Legítima defesa: uma questão de dignidade

A equação é simples: sem direito a armas não se tem plena capacidade de exercer a juridicamente assegurada legítima defesa; sem legítima defesa, a propriedade e a vida não são protegidas.

O direito de defesa é natural ao ser humano e corolário de sua dignidade. Não é o Estado que lhe dá e, portanto, não lhe pode retirar por leis injustas.

Os que invocam o direito de possuir e portar armas de fogo nos Estados Unidos baseiam-se, sobretudo, na 2ª Emenda à Constituição americana. Aparentemente, teríamos, no Brasil, uma deficiência em buscar argumento de tamanho peso, eis que nossa Carta Magna não é clara ao prever esse direito ao cidadão de bem.

Todavia, como disse, é apenas uma aparência. Ao erigir a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos da República, já em seu art. 1º, a Constituição brasileira ergueu um sólido monumento, fincado nas mais caras tradições jurídicas, humanísticas e cristãs desta que já foi chamada Terra de Santa Cruz. É próprio, sem embargo, da dignidade do ser humano o senso de autopreservação, que vai, mais tarde, desembocar na legítima defesa.

E esta legítima defesa, capaz de excluir a ilicitude de uma conduta, impedindo que seja considerada crime, segundo o Código Penal – novamente alicerçado em princípios de direito natural e de ordem moral -, deve ser executada sempre com meios proporcionais à agressão sofrida. Ora, não é legítimo que me defenda com facadas no oponente que apenas me injuriou. Da mesma forma, soa descabido que, a quem me agride com um fuzil, tente eu defender-me com meras palavras…

De tal sorte, falar em dignidade da pessoa humana importa em garantir o principal de seus direitos, a vida, e isso não se faz proibindo o cidadão comum – sem problemas criminais – de ter e portar as ferramentas adequadas para que essa mesma vida não lhe seja tirada. Sem que o homem e a mulher tenham acesso a armas capazes de fazer cessar uma agressão injusta, a vida resta pouco protegida. Sem falar na defesa dos bens, da propriedade, que são, por sua vez, a maior proteção à liberdade individual.

A equação é simples: sem direito a armas não se tem plena capacidade de exercer a juridicamente assegurada legítima defesa; sem legítima defesa, a propriedade e a vida não são protegidas; sem a propriedade não há liberdade completa; e sem vida, não há sociedade, não há desenvolvimento civilizacional e não há Direito.

Ora, com que razão se pretende proibir aos brasileiros o acesso às armas, a partir de instrumentos jurídicos como são as leis? Seria o Direito pelejando contra o próprio Direito. A lei, que deveria assegurar a ordem na Civilização, manter a sociedade, defender a vida, a liberdade e a propriedade, acaba sendo usada para implodir isso tudo!

Está em vigor um Estatuto do Desarmamento que, na prática, impede a maioria dos cidadãos de ter e, mais ainda, de portar armas de fogo. E aqueles poucos que conseguem ter ou portar, são atacados por inexplicáveis restrições de calibre. Quiseram, na época da implementação desse diploma legal, cercear ainda mais os direitos de ter e portar armas, ao vedar o comércio das mesmas e suas respectivas munições. Graças ao bom senso de milhões de cidadãos pacatos, pagadores de impostos, cumpridores da lei, amantes da ordem e herdeiros de tradições orais que diferenciam o bandido do pai de família, que compareceram em massa às urnas por ocasião de um referendo, esse dispositivo não prosperou.

A sanha de certos estatólatras, sempre ávidos em aumentar a força dos governos e diminuir a liberdade dos cidadãos, falou mais alto e a vontade popular não foi respeitada. Ainda que o comércio de armas de fogo e munições seja permitido, os demais artigos do Estatuto do Desarmamento estão com plena força e as restrições são tantas – aumentadas por uma série de instruções do Ministério da Justiça aos delegados da Polícia Federal – que se torna dificílimo comprar e registrar um simples revólver, e, ainda mais perto do impossível, portá-lo fora de sua residência. Impedir a legítima defesa não é, exatamente, ferir a dignidade da pessoa humana, insculpida em nossa Carta Política e princípio informador do Estado Brasileiro?

Não contentes com esse estupro da vontade do povo, com esse sequestro de nossa liberdade, alguns legisladores querem avançar mais. Cristóvão Buarque, senador da República, é um deles: a despeito do que o cidadão falou nas urnas, sem levar em consideração o que a maioria da população disse ao votar no referendo, Buarque quer proibir o comércio de armas e munições em todo o território nacional.

O Estatuto, por si só, é uma farsa que tirou do brasileiro o direito de se defender, que rasgou o art. 1º da Constituição, que pisoteou na legítima defesa e na liberdade de escolha. O projeto de Buarque é ainda pior!

