Senado aprova PL que criminaliza preconceito de policiais e seguranças

O Senado aprovou nesta quinta-feira (10/12), em votação simbólica, projeto que torna crime a prática de atos por agentes públicos e profissionais de segurança privada com base em preconceito de qualquer natureza, notadamente de raça, origem étnica, gênero, orientação sexual ou culto.

O texto prevê aumento de pena para os crimes de abuso de autoridade e de violência arbitrária e denunciação caluniosa motivados por discriminação. Do senador Paulo Paim (PT-RS), o PL 5.231/2020 tem por objetivo combater o racismo estrutural e recebeu parecer favorável do relator, senador Fabiano Contarato (Rede-ES), na forma de um substitutivo. O texto segue agora para análise da Câmara.

O projeto explicita que a vedação à conduta discriminatória contempla todas as ações relacionadas à segurança pública e fiscalização, inclusive barreiras rodoviárias, abordagens e revistas policiais, fiscalização aduaneira, serviços de imigração, vistorias, inspeções, execução de medidas de interdição de acesso a locais ou instalações, interrupção ou suspensão de atividades de caráter coletivo.

Agentes públicos ou profissionais de segurança privada não poderão, nem em caso de advertência verbal, ofender, insultar ou agredir uma pessoa; aplicar excessivo ou desnecessário rigor; fazer uso desproporcional da força e desrespeitar a dignidade da pessoa humana. Essas proibições foram ampliadas a partir de emenda da senadora Rose de Freitas (Podemos-ES).

Nos casos de flagrante delito, a conduta da autoridade pública ou de profissional de segurança privada deverá observar os limites estritos da necessidade e adequação diante do caso concreto. O texto esclarece, no entanto, que a percepção e a análise de risco, nos casos concretos, não poderão ser baseadas em critérios de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero ou orientação sexual.

O relator se comprometeu a retirar do texto, sem a necessidade de aprovação de emenda, as expressões “intimidar” e “constranger”, a pedido do senador Major Olimpio (PSL-SP), que alegou a possibilidade de o uso desses termos gerar insegurança jurídica aos agentes públicos.

Sugestão
O projeto é baseado em uma sugestão da Associação Franciscana de Defesa de Direitos e Formação Popular (SUG 23/2020) e foi assumida por Paim na Comissão de Direitos Humanos (CDH). A associação é mantenedora da União de Núcleos de Educação Popular para Negros e Classe Trabalhadora (UNEafro Brasil). A entidade agrega militantes da causa negra, da causa das mulheres, da diversidade sexual e do combate a todos os tipos de discriminação e preconceito.

Paim argumenta que os fatos recentes ocorridos no país fortalecem a relevância da proposição. O senador cita vários exemplos de violência contra a população negra e lembra que, em 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra, o país ficou sabendo da morte de João Alberto Silveira Freitas, um homem negro de 40 anos. Ele morreu depois de ser espancado por seguranças da rede de supermercados Carrefour, em Porto Alegre. Para o senador, fatos como esse evidenciam que ainda há muito por fazer.

Contarato concorda com Paim. “É imperativo que todos os agentes públicos e os poderes constituídos no país empenhem esforços para que ocorra uma consolidação de políticas de promoção de igualdade em todos os níveis para reduzir a discriminação e o preconceito, seja através da educação e conscientização, seja por meio de leis que punam de forma severa e exemplar estes crimes tão odiosos”, argumenta no relatório.

Agravante
O projeto acrescenta ao Código Penal (Decreto-Lei 2.848, de 1940) uma agravante para quem praticar violência no exercício de função. Atualmente, a pena prevista é de seis meses a três anos de detenção, mais pena correspondente à violência. Se a motivação for discriminação ou preconceito de qualquer espécie, a pena será aumentada pela metade.

A pena também será aumentada pela metade no caso de instauração de investigação policial ou de processo judicial, instauração de investigação administrativa, inquérito civil ou ação de improbidade administrativa contra pessoa inocente, quando motivada por discriminação ou preconceito de qualquer natureza.

O texto insere ainda na Lei de Crimes Raciais (Lei 7.716, de 1989) a punição a agente público civil ou militar e a profissional privado de segurança que ofender, insultar ou agredir pessoa; aplicar excessivo ou desnecessário rigor; e fazer uso desproporcional da força, motivado por preconceito de qualquer natureza. Nesses casos, a pensa será de reclusão de três a cinco anos.

