Maconha: você conhece mesmo?

Hoje, assistimos no Brasil a uma verdadeira campanha para a liberação do consumo de drogas, principalmente da maconha, com o engajamento de muitas pessoas famosas. Pouco se fala ou se faz efetivamente contra isto, mas é preciso, pelo menos, informar às pessoas sobre os verdadeiros efeitos das drogas.

O texto abaixo, sobre a maconha, foi retirado de um documento organizado por mim na Academia Militar das Agulhas Negras (AMAN), com o objetivo de orientar os discentes desta escola a respeito do problema das drogas, que assola a nossa sociedade. O documento, denominado Resistência às Drogas, foi elaborado por estudiosos do assunto, com o auxílio de médicos psiquiatras, e o seu 4º Capítulo foi publicado, todo ele, pela revista da Fundação Getúlio Vargas.

A maconha

1) Maconha é o nome vulgar dado no Brasil à planta denominada cientificamente Cannabis sativa ou cânhamo indiano. Em outros países recebe diferentes denominações como hashish, diamba, ganja, marijuana e marihuana e no Brasil existem mais de 200 termos ou gírias para designá-la. Até o início do século XX, a maconha era considerada um medicamento para alguns males, mas também era utilizada para fins não médicos por pessoas que desejavam sentir “coisas diferentes” e que a usavam abusivamente. Justamente, devido aos abusos cometidos e aos efeitos nocivos à saúde do usuário, a maconha foi proibida em quase todos os países do Ocidente, embora continue sendo muito raramente empregada como medicamento em duas situações: para reduzir as náuseas provocadas por medicamentos usados no tratamento do câncer e em alguns casos de epilepsia. A Cannabis sativa contém em suas folhas e flores uma resina com cerca de sessenta componentes denominados canabinoides, sendo que, segundo Mechoulan R. em “Marihuana Chemistry”, (1970), o principal componente psicoativo presente é o delta-9-tetrahidrocanabinol (THC). O THC é lipossolúvel e facilmente atravessa a barreira hemato-encefálica, ou seja, penetra rapidamente no encéfalo.

2) Sabe-se que a maconha é a droga ilícita mais usada no Brasil e no mundo. Segundo Fergusson e outros, em “Cannabis use and traffic acidents in a birth cohort of young adults” (1997), estudos epidemiológicos realizados na Austrália, Alemanha, Nova Zelândia e Inglaterra informam que um a dois terços da população experimentou maconha pelo menos uma vez antes da idade adulta. Em 2004, Tavares BF, Béria JU e Lima MS publicaram um artigo na Revista Saúde Pública nº 35, “Prevalência do uso de drogas e desempenho escolar entre adolescentes”, onde mencionam que 13,9 % dos estudantes adolescentes no Brasil já haviam experimentado maconha. Em dados mais atualizados, obtidos por pesquisadores ligados ao CEBRID, observa-se que cerca de 21% dos adolescentes escolarizados experimentaram maconha pelo menos uma vez na vida. A previsão é que esta situação se mantenha, devido à permissividade imposta por uma inconsequente e distorcida visão, através da qual a droga é taxada como “leve” e que seu uso “não dá nada”. A própria área científica colaborou com tal opinião mencionando, algumas vezes, a maconha como uma droga recreativa. Entretanto, estudos mais recentes, que buscam avaliar os impactos do uso da maconha, principalmente na adolescência, priorizando as áreas dos transtornos do desenvolvimento, da cognição, do desempenho escolar e da violência, bem como da associação deste uso com problemas de saúde, concluem que a maconha não é uma droga inofensiva que possa ser usada livremente pelas pessoas e, muito menos, por menores adolescentes.

