

Gendarmeria Imperial Russa: a Polícia Militar foi a única instituição a permanecer fiel ao Império até o fim. A sua fidelidade, postura contrarrevolucionária e heroica ficaram marcadas na história.

O novo governo era formado, majoritariamente, por socialdemocratas, chamados Kadetes, que eram socialistas que acreditavam na revolução por dentro do Estado. Além deles outros grupos políticos e revolucionários, além de ambiciosos (inclusive muitos nobres e membros distantes da família real) e aproveitadores, incorporaram ao governo, ou, quando ficaram de fora, iniciaram movimentos para derrubá-lo.

Nesse turbilhão de caos revolucionário um personagem chegou da Suíça, onde esteve exilado, por meio de um trem blindado patrocinado pela Alemanha. Era Vladimir Ilyich Ulyanov, ou como era conhecido: Lênin. Assim que desembarcou, com a sua preparação concluída na Suíça e com armamentos e fundos alemães, iniciou um movimento de revolução dentro da revolução. Com isso revoltas explodiram novamente com toda a força, com o país em caos, sem liderança e controle das forças armadas, e, ainda por cima, com uma guerra gigantesca em andamento.

Foi nesse momento que o revolucionário socialista Alexander Kerensky assumiu a liderança do regime provisório. Ele libertou milhares de presos das cadeias russas e decretou o fim da pena de morte no país, além de ter decidido manter a Rússia na guerra. Tudo o que os radicais comunistas que seguiam Lênin queriam. As massas de ex-presidiários rapidamente seriam cooptados pelos revolucionários e aparelhados em milícias vermelhas. Eles eram chamados Bolcheviques(5).

Primeiro Ministro do Governo Provisório Alexander Kerensky.

A segunda revolução: A Revolução Comunista de Outubro

Com as ações revolucionárias retomadas e, agora, com um comando central nas mãos de Lênin e Trotsky, os bolcheviques lançaram uma segunda revolução. Era a chamada Revolução de Outubro.

Mesmo contando com poucos homens em armas, em comparação com os recursos do governo provisório, e se aproveitando de uma crise interna do regime com o General Kornilov, que marchava com tropas em direção a São Petersburgo, o golpe foi rápido e fatal. Tomando pontos estratégicos como quartéis da polícia, estações de trem, água e energia elétrica na Capital São Petersburgo, e contando com a adesão de novos companheiros de viagem, que por estarem insatisfeitos com o governo provisório se aliaram aos bolcheviques, derrubaram o governo fazendo com que Kerensky fugisse do país e mergulhando a Rússia em uma guerra civil de grandes proporções. Com a Capital e os pontos cruciais do governo nas mãos dos comunistas eles não perderam tempo e convulsionaram a nação com a sua “marcha para o comunismo real”.

Vladimir Lênin: preparado e financiado no exterior ele veio para terminar a revolução rumo ao comunismo.

Com a revolução em andamento as cenas eram de uma realidade pós-apocalíptica: Fóruns dos tribunais, quartéis da polícia, lojas, hotéis, palácios e prédios públicos foram saqueados. Hordas de criminosos, ex militares, homens trabalhadores, jovens e velhos, mulheres e até crianças se misturavam nas ruas pilhando, roubando e matando. As primeiras lojas a serem saqueadas foram as de bebidas. Revolucionários embriagados invadiram casas praticando toda a sorte de atrocidades.

Revolucionários saqueando e destruindo o palácio real russo.
Revoltosos saqueiam loja de bebidas: embriagados praticariam toda sorte de atrocidades contra a população.

Os alvos coordenados pelos líderes revolucionários eram bem mais simbólicos e impactantes: Igrejas e mosteiros deveriam ser saqueados. Padres e religiosos presos, julgados em “tribunais do povo” e forçados a trabalhar, ir para campos de concertação (chamados Gulags) ou simplesmente executados.

Padre e um homem são trazidos para “julgamento” em uma casa saqueada: seu destino era a morte ou Gulag.
Uma Igreja sendo saqueada enquanto a população, na maioria mulheres e crianças, reclamam e tentam fazer oposição sem sucesso.

O mesmo destino deveria ser forçado aos inimigos de classe da teoria marxista como intelectuais, jornalistas, professores, profissionais liberais, empresários, nobres e donos de terra, mesmo que pobres. Já aos oficiais militares e policiais a punição deveria ser bem mais rigorosa, inclusive para os que eram comunistas e que haviam traído o governo imperial. Esse processo durou duas décadas até que Stálin, líder soviético supremo, terminasse o serviço no “grande terror”, nos anos 30, onde executou todos oficiais e generais remanescentes da revolução. Outro ponto importante foi que logo após a revolução ser bem-sucedida os comunistas começaram a prender e a matar outros comunistas, como os Kadetes(6) e os Mencheviques , e depois dentro do próprio grupo Bolchevique. Como na França 128 anos antes, a revolução devorava, primeiro, os próprios filhos.

