O jornal, os “especialistas em segurança” e a realidade

Recentemente, o jornal de maior circulação no DF, publicou uma matéria acerca da segurança na capital federal[i]. No texto, está explicito o desleixo para com a língua portuguesa e a pobre concatenação das informações obtidas dos entrevistados. Entretanto, salvo raras exceções, piores são as soluções cabalísticas ao final da matéria, as quais, brevemente, passo a comentar:

Confira 10 sugestões para reduzir a violência, segundo especialistas ouvidos pelo jornal e o meu comentário logo abaixo em negrito:

1. Criar mecanismos que garantam a punição efetiva aos criminosos. As pessoas que infringem a lei têm de ter a certeza de que serão punidas severamente pela sociedade;

O legítimo detentor do jus puniendi é o Estado. A punição severa por parte da sociedade[ii] possui outros nomes: barbárie, vingança privada, etc.

2. Conscientizar e mobilizar a população para que ela participe do processo de construção de uma política de segurança pública de qualidade. Sem o envolvimento da comunidade, ela acaba sendo a causadora de seus principais problemas de insegurança;

a) O que seria “uma política de segurança de qualidade”?

b) A comunidade acaba sendo “a causadora de seus principais problemas”. Como assim?

3. Reduzir as desigualdades sociais, com políticas que preservem os jovens e os afaste da criminalidade;

Políticas que preservem os jovens? De quê ou de quem?

4. Promover a inclusão social por meio de programas de geração de renda e emprego; garantir o acesso universal à escola, à saúde de qualidade;

É inegável que a miséria possa potencializar o crime. Contudo, precisamos estar atentos quanto a qualquer tipo de determinismo nesse sentido.

5. Promover a qualificação dos jovens e dar oportunidade de inclusão no mercado formal de trabalho;

Se estamos a debater segurança pública, precisamos evitar o discurso raso de que o desemprego gera criminosos. Por que não refletirmos a respeito de como a configuração dos espaços públicos podem criar ou inibir oportunidades para o crime, por exemplo?

6. Acabar com a divisão entre as polícias Militar e Civil. Isso promoveria a desmilitarização da PM, que só existe no Brasil;

Mentira. Existem policiais militares no mundo inteiro.[iii]

De toda sorte, dizem que só existe jabuticaba no Brasil, o que também não é verdade. Depois de acabarem com a PM, penso que partirão para cima do fruto negro com polpa branca e doce.

7. Políticas públicas que promovam a pacificação de homens entre 15 e 24 anos, faixa de risco para a violência. Além de programas de pacificação, análise e resolução de conflitos nas escolas;

Concordo. Programas de mediação comunitária que promovam a resolução pacífica de conflitos podem, sim, contribuir para a redução da violência interpessoal. Entretanto, no corpo da matéria, uma autointitulada especialista em segurança pública, supostamente, afirma que a redução da maioridade penal seria um equívoco, em suas palavras “É a culpabilização e a criminalização da pobreza”.

Difícil de entender a lógica desse raciocínio. A lei penal é abstrata, portanto, atinge delinquentes de todos os estratos sociais. Quem, então, estaria discriminando os mais pobres, os rotulando de propensos ao crime?

8. Promover uma cultura de paz e reduzir a circulação de armas ilegais;

Armas ilegais são um mal em si, tanto faz se estão circulando entre criminosos ou não. Imagino que seja isso o que a matéria tenta dizer. Entretanto, a primeira afirmação “promover uma cultura de paz” embute a ideia de desarmamento da população honesta. Nesse ponto, cabe um adendo: nossa sociedade precisa debater francamente se concorda em retirar dos cidadãos qualquer possibilidade de exercer a legítima defesa. Lembremos que, embora seja isso o que muitos desejem, a onipresença não é um atributo do Estado.

9. Conter o narcotráfico;

É indiscutível o efeito devastador da epidemia de crack e drogas afins em nossa sociedade.

10. Fortalecer as famílias. Elas são a primeira instância de controle social. É o principal instrumento de ajuda e de prevenção aos possíveis delitos.

Essa afirmação merece elogios. Há muito não ouvimos a expressão “a família é a célula mãe da sociedade” na grande mídia. Reconhecer o protagonismo da família na formação de cidadãos que no futuro não optarão pelo crime constitui postura louvável.

 Isângelo Senna da Costa.

Referências:

[i] http://impresso.correioweb.com.br/app/noticia/cadernos/cidades/2014/05/03/interna_cidades,126422/muito-alem-do-trabalho-policial.shtml

[ii] Não estamos falando, aqui, de legítima defesa.

iii] https://blitzdigital.com.br/artigos/so-existe-policia-militar-no-brasil/

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.