MANIPULAÇÃO, OCULTAÇÃO E DISTORÇÃO, OS DOGMAS DA GRANDE MÍDIA

Por : Major Aguiar

Sempre fui um amante do jornalismo, sempre me fascinou a possibilidade de levar as pessoas informações que, por outros meios, seriam permanentemente ignorados. O jornalismo é realmente uma atividade essencial, como classificaram as nossas autoridades, tanto as sanitárias quanto as autoritárias. Mas, parece que a maior parte dos trabalhadores da mídia tradicional esqueceram-se da verdadeira natureza, e missão, da imprensa. Ou seja, garantir que informação verdadeira e, de preferência, sem filtros alcance o público. A classe que dedicou anos denunciando a censura e intervenção do estado em sua atividade, atualmente é responsável por sonegar ao público as informações e os fatos mais relevantes. Quase sempre, com o objetivo de estabelecer narrativas políticas e ideológicas, mesmo que suas teorias colidam frontalmente com a realidade ou estuprem os fatos.

A Wikipédia em português, apesar de suas evidentes limitações, traz uma definição de jornalismo que achei muito adequada:

“Jornalismo é a coleta, investigação e análise de informações para a produção e distribuição de relatórios sobre a interação de eventos, fatos, ideias e pessoas que são notícia e que afetam a sociedade em algum grau. A palavra se aplica à ocupação (profissional ou não), aos métodos de coleta[3] de dados e à organização de estilos literários. A mídia jornalística inclui: impressão, televisão, rádio, Internet e, no passado, noticiários.”[1]

Um dos episódios mais marcantes, de negligência completa da essência da atividade, ocorreu nesta segunda-feira, 15 de março. Quando a maioria esmagadora dos devotos do “jornalismo profissional” resolveu seguir seus próprios dogmas e ficou em casa. Enquanto isso, por todo o país multidões invadiam as ruas em protestos por liberdade e pelo direito ao trabalho. Nessa análise, o mérito das reivindicações é indiferente, a questão é o desprezo dos profissionais aos princípios mais básicos da ética profissional. Eles, que deveriam estar comprometidos em informar as pessoas sobre os acontecimentos mais importantes desta porca república, resolveram ignorar um movimento popular de magnitude nacional.  A imprensa ignorou e calou a voz de centenas de milhares de brasileiros. Jornais e revistas não tem nenhuma obrigação em endossar pautas e reivindicações, mas o mínimo que se espera é que cumpram sua função básica, noticiar.

Como sou um apaixonado pelo jornalismo, entendi que não deveria ser injusto. Por isso, aguardei o dia inteiro para manifestar alguma opinião. Na minha ingenuidade, e romantismo, cheguei a cogitar que as empresas estariam produzindo um material mais acurado. Afinal, como as principais empresas e profissionais de comunicação poderiam ignorar um movimento popular da magnitude do que aconteceu no domingo?  Infelizmente foi exatamente isto que aconteceu:

 Site metrópoles, print dia 15-03-2021, às 19:07[2]

Site metrópoles, print dia 15-03-2021, às 19:07[3]

Apesar de estar sediado em Brasília, cidade que foi palco de uma das maiores carreatas de sua história, o portal não fez quase nenhuma menção ao protesto, suas reivindicações ou motivos que levaram as pessoas às ruas. A única notícia referente ao evento, na página principal, trata de um evento irrelevante[4], em comparação ao tamanho do evento. Desta forma, o leitor desatento, ou que use como fonte de informação apenas sites do chamado jornalismo profissional, jamais irá imaginar que, este episódio, foi parte de uma manifestação com a participação de milhares de pessoas e que provocou a obstrução das as vias do Eixo Monumental[5], provocando um “engarrafamento” em pleno domingo.  

Fonte –  Instagram @allansantosbr [6]

“Grande” fato noticiado – Renan xinga e solta fogos na esplanada[7]

Sei que o site publicou uma matéria, ainda que sem destaque, sobre a manifestação. Mas mesmo buscando a matéria no mecanismo de pesquisa do Metrópoles não consegui achar a reportagem. Só tive acesso ao conteúdo através de um aplicativo no meu smartphone, que busca links aleatórios de acordo com minhas pesquisas. Vista a matéria, fui ao computador para usá-la como referência neste artigo, infelizmente não consegui localizá-la. Pesquisei com os seguintes argumentos:

  1. Manifestação 14 de março;
  2. Manifestação 14 de março de 2021.

Os resultados obtidos:

Argumento da pesquisa: Manifestação 14 de março

Argumento da pesquisa: Manifestação 14 de março de 2021

Outro jornal que não deu muita importância às manifestações ocorridas na capital foi o Correio Brasiliense, sem dúvidas o jornal mais tradicional da capital. Durante o dia uma o site focou suas atenções na mudança do ministro da saúde fato que, sem dúvidas, merece cobertura. Entretanto, não é possível negar a relevância, e a capacidade de interessar o público, que as manifestações populares têm. Principalmente dada a proximidade do fato com a população da cidade e a grande participação popular, muitos dos quais leitores do Correio. Dessa forma, o periódico demonstra uma orientação editorial de desprezo à própria essência da notícia, e aos motivos pelos quais um fato deve receber a cobertura do jornal.