Oficiais militares, inclusive generais, são presos e colocados em um caminhão de carga. O seu destino era, quase sempre, execução.
“Inimigos de classe’ presos e marchando para serem julgados. Os tribunais revolucionários, assim como na Revolução Francesa, não passavam de um arremedo de tribunais, sendo os “juízes”, muitas vezes, criminosos ou revolucionários analfabetos. A sentença era a morte ou exílio em um campo de trabalho forçado.
Durante a revolução pessoas foram simplesmente executadas. Aos milhares.

Nas regiões rurais do Império Russo a situação foi devastadora também. Em que pese as distâncias continentais que separavam as cidades do interior e povoados da Capital São Petersburgo, a revolução chegaria em uma velocidade assustadora. Os camponeses russos, ainda com o imaginário e a moral eivados da servidão, logo seriam os algozes e as vítimas da onda caótica que varria o país em todas as direções. No começo, por ambição e inveja, pois a revolução liberava todos os vícios na natureza humana, inclusive os mais bestiais, os camponeses saqueavam as propriedades dos donos de terra e nobres. Porém, depois, foi a vez deles serem saqueados pelo governo, que confiscava a sua pouca produção agrícola e animais para depois confiscar a terra e, por fim, mandá-los com as suas famílias para campos de trabalho rurais, os Kolkhozes. O resultado de tudo isso não demoraria a vir: a fome.

Camponeses saqueiam casas dos nobres e proprietários de terra ricos.
Soldados do governo comunista confiscam tudo de uma família camponesa pobre: a revolução cobrava seu preço de todos, independentemente de poder aquisitivo ou de linha ideológica.
Ex-oficial e uma multidão pessoas na Rússia pós-revolução: a fome, o frio e a absoluta miséria fizeram milhões de vítimas. Detalhe da cena: os novos poderosos passam em um automóvel sem se importar com o sofrimento da população.

Um dos efeitos mais devastadores da revolução foi a chamada “Grande Fome”, causada pelo colapso dos meios de produção, distribuição e comércio de todos os bens de consumo, principalmente alimentos. Com as propriedades rurais saqueadas, as empresas fechadas e toda a economia em ruína todos os produtos básicos para a sobrevivência humana foram escasseando até desaparecer. Outro fator agravante foram os grandes confiscos promovidos pelo governo revolucionário diretamente nas poucas lojas que sobraram e nas propriedades rurais. Os alimentos confiscados eram levados para as mesas da nova elite vermelha. Quem não fazia parte do grupo revolucionário tinha muita dificuldade em conseguir a sua cota de comida organizada por meio de carteiras de ração diária. Os que eram vistos como inimigos do regime e suas famílias foram dizimados, junto com aqueles que não entendiam de política ou do que estava acontecendo.

Se juntaram a esse sistema desumano o inverno e a atitude deliberada da Vladmir Lênin de não permitir que organismos internacionais de ajuda humanitária, como a Cruz Vermelha, enviassem e distribuíssem alimentos, roupas e remédios, alegando que isso era sabotagem dos países burgueses à revolução.

O resultado final foi que pelo menos 6 milhões de pessoas, na sua imensa maioria crianças, idosos e mulheres, morressem de fome em um dos piores genocídios da humanidade, principalmente entre os anos de 1920 e 1922. A fome devastadora, de proporções inéditas na sociedade ocidental, levou a população desesperada a um ato de extrema barbárie, o canibalismo.

A situação só melhorou quando finalmente foi autorizada a entrada de ajuda humanitária e do início do programa NEP (Nova Política Econômica) que restabeleceu as bases mínimas de comércio e negócios. Porém, essa arma de genocídio da população civil seria usada novamente em outras revoluções pelo mundo  e na Ucrânia no chamado Holodomor(7).

Uma parte do planejamento revolucionário era fazer uma reengenharia social em todas as áreas da vida da sociedade. Nada deveria ser como era antes. Todos os símbolos do antigo regime, da religião cristã, das escolas e da vida pública e privada deveriam ser demolidos e depois reconstruídos pela nova ideologia. O objetivo final era criar um homem novo. Um ser desprovido de valores individuais, vínculos familiares, patriotismo, caridade, piedade e principalmente fé em Deus. Esse indivíduo socialista deveria ser uma máquina coletiva de trabalho, sem ambição, sem privacidade ou liberdade, com a sua vida e pensamentos totalmente controlados, para que, no futuro, se chegasse a uma sociedade sem classes, a chamada utopia comunista.

No final, nenhuma pessoa, família ou instituição, pública ou privada, passaria ilesa desse evento devastador e as suas consequências, muitas delas permanentes, tanto para o povo russo quanto para a humanidade.