3) Até algum tempo atrás, pensava-se que a maconha não causasse dependência, mas nos últimos anos vários estudos vêm demonstrando o contrário. Van den Bree e outros, em “Risk factors predicting changes in marijuana involvement in teenagers” (2005), artigo publicado na revista Archieves of General Psychiatry, mostraram que mais da metade (55%) de um grupo de 13.718 estudantes pesquisados, entre 11 e 21 anos, que haviam experimentado maconha, continuavam a usar a droga um ano depois. Diversos outros trabalhos de pesquisa chegaram a resultados semelhantes. Entre eles destaca-se o recente estudo da National Household on Drug Abuse, feito com 114.241 adolescentes norte-americanos. Os pesquisadores concluíram que 3,9% daqueles que começaram a usar maconha desenvolveram a síndrome da dependência da droga num intervalo de doze meses. Os números divulgados indicam que iniciar o uso da maconha experimentalmente tende a levar ao uso regular da droga e que boa parte dos que a fumam regularmente apresentam dificuldade para descontinuar o uso e desenvolvem dependência num percentual que varia de 9% a 53%, conforme o grupo considerado. Fumar cigarros, ter começado a usar maconha na adolescência, usar esta droga semanalmente, usar três ou mais drogas simultaneamente (exemplo: tabaco, álcool e clorofórmio) e envolver-se com “amigos” que usam drogas são hábitos que predispõem a pessoa a desenvolver a dependência.

MACONHA – O CAMINHO DA DEPENDÊNCIA SEGUNDO VAN DEN BREE (2005)

Experimentação >> Uso regular >> Uso nocivo com falha para descontinuar >> DEPENDÊNCIA

4) Para vários autores, o uso da maconha irá, de algum modo, favorecer o uso de outras drogas. Entre os trabalhos de pesquisa realizados nesta área citam-se o de Fergusson, feito em 2002, com um grupo de 1265 adolescentes, e o de Lynskey que estudou pessoas gêmeas relacionando-as ao uso da maconha.

Desses estudos desenhou-se o seguinte cenário:

– Aos 21 anos, 70% dos entrevistados já haviam experimentado maconha e 26% haviam usado outras drogas ilícitas.

– Os que tinham fumado maconha mais de cinquenta vezes apresentaram um risco 59,2% mais alto de usar, também, outra droga ilícita em relação aos que nunca haviam usado esta droga.

– Entre os gêmeos, constatou-se que os sujeitos que utilizaram maconha antes dos 17 anos apresentaram tendência, duas a cinco vezes maior, a usarem ou se tornarem dependentes de álcool ou outra droga.

Assim, as pesquisas acima citadas nos mostram que fumar maconha na adolescência pode ser apontado como um importante incentivador da disposição do indivíduo para usar outras drogas ao longo da vida. Atualmente, a maconha é consumida “mesclada” (misturada) com o crack e a pasta de coca, havendo usuários que a misturam na comida e fazem chá com suas folhas.

5) A relação entre o uso da maconha e a observação de déficits cognitivos que comprometem o rendimento escolar foi demonstrada por destacados estudiosos da questão, que apontam o THC como provocador da redução da performance do indivíduo em tarefas que exijam memória, atenção, tempo de reação imediata e controle motor, durante o período de intoxicação que permanece por várias horas. Constataram que usuários pesados tiveram escore significativamente baixo em testes de memória a eles aplicados e que o uso regular e intenso desta droga (5 ou mais “baseados” por dia) causou um efeito negativo nos escores obtidos em testes de quociente de inteligência (QI). Não existem, ainda, estudos conclusivos sobre a recuperação, em longo prazo, das capacidades perdidas pelos usuários, mas Ellickson e outros (“Does early drug use increase the risk of dropping out of high school?” – Journal of Drug Issues, 1998) concluíram que estudantes de origem latina que utilizam maconha têm 38% mais probabilidade de abandonar a escola antes de terminarem os estudos, do que aqueles que não usam a droga.