Proibição de comercializar armas de fogo. Ora, mas não era sobre isso que discutimos no referendo? Para que serve esse instrumento se, quando o povo manifesta sua opinião, ela não é considerada? Referendos e plebiscitos só têm valor quando em consonância com o desejo dos poderosos? A certa classe de políticos, a democracia só tem valor quando lhe interessa. Se o povo não votou bem no referendo e por isso sua opinião não deve ser levada em conta, por qual circunstância deveríamos considerar legítimo o voto com que o mesmo povo elegeu o senador que agora critica o resultado das urnas naquela consulta popular?

Na contramão dos delírios totalitários de Buarque, o deputado Rogério Mendonça, de Santa Catarina, propôs, por seu PL 3.722/2012, exatamente respeitar o que o brasileiro disse no referendo e ainda ampliar o exercício legal do direito de autodefesa. O povo, ao dizer “não” à proibição do comércio de armas de fogo estava, na prática, querendo que todo o Estatuto fosse reformado. Claro, pois do que adianta o comércio ser livre, como é hoje, se para adquirir a arma que está à venda a lei impõe uma série de condições subjetivas – como prova da necessidade do uso -, criando um poder discricionário aos delegados da Polícia Federal?

Ainda que o sujeito prove ter aptidão para o uso da arma e capacidade psicológica, o delegado simplesmente pode lhe negar. O registro da arma – nem falo do porte, mais difícil ainda – é, no Brasil, completamente diferente do ato de tirar a carteira de motorista. Para ter habilitação para conduzir veículos, basta que o candidato implemente as condições objetivas: passar nas provas. Já para ter uma arma, ainda que passe nas provas, lhe pode ser – e no mais das vezes é – negado o registro. Sem contar as taxas de renovação do registro verdadeiramente confiscatórias, tornando-se um modo do Governo Federal driblar o retumbante recado do povo durante o referendo.

Justamente para que haja um comércio real, e não o da teoria, o projeto de Mendonça – se aprovado – permitirá a aquisição e porte de armas por cidadãos idôneos e tecnicamente aptos.

Não se argumente que armas nas mãos das pessoas geram perigo. O dano, se concretizado ou tentado, é criminalmente punível por si só. Quem usa um revólver para matar já é punido por homicídio, e se armas são proibidas, nem por isso ele deixará de as usar – ou trocará por uma faca, que mata igual, o que nos levaria a indagar seriamente da possibilidade de proibir o uso de talheres… E, de outra sorte, o cidadão que reage a um ato de violência está em seu direito.

Não podemos achar que, de modo absoluto, reagir a um assalto é um risco. Nem sempre. Cada situação é diversa de outra. Como delegado de Polícia, acompanhei casos em que a reação da vítima frustrou o assalto. Isso sem contar que, se na maioria das vezes, o uso de uma arma pela vítima provoca ainda mais violência por parte do malfeitor, esse dado se deve ao fato de que geralmente entram para as estatísticas policiais aquelas situações em que a vítima, ao reagir, não consegue evitar o crime e é morta ou agredida com mais vigor. Noutros termos, dificilmente alguém que reage e meramente mostra a arma para um assaltante, sem sequer disparar nem ter seus bens subtraídos, procurará uma patrulha da Polícia Militar ou uma delegacia da Polícia Civil para registrar algo que não se consumou nem lhe causou dano. Fora que, se for arriscado, é uma decisão pessoal. O Estado não pode se substituir ao indivíduo e lhe tomar o ato de vontade, assumindo o monopólio da coragem. Somando isso às intensas campanhas pacifistas e de igualitarismo infantil entre os sexos, temos a sociedade emasculada de hoje, sem virilidade, sucumbida à apatia…

Enfim, resta recordar que os lugares em que as armas são mais acessíveis têm os menores índices de criminalidade, como a Suíça e algumas unidades federativas dos Estados Unidos do América.

O direito de defesa é natural ao ser humano e corolário de sua dignidade. Não é o Estado que lhe dá e, portanto, não lhe pode retirar por leis injustas.

Ninguém, em sã consciência, pode admitir que o Estado, que já lhe tolhe esse direito, piore ainda mais essa situação, tolhendo completamente a legitimidade da proteção contra agressões. Os que optam por não ter nem portar armas estão em seu direito, e como nós não impomos nossa decisão aos demais, não podemos aceitar que transfiram seu medo da violência desordenada aos que simplesmente querem fazer valer sua liberdade.

Rafael Vitola Brodbeck é delegado de Polícia no Rio Grande Do Sul, e autor de vários livros, entre os quais “Lei de Drogas Anotada” e “Santo Elias, o doutor de Israel”.

Rafael Vitola Brodbeck.

Fonte: Site Mídia Sem Máscara.

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