Revolucionários derrubam a Águia de Duas Cabeças, símbolo do Império Russo. A ordem era fazer tábua rasa todas as coisas.

O destino da Família Real Russa

Após a revolução socialdemocrata de 1917, o governo provisório determinou a prisão dos Romanov e a sua deportação para Tobolsk, nos Urais. No momento da prisão todos os empregados, militares e funcionários foram liberados para deixar o palácio, porém, alguns membros da corte se recusaram a fazê-lo, escolhendo acompanhar a Família Real no exílio. O destino deles acabou sendo o mesmo da família real. Depois, por conta da revolução comunista de outubro, a família foi novamente removida para a cidade de Yekaterinburg.

Casa de Ipatiev, em Yekaterinburg: uma casa transformada em uma prisão improvisada mas que se mostraria extremamente eficaz em manter a família imperial longe dos olhares da população.

Todos foram levados para uma cidade distante do centro político, Moscou, e simbólico, São Petersburgo, para que o risco de serem resgatados pelo exército contrarrevolucionário comandado pelo General Kornilov, também chamado de Exército Branco, fosse diminuído.

A Família Imperial foi tratada com certa dignidade e permaneceu unida acompanhando como podia as notícias do desdobramento da revolução em solo russo durante a primeira fase do cativeiro em Tobolsk. Porém, depois da chegada dos Bolcheviques ao poder, a situação piorou drasticamente, principalmente depois da mudança de cidade e dos guardas por ordem de Lênin.

As dificuldades já eram grandes devido o Czaverich Alexei, o menino herdeiro do trono, ter a sua enfermidade agravada pelas viagens e estresse. O Czar Nicolau II gerenciava como podia a situação, pois como esposo da Csarina Alexandra e pai de quatro filhas, Olga, Tatiana, Maria, Anastasia , ainda tinha que dar atenção ao filho doente. Com as mudanças causadas pela revolução bolchevique de outubro a situação ficou desesperadora, afinal, a memória da Revolução Francesa, e as atrocidades cometidas contra a família real da França, provava que a “Era das Luzes e da Ciência”, na verdade, era a novilíngua orwelliana(8) para a barbárie pura e simples de tempos pré-romanos.

Apesar de tudo, o Czar se mantinha otimista. Achava que o seu amor pela Rússia e a sua postura moderada, para não dizer passiva, em relação as revoluções, eram o suficiente para que ele e sua família fossem apenas banidos em exílio. Mas Lênin tinha outra opinião sobre o assunto.

Da direita para a esquerda: Grande Duquesa Maria, Olga, Anastasia e Tatiana Nikolaevna prisioneiras durante a primavera de 1917. Uma das últimas fotos conhecidas das filhas do Czar Nicolau II.

Após muitos desgastes e dificuldades, que se agravavam a cada dia, a relação dos revolucionários com a família real chegara um ponto de inflexão. O mesmo se podia dizer da guerra civil entre os comunistas (Vermelhos) e a população e militares (Brancos) que varria o território russo queimando, matando e destruindo as vidas de milhões de pessoas em uma velocidade e proporções inéditas.

Cumprindo uma decisão que há muito já havia sido tomada, o comando vermelho decidiu trocar todos os carcereiros e guardas que mantinham os Romanov em cativeiro durante meses, e que por isso, poderiam ter criado laços de amizade ou caridade com eles. Em seu lugar vieram comunistas que tinham experiência na guerra civil, e que estavam desumanizados. Muitos deles eram estrangeiros. Nem sequer sabiam quem eram e qual a real importância daquela família de aparência burguesa e nobre. Como materialistas brutalizados que eram enxergavam apenas mais uma chance praticar roubos e abusar de pessoas indefesas como era do seu costume.

Czaverich e sua irmã Tatiana prisioneiros em 1917: atrás deles alguns dos revolucionários que serviam de carcereiros da Família Imperial.

À meia-noite do dia 17 de julho de 1918 a família real foi acordada pelo médico e amigo desde há muito, Eugene Botkin(9), para que se levantassem, colocassem as roupas rapidamente pois seriam realocados para longe de Yekaterinburg, que estaria em caos por conta da guerra civil. Após se arrumarem, os Romanvov forma levados para um porão onde Nicolau pediu ao chefe do bando revolucionário que trouxesse duas cadeiras, uma para Alexandra e outra para o Czaverich Alexei. Ele foi atendido. Ele foi informado também que deveriam aguardar a chegada de um caminhão que os levaria para um local seguro.