6) Existe, há muito tempo, a suspeita que o uso da maconha provoca o aparecimento de transtornos mentais nos usuários. Segundo Arsenaut (“Casual association between cannabis and psychosis: examination of the evidence” – British Journal of Psychiatry, 2004), crises psicóticas agudas podem ocorrer em resposta ao uso de grandes doses de maconha e ressalta que se o uso desta droga fosse eliminado na sociedade isto reduziria em 8% a incidência de esquizofrenia. Pesquisas realizadas nos Estados Unidos da América, na Austrália e na Holanda revelaram que foram encontradas taxas duas vezes mais altas de uso de maconha em pessoas esquizofrênicas que no restante da população (Regier et al., 1990; Hall et al., 2000; Van Os et al., 2002). Para Arsenaut, já citado, o uso da maconha não constitui condição necessária e suficiente para o desencadeamento de quadros psicóticos, mas integra um conjunto de fatores que levam à psicose.

7) Até aqui, procurou-se mostrar, por intermédio da citação de dados retirados de trabalhos científicos de diversos autores, que a maconha não é uma “droga leve”, cujo uso “não dá em nada”. O uso da maconha produz efeitos físicos e psíquicos, que poderão ser imediatos e crônicos, de acordo com o período que se considera após o uso.

a) Os efeitos físicos imediatos são pouco importantes. O usuário apresenta hiperemia das conjuntivas (olhos vermelhos), xerostomia (boca seca) e taquicardia (mais de 120 batimentos por minuto).

b) Os efeitos psíquicos imediatos variarão com a “qualidade” da maconha fumada e a sensibilidade de quem fuma.

Sabe-se que a quantidade de THC em uma dose pode variar bastante, de acordo com a procedência da droga e a forma como é consumida. Nos últimos 20 anos, a sofisticação do cultivo da planta, usando técnicas modernas, aumentou a potência dos componentes da Cannabis. Em 1970, um cigarro comum de maconha continha de 0,5% a 1% de THC; hoje, um “baseado” feito de “skankweed” ou de “netherweed”, ambas as subespécies da Cannabis sativa, pode conter até 30% de THC. Deste modo, o usuário contemporâneo de maconha fumada poderá estar exposto a doses 30 vezes mais fortes de THC. Este fato é relevante, pois os efeitos psíquicos causados pelo THC variam de acordo com a dose consumida.

É útil mencionar que boa parte dos estudos sobre os efeitos da maconha foram feitos na década de 70 e talvez por isto os estudiosos da época considerassem a maconha uma droga “leve”.

Os efeitos psíquicos agudos poderão variar, indo de uma sensação de bem-estar, na qual o indivíduo se sente menos fatigado, calmo, relaxado e com tendência a hilaridade (vontade de rir), até sensações desagradáveis nas quais os usuários ficam confusos, angustiados, temerosos de perder o equilíbrio emocional, tudo acompanhado de tremores e suores exagerados (“má viagem” ou “bode”).

Sempre haverá uma evidente perturbação da capacidade de calcular tempo e espaço, bem como prejuízo da memória e da capacidade de concentração (perda da atenção).

Deste modo, sob a ação da maconha, o indivíduo comete erros grosseiros na avaliação do tempo, imaginando que muitas horas se passaram, quando transcorreram apenas alguns minutos. Alguns usuários costumam sentir maior prazer quando fazem sexo após fumar maconha e acreditam que o desempenho sexual foi melhor e mais prolongado; entretanto, isto ocorre devido à perda da noção do tempo.

No que diz respeito à memória e à capacidade de concentração, há relatos de indivíduos que não conseguiam, quando sob o efeito da maconha, guardar números que haviam visto momentos antes. Exemplo: o bancário que lia o número de um documento que deveria apanhar no arquivo e o esquecia em seguida, não conseguindo concluir o trabalho.
Caso real:

Em um quartel, localizado em cidade do interior, uma sentinela atirou no sargento que fazia a ronda noturna, porque estava fumando maconha e esqueceu-se da senha, da contra senha e dos outros procedimentos a adotar para identificar pessoas que se aproximassem de seu posto.
Vê-se que uma pessoa sob o efeito da maconha não pode executar determinadas tarefas que dependam de atenção, raciocínio e bom senso, como dirigir veículos, operar máquinas e portar armas, sob a pena de prejudicar a outros e a si mesmo.