Relações de consumo
O texto também modifica o Código do Consumidor (Lei 8.078, de 1990), que passa a prever, em sua Política Nacional das Relações de Consumo, a prevenção a qualquer forma de tratamento discriminatório em função de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero ou orientação sexual.

Além disso, os fornecedores deverão implementar ações e programas de treinamento para os funcionários que atuem em contato direto com o público, até mesmo pessoal terceirizado, a fim de combater qualquer tipo de tratamento discriminatório a consumidores.

Entre os direitos básicos do consumidor, o projeto inclui a proteção contra qualquer tipo de tratamento discriminatório em função de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero ou orientação sexual.

Abuso de autoridade
O projeto altera ainda a Lei de Abuso de Autoridade (Lei 13.869, de 2019) para determinar que os crimes definidos na norma tenham suas penas aumentadas de metade se o agente pratica a conduta motivado por discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião, procedência nacional, gênero ou orientação sexual.

O texto diz que os órgãos operacionais integrantes do Sistema Único de Segurança Pública deverão manter registros circunstanciados de ocorrências de denúncias, reclamações ou queixas de condutas motivadas por discriminação ou preconceito, assegurados a proteção à intimidade dos envolvidos e o sigilo dos denunciantes.

Os registros deverão ser sistematizados e disponibilizados ao acesso público em caráter permanente, nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527, de 2011).

Formação
Contarato acrescentou ao texto original a obrigação de que sejam oferecidos conteúdos relacionados a direitos humanos e combate ao racismo e outras formas de discriminação em cursos de capacitação de agentes de segurança pública e privada. Também deverão receber esse tipo de formação as guardas municipais e as polícias legislativas federais.

O projeto modifica também a Lei 7.102, de 1983, que estabelece normas para criação e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores. Segundo o texto, o Ministério da Justiça não poderá mais fazer convênio para conceder autorização de funcionamento para empresas que oferecem vigilância e transporte de valores nem para fixar o currículo dos cursos de formação de vigilantes.

Além disso, esses currículos deverão incluir módulos específicos e com carga horária adequada para temas de direitos humanos e combate à discriminação e ao preconceito de qualquer natureza.

Outro dispositivo alterado é o Estatuto dos Policiais Militares do Distrito Federal (Lei 7.289, de 1984), para prever que os cursos de formação dos estabelecimentos de ensino dos policiais militares incluirão módulos específicos e com carga horária adequada para temas de direitos humanos e combate à discriminação e ao preconceito. Esse tipo de conteúdo também deverá ser incluído na matriz curricular do Estatuto dos Guardas Municipais (Lei 13.022, de 2014).

Disciplinas semelhantes devem ser ministradas ainda aos integrantes das carreiras da Polícia Civil do Distrito Federal (Lei 9.264, de 1996), da Polícia Federal (Lei 9.266, de 1996) e da Polícia Rodoviária Federal (Lei 9.654, de 1998).

O substitutivo de Contarato muda o Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP — Lei 13.756, de 2018) para determinar que o repasse dos recursos ficará condicionado, entre outros, à inclusão, nos cursos de formação de formação e aperfeiçoamento de policiais civil e militares e de integrantes dos corpos de bombeiros militares, de módulos específicos e com carga horária adequada para temas de direitos humanos e combate à discriminação e ao preconceito.

Violência
Na justificativa do projeto, Paim faz referência ao recente estudo Atlas da Violência 2020, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Segundo o senador, o atlas mostra que os casos de homicídio de pessoas negras (pretas e pardas) aumentaram 11,5% entre 2008 e 2018, enquanto a taxa entre não negros (brancos, amarelos e indígenas) foi reduzida em 12,9%.

O estudo mostra ainda que, para cada pessoa não negra assassinada em 2018, 2,7 negros foram mortos. Além disso, os negros representaram 75,7% das vítimas. Enquanto a taxa de homicídio a cada 100 mil habitantes foi de 13,9 casos entre não negros, entre negros essa taxa chegou a 37,8. Para Paim, esses dados evidenciam a persistência do “racismo estrutural, da desigualdade racial, do preconceito”. Ele ainda aponta que essa situação precisa ser enfrentada pelo poder público e pela sociedade como um todo. 

Fonte: Agência Senado

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