Após um tempo o chefe dos revolucionários entrou no porão com um grupo formado por homens da Cheka(10), a temida agência formada pelos bolcheviques para cumprir as suas missões mais bestiais. Diante da família composta por um homem desarmado, cinco mulheres e um menino doente, o responsável comunista leu a mensagem que havia recebido em voz alta:

“Nikolai Alexandrovich, em relação ao fato que os seus parentes continuam a atacar a Rússia Soviética, o Comitê Executivo dos Urais decidiu executar você”

Nicolau olhou para a sua família e disse duas vezes: “Como?” Em seguida o chefe dos revolucionários ordenou que as armas fossem apontadas. A Czarina Alexandra fez o sinal da cruz. Logo todos os membros da Cheka atiraram de maneira caótica até que a fumaça dos tiros praticamente deixasse o ambiente sem visibilidade. Quando a fumaça dissipou o Czar Nicolau II estava morto ao lado da Czarina Alexandra, além da Grande Duquesa Olga. Porém, grande foi a surpresa dos assassinos ao descobrir que todas as crianças estavam vivas.

O barulho dos tiros acordou muitas pessoas na região da casa prisão onde os fatos se sucediam. Isso fez com que um membro da Cheka que estava do lado de fora guardando o local entrasse correndo e mandasse cessar os tiros e o barulho. Ele sabia que se a população soubesse o que estava acontecendo eles seriam linchados. Após discutir entre si o que fazer o líder da camarilha tomou a sua decisão: as crianças deveriam ser mortas a golpes de baioneta. O primeiro a sofrer seria o menino hemofílico Alexei, que para surpresa de todos continuava sentado na sua cadeira ferido pelos tiros. Após sofrer vários golpes de baioneta sem ao mesmo cair da cadeira, o chefe da Cheka mandou que o seu ajudante sacasse a sua pistola americana Browning calibre 45 e terminasse o serviço. Todos ficaram paralisados quando a arma ficou sem munição, depois de esvaziar o carregador à queima-roupa, e o príncipe, sempre tão fraco e doente, continuava vivo e olhando para os seus algozes. Era como se a dinastia de uma das maiores e belas nações do mundo se recusasse a morrer junto com a história do próprio país. Por fim, o chefe dos revolucionários (11) sacou a sua arma e deu dois tiros na cabeça do menino. Ele finalmente caiu morto em silêncio. Após terminar a vida do herdeiro do Império Russo os comunistas se voltaram para as meninas. Todas sofreram golpes de baionetas e, por fim, tiros na cabeça. Ao final, foram disparados mais de 70 tiros de fuzil e armas de mão, além de golpes de baioneta e coronhadas para que uma indefesa família fosse trucidada “por um mundo melhor” utópico.

Porão da “Casa de Ipatiev” onde a Família Imperial Russa foi trucidada: Um local que viverá para sempre na história da infâmia da humanidade.

Foi enviado um telegrama criptografado a Moscou para o secretário de Lênin, Nikolai Gorbunov. Esse telegrama depois foi encontrado pelo investigador russo Nikolai Sokolov onde se lia:

“Informo a Sverdlov que a família toda partilhou do mesmo destino da sua cabeça. Oficialmente a família morreu na evacuação”

Com a família real trucidada restava agora aos comunistas tentar apagar o seu crime e dificultar o máximo possível que a verdade do que havia acontecido viesse à tona. Com grande dificuldade o líder dos revolucionários conseguiu colocar os corpos na carroceria fechada de um caminhão FIAT de 60 HP que aguardava com o motor funcionando do lado de fora. Vários dos executores estavam bêbados e tentavam saquear e vilipendiar os corpos. O caminhão seguiu até oeste da cidade, onde havia uma velha mina de cobre, que por ser funda e estar em terreno pantanoso era o lugar que seria mais difícil para que os corpos fossem descobertos. Ao chegar ao local foi cavada uma fossa com ajuda de mais revolucionários que lá estavam aguardando para completar o serviço. Houve um entreveiro entre o chefe da Cheka e o grupo que aguardava, pois estavam bêbados também e ficaram frustrados pelo fato da família real ter chegado morta, pois a expectativa deles é que iriam participar da chacina, saquear os corpos e, talvez, estuprar as meninas antes de serem executadas. Com a confusão que se seguiu o encarregado teve que sacar a sua arma e atirar para o alto e depois ameaçar os seus companheiros para que a tarefa fosse cumprida.

Foto original de 1919 tirada pelo perito criminal e investigador Sokolov: Esse é o local onde forma encontrados os corpos do Czaverich Alexei e da sua irmã Anastásia em 2007.