Aumentando a dose da droga ou com usuários mais sensíveis, os efeitos psíquicos agudos podem apresentar maior gravidade, ocorrendo delírios e alucinações.

– O delírio é uma manifestação mental na qual a pessoa faz juízo errado daquilo que vê ou ouve. Sob a ação da maconha o indivíduo pode ser acometido por delírios persecutórios (mania de perseguição). Identificando como ameaças ocorrências sem importância, a pessoa pode entrar em pânico e fazer coisas perigosas. Cita-se como exemplo, um homem que fumava maconha, quando ouviu a sirene de uma ambulância e julgou que fosse a polícia chegando para prendê-lo. Ouviu vozes dizendo: “Eles vão te pegar! Eles vão te pegar!”. Em pânico, saltou pela janela do cômodo onde estava, no terceiro andar de um prédio, acidentando-se gravemente.

– A alucinação é uma falsa percepção, ou a percepção sem objeto, isto é, ver, ouvir ou sentir coisas que não existem. O indivíduo citado no exemplo anterior estaria ouvindo vozes que não existiam. As alucinações podem ter fundo agradável ou terrificante.

c) Os efeitos físicos crônicos da maconha são relevantes, pois vários órgãos são afetados com o uso continuado da droga. Os pulmões, por exemplo, são muito afetados pela fumaça irritante de um vegetal que sequer é tratado como o tabaco comum. A fumaça da maconha contém, além do THC e outros alcaloides, elevadíssimo teor de alcatrão (maior que na fumaça do tabaco) e de benzopireno, conhecido agente cancerígeno. Outro efeito provocado pela maconha é a redução de aproximadamente 50% do nível de testosterona dos usuários crônicos. Este hormônio masculino confere ao homem maior quantidade de músculos, barba e voz mais grave que as mulheres, além de influenciar decisivamente na produção dos espermatozoides. Por isso, o usuário crônico de maconha apresenta oligospermia (baixo número de espermatozoides no líquido espermático), o que leva à infertilidade. Este efeito tende a desaparecer quando o indivíduo deixa de usar a droga.

d) É preciso considerar, ainda, os efeitos psíquicos crônicos produzidos pela maconha. O uso continuado desta droga interfere com a capacidade de aprendizagem e memorização e leva à situação de total apatia, na qual o usuário evidencia falta de vontade para exercer qualquer atividade. Este efeito é denominado síndrome amotivacional. Além disto, o uso contínuo da maconha acaba por conduzir o indivíduo a um estado de dependência, isto é, fumar maconha passa a ser a coisa mais importante da vida e o dependente se organiza de modo a facilitar o uso da droga. Finalmente, é importante mencionar que estudos recentes ligaram o uso da maconha a diferentes transtornos psiquiátricos na população em geral, havendo consistente associação entre o uso desta droga e o primeiro surto psicótico em pessoas jovens. Sabe-se, também, que o uso da Cannabis sativa aumenta o risco de esquizofrenia em indivíduos que indiquem ou não predisposição e agrava a situação daqueles que evidenciam vulnerabilidade a transtornos psicóticos.

e) Concluindo, é preciso deixar bem claro que a maconha, ao contrário do que se pensava, não é uma droga recreativa ou uma droga leve, cujo uso “dá em nada”. Por isto, a Cannabis sativa deve ser tratada com atenção pelas autoridades e pelas famílias como uma droga tão perversa quanto a cocaína e outras drogas consideradas pesadas.

Mario Hecksher.
Coronel de Infantaria (Reformado).

Fonte: UnB Conservadora

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