De acordo com o manual de jornalismo da Anabela Gradim[8], são elementos essenciais da notícia, citando Daniel Ricardo:

Daniel Ricardo considera características essenciais da notícia a veracidade, atualidade e a capacidade de interessar, sendo que os valores que imprimem interesse a factos acuais e verdadeiros são a proximidade, a importância, o conteúdo humano e a originalidade.” (Grifo nosso).

Justiça seja feita, o jornal chegou a publicar uma matéria sobre as manifestações que, mesmo sem ter grande destaque nas manchetes, encerrou o dia como a matéria mais lida do portal. Confirmando que ao respeitar-se o interesse do público, através da publicação de fatos relevantes o veículo, invariavelmente, terá como resultado uma audiência maior e gozando de credibilidade junto ao seu público. Coisas cada vez mais raras no “jornalismo profissional” brasileiro. O que é uma pena.

Em escala mais grave, ou mais branda, a experiência da cobertura jornalística constatada no Distrito Federal foi replicada por todo o país. Ainda que a grande imprensa trate do tema, as matérias raramente são honestas e, quando são, acabam escondidas por manchetes de pouca relevância ou alinhadas ao pensamento ideológico da editoria da empresa de mídia responsável pela publicação.

Print do site Folha de São Paulo, 15 de março de 2021, 20:30hs

Print do site G1, 15 de março de 2021, 20:25hs

A verdade é que a muito tempo nossos jornalistas desistiram de publicar notícias, principalmente aquelas que tragam contradições ao discurso progressista. Os cursos de jornalismo, na maioria das universidades do país, foram tomados por uma ideologia incompatível com exercício do jornalismo. Professores não estão comprometidos com a formação de profissionais para informar as pessoas e divulgar fatos importantes.  A busca da verdade e a retratação dos fatos como eles realmente aconteceram, foram substituídos pela necessidade criar agentes de transformação social. Profissionais que usam o jornalismo como ferramenta para fazer sua revolução e construir um “mundo melhor”. Mesmo que ninguém tenha um plano definido que seria isso. Esta busca insana pela utopia auto adiável dilui a importância, e a relevância, de veículos que outrora dominaram o mercado editorial do país. Situação que é confirmada pela vertiginosa queda de circulação impressa e digital.

A GRANDE MÍDIA ENCOLHE

De acordo com matéria publicada no site Poder 360[9] no ano de 2020 a revista Veja perdeu 285.015 exemplares impressos e digitais, o que representa uma queda de 52,2% em relação a 2019. Época teve redução de 68.260 cópias (-43,5%). Exame caiu 31,9% (-26.024 exemplares). O caso da revista Veja é emblemático, uma vez que já foi a maior revista semanal do país, e uma das maiores do planeta em circulação impressa. Sua tiragem superava 1 milhão de exemplares por semana. Mas crise de credibilidade da imprensa nacional fez com que a publicação terminasse 2020 com apenas 144.141 cópias em papel, em média, por edição.

Gráfico Publicado no portal Poder 360[10]

A decadência crônica e contínua das grandes empresas de mídia, demonstradas pela queda constante de audiência é fruto deste fenômeno. Com o advento das redes sociais e dos smartphones, cada pessoa tem em suas mãos uma pequena agência de notícias. Antes dessas tecnologias a opinião dos “jornalistas profissionais”, “especialistas” e personalidades da grande mídia, eram praticamente incontestáveis. Hoje a relação da população com a imprensa mudou de forma radical. Se antigamente quando um alguém trazia uma notícia, as pessoas corriam à televisão e aos jornais impressos para confirmar notícias duvidosas. Atualmente, a relação é inversa, quando fato é publicado na grande mídia as pessoas recorrem às redes sociais, à perfis de pessoas comuns e influenciadores digitais ou a sites da mídia “alternativa” para ter certeza de que notícia é verdade.  