Depois, no dia 25 de julho, quando a cidade de Yekaterinburg foi recuperada pelo Exército Branco, o Almirante Alexander Kolchak determinou que Nikolai Sokolov, um perito judiciário do Fórum de Omsk, realizasse uma investigação completa do caso. Ele entrevistou várias testemunhas, recolheu provas e objetos da família real, mas não pode finalizar as escavações de onde os corpos foram enterrados, pois a cidade voltou a cair nas mãos dos comunistas, forçando-o a evacuar o local. Sokolov morreria, em 1924, na França sem terminar o seu relatório de investigação, deixando o destino dos Romanov em aberto, e alvo de inúmeras estórias e desinformações patrocinadas pelo regime soviético, até que finalmente, em 1989, as investigações foram concluídas e os restos mortais da Família Imperial Russa resgatada. Os corpos do Príncipe Alexei e da sua irmã Anastasia haviam sido enterrados em uma cova separada da família o que dificultou a localização até que foram recuperados em 23 de agosto de 2007. Exames de DNA confirmaram que se tratavam dos restos mortais dos dois últimos membros da Casa Real Russa.

Reconciliando com o passado

Procurando curar as feridas abertas da sua história os russos construíram uma “Igreja do Sangue”, em Yekaterinburg, no exato local onde ficava a “Casa de Ipatiev”, onde os Romanov foram assassinados.

“Igreja do Sangue”, em Yekaterinburg. Um memorial que fica no exato local da “Casa de Ipatiev”, onde os Romanov foram assassinados.

Em 2000 toda a Família Imperial Russa foi declarada Santa por martírio pela Igreja Ortodoxa. Com a recuperação e identificação dos últimos corpos de Alexei e Anastasia, os Romanov foram sepultados na Catedral dos Santos São Pedro e São Paulo em São Petersburgo, onde permanecem até hoje.

Catedral dos Santos São Pedro e São Paulo em São Petersburgo: Último descanso da Família Imperial Russa.
Túmulo dos Romanov na capela dentro da Catedral dos Santos São Pedro e São Paulo.

Essas ações, aliadas a liberação de documentos e arquivos secretos da era comunista, reconstrução de prédios, igrejas e monumentos destruídos pelo regime soviético, tentam, até hoje, curar, ou pelo menos cicatrizar, as máculas, dores e sofrimentos causados pela ideologia comunista que durante 70 anos matou mais de 20 milhões(12) de russos, mandou para prisão outros milhões e que mudou a cultura e a própria sociedade para sempre.

Conclusão

Como esse evento que ocorreu há mais de 100 anos, em uma nação tão distante física e culturalmente, pode ter tanta repercussão em nosso país em pleno Século XXI? Qual a relação que permite, mesmo com essas diferenças, usar esse fato histórico como chave mestra para destrancar o portal da nossa realidade? A resposta é simples: as idéias que guiaram as pessoas a fazer a revolução na Rússia, assassinar 20 milhões de pessoas e trucidar a família real são as mesmas que estão em ação no Brasil atual.

Primeiramente, é preciso visualizar, claramente, que no caso russo foram duas revoluções, uma socialdemocrata e outra comunista. Os dois eventos ficaram separados por meses e por isso acabaram, com o tempo, se misturando ficando a revolução bolchevique como única no estudo histórico. Isso é um erro. A preparação para uma revolução totalitária comunista não ocorre sem uma pré-revolução socialista dentro e fora do estado. Esse movimento, diretamente guiado pelo ramo Fabiano do socialismo, cujo os símbolos são uma tartaruga (fazer a revolução de maneira lenta e gradual) e um lobo vestido de cordeiro é necessário para que a sociedade tenha a cultura, estado e cotidiano alterados abrindo caminho para a revolução final.

No caso brasileiro, devido as questões culturais, formação cristã da sociedade, miscigenação da população, distância da Europa e o temperamento do brasileiro esses eventos estão separados por mais de um século, e ainda não se completaram. Pode-se entender como evento revolucionário prévio o golpe militar que destituiu a Monarquia Brasileira, exilando a família real, e que iniciou o processo de fazer tábua rasa o passado, as tradições e a moral. Esse processo teve altos e baixos, mas continua ativo e em marcha até hoje.

Dom Pedro II: Assim como na Rússia o império foi deposto por uma revolução, a diferença é que o Imperador e a sua família sobreviveram e foram exilados na França.

Primeiro veio a fase de concentração de poder no governo federal e no enfraquecimento dos estados, juntando-se ao processo a criação contínua de impostos e burocracia. Em seguida veio a fase fascista de Getúlio Vargas, que preparou o estado para se tornar o centro da vida da população brasileira. Tudo isso recheado de golpes de estado, contragolpes, movimentos revolucionários armados que deixaram o Brasil em caos. Depois, quando o processo já se achava maduro, chegou a hora de realizar a passagem para um governo comunista, o que se deu com a posse de João Goulart à Presidência da República. Após os preparativos finais, causando caos econômico, social e criminal no país, financiando e acolhendo grupos terroristas treinados em Cuba, China e União Soviética, os revolucionários acharam que o Brasil estava finalmente pronto para a segunda fase do processo. Porém a população se mobilizou e pressionou o Exército para agir. Com os governadores de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro prontos para iniciar uma contrarrevolução armada e com o Exército dividido, foi iniciado um contragolpe em 31 de março de 1964 que primeiro paralisou e depois reverteu o processo revolucionário. Contudo, 21 anos depois, quando o poder voltou aos civis, os revolucionários reiniciaram a marcha para o socialismo, como haviam tentado em 64. Mas, dessa vez, eles haviam ocupado todos os lugares de fala da sociedade (mídia, corpo acadêmico, escolas, Igreja católica, sindicatos e associações profissionais), o que praticamente deixou o país sem articulação contrarrevolucionária. Isso foi o bastante para que eles reiniciassem o processo de geração de caos econômico, social, político e criminal com uma força devastadora. O ciclo se completou com o governo socialdemocrata do Presidente Fernando Henrique Cardoso, socialista de cunho Fabiano, que pavimentou os últimos passos para a assunção da esquerda revolucionária ao poder. Isso ocorreu como planejado com a eleição do comunista Luís Inácio Lula da Silva, a quem caberia completar a revolução.

Mais uma vez, devido às inúmeras dificuldades internas e externas do movimento revolucionário, o início de uma resistência pujante da população por meio das redes sociais e internet, fez com que o processo fosse, novamente, paralisado com o impeachment da Presidente Dilma Rousseff.

No momento em que esse artigo é escrito o Brasil vive uma pausa forçada na marcha revolucionária enquanto as forças pró e contrarrevolução se organizam e se fortalecem, sempre buscando a vitória final. Como o processo revolucionário vive o seu pior momento no campo das idéias em toda a sua história no Brasil, com uma desmoralização total do seu repertório, os revolucionários estão agravando o seu discurso e buscam um plano de ação de tomada violenta do poder, onde, como no caso russo, possam liquidar, primeiro os dissidentes internos que os enfraquecem (como os socialdemocratas e agitadores sociais), para depois vir com força mortal contra os conservadores e contrarrevolucionários, buscando a concentração de poder que lhes permita praticar a reengenharia social pelo genocídio de 20% da população civil, como foi feito em tantos outros países ao longo dos tempos. Contudo, no Brasil, diferentemente do que ocorreu na Rússia, China, Vietnã, Coréia, Angola, Moçambique, Venezuela, Bolívia, Cuba e tantos outros países, a segunda revolução não conseguiu se completar, pelo menos, até agora.

Quanto a Rússia ela vive hoje uma certa liberdade, porém, jamais será um país totalmente livre enquanto as gerações de assassinos, torturadores, corruptos e genocidas não enfrentarem um julgamento público e histórico, como o que ocorreu em Nuremberg(13), onde cada um responda pelos seus crimes contra Deus e a humanidade. Também é urgente, além da Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria (14), que a ideologia comunista e socialista sejam varridas do campo das idéias e comportamentos, como ocorreu com o nazismo.

Esse pesadelo que vem devorando suas vítimas em tantas partes do mundo, e que exterminou mais de 100 milhões de pessoas só no século XX, mais uma vez tem como alvo a nação brasileira. Esse mal, que começa e cresce sempre nas idéias, tem que ser identificando para depois combatido no seu campo de batalha principal. E isso só é possível conhecendo a história do que esse movimento revolucionário comunista fez ao longo do tempo com partes imensas do planeta, transformando países e continentes em infernos sempre com o discurso de trazer o paraíso para terra, a Utopia.

Neste ensaio foi buscado mostrar como que esse processo, ou marcha revolucionária, esteve, e está, em ação em várias partes do mundo, principalmente na Rússia e no Brasil, com os seus marcos, que são sempre os mesmos mudando apenas os atores e circunstâncias, e como ele pode determinar o destino de uma nação inteira, muitas vezes, para sempre.

Que esse tema não se esgote aqui, muito pelo contrário, que mais pessoas que amam a verdade e a perseguem de coração sincero somem a essa pesquisa histórica, tão importante e ao mesmo tempo tão esquecida e relegada a segundo plano.

Aos navegantes dos mares revoltos e perigosos da história, cheios de encantos ideológicos de sereia, ficam os nossos desejos de que o estudo e a pesquisa venham sempre abençoados pelo amor a Verdade e do ceticismo político, além da prudência ao analisar o caráter humano, sempre tão falho e ao mesmo tempo tão majestoso e heroico.

Que as pessoas de bem jamais cochilem ou caiam nos jogos mentais e estratagemas dos inimigos de Deus, da Pátria e da Humanidade, pois o preço a ser pago pelo país pode ser cobrado por toda a eternidade.

Olavo Mendonça.