Levantamento feito pelo PoderData, e publicado no Portal Poder 360[11], sobre a credibilidade da imprensa revelou que a maioria dos brasileiros (61%) tem algum grau de desconfiança quando o assunto é a imprensa brasileira. A maioria dos entrevistados considerou que as notícias publicadas nos veículos de comunicação são “mais ou menos confiáveis”. Uma maneira eufêmica que o site encontrou de relatar as constatações da pesquisa. Porque é muito difícil acreditar em um trabalho “mais ou menos confiável”. Confiar mais ou menos é o mesmo que não confiar. Pelo menos eu nunca viajaria em uma empresa aérea na qual confio “mais ou menos”. Nem deixaria meu dinheiro em um banco “mais ou menos confiável”. E você faria uma cirurgia com um médico em que confia “mais ou menos”. Como os jornais hoje estão disponíveis na internet e as redes sociais nos empurram links o dia inteiro, o hábito e o comodismo dão uma sobrevida ao jornalismo caquético.

Situação ainda pior foi constatada em estudo global da Edelman Trust Barometer, realizado em  2018, e divulgado pelo portal da Imprensa[12]. Nesse levantamento constatou-se que para 74% dos brasileiros, jornais, rádios, emissoras de TV e internet tem interesse na atração de uma grande audiência, deixando em segundo plano a produção de notícia. Além disso, para 71% dos entrevistados acreditam que os meios de comunicação sacrificam a exatidão em nome do furo de reportagem. E 67% dizem que os veículos têm maior compromisso em apoiar uma ideologia em detrimento ao papel de informar o público.

OS SACERDOTES DA MÍDIA

Imbuídos do espírito revolucionário o jornalista atual não se enxerga como o funcionário de uma empresa, como um contador de histórias ou relatador de fatos. Seduzido pelo discurso eterno da serpente, ele precisa provar do fruto proibido, ele quer ser como Deus. Quer mudar o mundo, mesmo que não o entenda. Quer criar, e ditar, as regras para seus seguidores. Sem perceber acabaram criando uma classe de sacerdotes, aqueles que decidem o que é verdade ou mentira, não baseados em fatos, na realidade ou na lógica. Mas, fundamentalmente nos princípios doutrinários de sua religião sínica, onde a verdade é um conceito elástico, fazendo com que os fatos sejam distorcidos, revelados ou escondidos de acordo com a conveniência da narrativa do dia. As contradições são ignoradas, os dissidentes aniquilados e não há espaço para contestação. Nas redações todo jornalista é livre para dizer o que quiser, desde de que esteja de acordo com doutrina e dentro da estreita amplitude da pauta.

O nível de embotamento mental gerado por esta crise leva os profissionais da grande mídia dobrarem a aposta todos os dias. Mesmo vendo a decadência crônica a fé na doutrina leva os profissionais a pregação cada dia mais histérica, o extremismo de suas crenças não produz o resultado esperado, mas a esperança utópica cega o entendimento e qualquer sacrifício será imolado no altar da mídia. Afinal na construção de um “mundo melhor” não custa nada manipular, distorcer ou ocultar os fatos. No paraíso tudo será recompensado e os pecados perdoados.


[1] https://pt.wikipedia.org/wiki/Jornalismo

[2] https://www.metropoles.com/

[3] https://www.metropoles.com/

[4] https://www.metropoles.com/distrito-federal/renan-sena-volta-a-xingar-ibaneis-solta-fogos-na-esplanada-e-e-preso

[5] Uma das principais avenidas de Brasília com tem seis faixas de tráfego em cada sentido e 250 metros de largura – um pequeno trecho, a leste do Congresso, fica menor, com três faixas em cada sentido e uma central de divisão – já tendo sido considerado pelo Guinness Book como a avenida mais larga do mundo.

[6] https://www.instagram.com/allansantosbr/

[7] https://www.metropoles.com/distrito-federal/renan-sena-volta-a-xingar-ibaneis-solta-fogos-na-esplanada-e-e-preso

[8] http://www.bocc.ubi.pt/pag/gradim-anabela-manual-jornalismo-1.pdf

[9] https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/revistas-sofrem-grande-queda-de-circula%C3%A7%C3%A3o-impressa-e-digital-em-2020/ar-BB1ezpMj#image=2

[10] https://img-s-msn-com.akamaized.net/tenant/amp/entityid/BB1ezgWP.img?h=848&w=799&m=6&q=60&o=f&l=f

[11] https://www.poder360.com.br/poderdata/61-dizem-que-informacoes-publicadas-pela-imprensa-sao-mais-ou-menos-confiaveis/

[12]https://portalimprensa.com.br/noticias/ultimas_noticias/80347/pesquisa+aponta+que+midia+e+a+instituicao+menos+confiavel+globalmente

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