Notas:

1- Czarevich é o termo russo para o herdeiro do trono. Diferentemente das outras culturas  o nome ‘príncipe” é usado pelos filhos dos nobres de todo o Império.

2- A Igreja Oriental Cismática, ou Ortodoxa, como é chamada a parte da igreja apostólica cristã baseada em Constantinopla, no Império Bizantino, devido ao cisma de 1054. Hoje as Igrejas Católica Romana e Ortodoxa ainda estão separadas, porém suspenderam a excomunhão de ambas no século XX.

3- Tríplice Aliança foi um acordo diplomático secreto entre o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália. Ele formou a frente dos países, juntamente com o Império turco Otomano, na Primeira Guerra Mundial tendo como adversários a Tríplice Entente formada Pela Grã-Bretanha, França e Rússia.

4- Gendarmaria Imperial Russa era o corpo policial formado no modelo de polícia militar francês, que durante o século XIX se disseminou pelo mundo todo, inclusive o Brasil. Hoje existem 70 polícias militares no modelo de gendarmaria.

5- Bolcheviques significa “majoritário” em russo e era uma facção do Partido Marxista Social Democrata dos Trabalhadores Russos, ou RSDLP, que havia se separado dos Mencheviques no congresso do partido em 1903.

6- Kadetes era a abreviação das iniciais em russo do Partido Constitucional Democrático, que tinha a sua formação ideológica no liberalismo e na social democracia.

7- Holodomor significa “matar pela fome”, e passou para a história como um dos genocídios mais brutais da humanidade de todos os tempos. Ela foi ordenada pelo ditador comunista da União Soviética Joseff Stálin com o objetivo de fazer uma reengenharia social na Ucrânia, então sob domínio russo. Estima-se que entre 7 a 10 milhões de pessoas civis foram exterminadas durante o período de 1932-1933.

8- Novilíngua Orwelliana é um termo que vem do romance do autor inglês George Orwell “1984” que descreve um futuro distópico onde os comunistas venceram e conquistaram o mundo todo criando uma superestrutura burocrática e totalitária de controle total do indivíduo, inclusive reescrevendo a história e os fatos do cotidiano. O organismo estatal que o personagem do livro trabalha adulterando notícias e eventos históricos em mentiras descaradas era chamado de “Ministério da Verdade”.

9- Eugene Botkin era o médico do Czar Nicolau II e da Czarina Alexandra, e por vezes tratava as complicações da doença hemofílica do Czaverich Alexei. Após a revolução ele escolheu seguir com a família real para o cárcere onde foi assassinado pelos comunistas, juntamente com os Romanov, em 17 de julho de 1918. Ele também foi canonizado como mártir pela Igreja Ortodoxa de fora da Rússia em 1981.

10- Cheka era o nome da agência de polícia política criada após a revolução de 1917. Tinha por finalidade perseguir, prender, executar e cumprir todo o tipo de ordem do comitê central do partido comunista. Teve o seu nome mudado depois para NKVD e finalmente KGB.

11- O nome do chefe dos revolucionários responsável pelo assassinato da família imperial da Rússia foi omitido propositalmente do texto para que esse indivíduo infame caia no esquecimento.

12- Para saber mais detalhes dos crimes inomináveis praticados em nome dessa ideologia recomendo o “O Livro Negro do Comunismo” da editora Bertrand do Brasil.

13- Nuremberg é o nome da cidade alemã onde o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores da Alemanha (NASDAP) tinha a sua sede e que ao final da Segunda Guerra Mundial abrigou o tribunal internacional que julgou os membros e simpatizantes do nazismo por crimes contra a humanidade. Uma parte considerável dos criminosos de guerra foi executado por enforcamento.

14- A Consagração da Rússia ao Imaculado Coração de Maria foi um dos pedidos de Nossa Senhora na Aparição em Fátima, Portugal, no mesmo ano da revolução na Rússia (1917). Nessas aparições a Mãe de Cristo pediu que o Papa, com todos os Bispos do mundo, consagrasse a Rússia ao seu Sagrado Coração para que “os erros da Rússia não se espalhem pelo mundo”. A consagração não foi feita até hoje e os erros da Rússia (comunismo) se espalharam pelo mundo levando a morte e a destruição a milhões de pessoas. Na última das aparições às três crianças pastoras foi operado por Deus o chamado “Milagre do Sol”, onde o astro rei bailou no céu e depois se aproximou da terra em um movimento fora do normal. Esse milagre, presenciado por 70 mil pessoas e noticiado em todo o mundo à época é considerado pelo filósofo Olavo de Carvalho como o maior milagre da história da humanidade depois da Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

Livros:

A Tragédia de Um Povo – Orlando figes- Editora Record.

Sussurros – Orlando Figes – Editora Record.

O Livro Negro do Comunismo – Stéphane Courtois – Editora Bertrand do Brasil.

Cortar o Mal Pela Raíz – Stéphane Courtois – Editora Bertrand do Brasil.

Arquipélago Gulag – Alexander Soljenítsin – Editora do Exército.

Gulag – Anne Applebaum – Ediouro.

O Fim do Homem Soviético – Svetlana Aleksiévitch – Companhia das Letras.

Fascismo de Esquerda – Jonah Goldberg – Record.

Lênin, Stálin e Hitler: a era da catástrofe social – Robert Gellately – Record.

Obs: De todos os livros citados o que recomendo vivamente para quem quer começar a estudar a Revolução Russa é a Tragédia de um Povo do autor e professor inglês Orlando Figes. Essa obra monumental traz documentos, fotos e situações que conseguem, com uma narrativa estruturada nas suas 1103 páginas, realmente reconstruir os fatos que vão desde o período do fim do czarismo, passando pela revolução socialdemocrata, pela bolchevique e, por fim, pelo período de guerra civil que durou até 1922. Hoje, o trabalho de Figes é referência básica para quem quer ter a dimensão de toda a tragédia humana que se seguiu desde o fatídico ano de 1917. 

Filmes:

Dr. Jivago – Esse filme, em que peses todos os problemas históricos na sua narrativa, é bom pois ajuda a criar imaginário das cidades, pessoas e da época em si.

Referências:

http://www.dailymail.co.uk/news/article-4076244/Distressing-photos-1920s-Russian-famine-turned-hopeless-peasants-cannibals-five-million-people-starved-death.html

https://en.wikipedia.org/wiki/Russian_famine_of_1921%E2%80%9322

https://en.wikipedia.org/wiki/Russian_Revolution

https://en.wikipedia.org/wiki/Nicholas_II_of_Russia

https://en.wikipedia.org/wiki/Provisional_government

https://en.wikipedia.org/wiki/February_Revolution

https://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_Kerensky

https://en.wikipedia.org/wiki/World_War_I

https://en.wikipedia.org/wiki/Vladimir_Lenin

https://en.wikipedia.org/wiki/October_Revolution

https://en.wikipedia.org/wiki/Eastern_Front_(World_War_I)

https://pt.wikipedia.org/wiki/Alexandre_II_da_R%C3%BAssia

https://en.wikipedia.org/wiki/Pyotr_Stolypin

https://en.wikipedia.org/wiki/Special_Corps_of_Gendarmes

https://bigenc.ru/military_science/text/2697423

https://en.wikipedia.org/wiki/Execution_of_the_Romanov_family

https://en.wikipedia.org/wiki/Lavr_Kornilov

https://en.wikipedia.org/wiki/White_movement

https://en.wikipedia.org/wiki/East%E2%80%93West_Schism

https://en.wikipedia.org/wiki/Triple_Alliance_(1882)

https://en.wikipedia.org/wiki/Triple_Entente#/media/File:Map_Europe_alliances_1914-en.svg

https://en.wikipedia.org/wiki/Bolsheviks

https://en.wikipedia.org/wiki/Constitutional_Democratic_Party

https://en.wikipedia.org/wiki/Holodomor

Fonte das fotos:

https://www.rbth.com/multimedia/pictures/2016/05/17/romanov-family-now-in-color_593511

By Dr Graham Beards – Own work, Public Domain, https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=13260852

http://www.saint-petersburg.com/museums/peter-paul-fortress/ss-peter-and-paul-cathedral/

https://en.wikipedia.org/wiki/Ipatiev_House#/media/File:Yekaterinburg_cathedral_on_the_blood_2007.jpg

By Anonymous – выставка «Гибель семьи императора Николая II. Следствие длиной в век» Выставочный зал федеральных архивов. 2012., Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=19584445

By Alexei Nametkin (?—1919) – Ma Este (Tonight) – Hungarian cultural and artistic biweekly magazine – 30 July 1925, CC BY-SA 4.0, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=49863176

By Nikolai Sokolov – http://dvoynik-nikolay.livejournal.com/193221.html (direct link)http://www.searchfoundationinc.org/1978/ (direct link), Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=20698853

By Pierre GilliardUnderwood & Underwood, N.Y. – Library of Congress http://www.loc.gov/pictures/item/2007683272/, Public Domain, https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=11135018

2 Replies to “Família Imperial Russa, Revolução e Barbárie”

  1. BELÍSSIMA Matéria, rica em detalhes!!! Porém, sempre que leio sobre os Romanovs fico com o coração partido, indignada e sempre fica aquele sentimento de injustiça! Nada justifica o que fizeram com eles e com milhões de vitimados de guerra. Desgraça, miséria, fome, morte, sofrimento e todos os outros adjetivos ruins os comunistas e socialistas trazem consigo!!

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