O PARADIGMA DO “STOPPING POWER” E OS BENEFÍCIOS DO CALIBRE 9MM LUGER EM COMPARAÇÃO AO CALIBRE .40 S&W PARA O SERVIÇO POLICIAL

POR: ALEXANDRE GUIMARÃES M DE OLIVEIRA*

RESUMO

O presente artigo científico tem por finalidade apresentar aos amantes do tiro uma atualização de conhecimentos com a quebra de paradigma quanto aos conceitos ora empregados de incapacitação imediata, também conhecido como “Poder de Parada” (Stopping Power), sobre calibres de armas curtas e submetralhadoras. O estudo baseia-se na Balística Terminal e enfatiza os benefícios da utilização do calibre 9 x 19 mm (Luger) na temática do confronto armado frente ao atual calibre 10 x 22 (.40 S&W), adotado pela maioria das Polícias Civil e Militar do Brasil, além de desmitificar a cavidade temporária com o foco de incapacitação nas condições físicas e psicológicas de quem recebe o disparo.

Palavras-chave: Armas. Poder de Parada. Calibre. 9mm Luger. .40 S&W. Balística.

1 INTRODUÇÃO

A busca por um projétil que incapacite o oponente não é um conceito novo e remonta a Guerra do Ópio em suas sangrentas batalhas, época em que as munições à base de pólvora negra dominaram o teatro de operações até o final do Século XlX, no que tange a temática de combate armado. Todavia, o termo com esse nome ganhou força ao final daquele século e é empregado às circunstâncias de incapacitação imediata de quem recebe o disparo.
De acordo com João Bosco Silvino Jr., o termo “poder de parada”, do inglês “stopping power” é empregado desde o final do século XIX para se referir à incapacitação decorrente do ferimento de tiro. (SILVINO JR, 2018).

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*Alexandre Guimarães, 40 é 2º Sgt da PMESP, com formação superior nas Áreas de Segurança Pública, bacharel em Sistemas da Informação pela UNIESP, pós graduado em Análise e Projeto de Sistemas pela Faculdade Unyleya do Rio de Janeiro e pós graduando em Direito Constitucional pela Universidade de São Caetano (USCS), Instrutor de Armamento e Tiro pelo CTT CBC, além de cursos correlatos nas áreas do Tiro e Influenciador Digital. E-mail: [email protected]

Especialistas mundialmente conhecidos e renomados como o Coronel U.S Army Dr. Martin L. Fackler, o Agente do FBI Urey W. Patrick, o Patologista Forense Vincent Di Maio, dentre outros, debruçaram-se sobre esse tema e mudaram completamente a percepção de realidade até então conhecida sobre os efeitos dos projéteis no corpo humano desmitificando o poder de parada. Essas são as maiores autoridades no assunto e os que mais influenciaram e influenciam forças policiais e armadas do mundo todo nas questões envolvendo a Balística de Ferimentos e por meio de seus estudos, contribuíram para a efetividade da ação policial e a preservação de vidas, tanto de agentes da lei, quanto dos atores da sociedade.

No decorrer deste artigo será demonstrado os benefícios da utilização do calibre 9 x 19mm Luger/Parabellum frente ao .40 S&W para atividade policial e defesa pessoal.

Para este artigo em particular, as referências quanto à nomenclatura do calibre 9 x 19mm Luger/Parabellum serão feitas somente pelo nome de 9 mm Luger, por questão de organização, padronização e melhor entendimento, de modo a evitar qualquer tipo de confusão, pois universalmente, trata-se do mesmo calibre, conforme Cordeiro, “Parabellum¹ é, também, a denominação dada à pistola e munição Luger. Deriva do endereço telegráfico da fábrica alemã DWM (Deutsche Waffen und Munitions Fabrik). O vocábulo tem origem latina: “si vis pacempara bellum” Se desejas paz, prepare-se para guerra.” (CORDEIRO, 2014).

Com o surgimento da pólvora sem fumaça (nitrocelulose) e posteriormente, os de armas mais fortes e compactas, foram aperfeiçoados os estudos de particularidades sobre balística até então desconhecidas. Essa “ineficiência” do calibre 38 Long Colt foi notada pelo exército Norte Americano nos campos de batalha, na Guerra das Filipinas, razão pela qual os soldados filipinos eram resistentes àquele calibre nos combates. Outro fato similar ocorrera nas batalhas do Império Colonial Britânico sobre a Índia, onde os nativos indianos enfrentavam arduamente os ingleses, mesmo sendo atingidos várias vezes por projéteis na província de Dum-dum, cidade que deu origem ao nome daquela munição. Em virtude da referida munição (Dum-dum) surgiram estudos de projéteis “hollow point” (ponta oca) com maior retenção de massa, ou seja, a manutenção do projétil em sua totalidade sem que ele seja desfeito (fragmentado). Isso mantém a concentração de energia do projétil em relação ao alvo atingido, no caso, o corpo humano.

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1 CORDEIRO, Hugo. Saiba Tudo sobre Calibres. Instrutor de Tiro, 2014.

A comissão era composta por dois capitães (oficiais) do exército, os quais realizaram variados testes com disparos de armas de fogo em animais vivos, com o objetivo de aferir a efetiva incapacitação daqueles animais. Os resultados obtidos foram de que; projéteis de grande diâmetro, massa maior e com velocidade relativamente reduzida em comparação com outros projéteis de menor massa e mais rápidos, obtiveram conclusões mais favoráveis à incapacitação. Também fora utilizada uma metodologia de testes com disparos em bovinos vivos para averiguar a incapacitação, além da utilização de cadáveres humanos, na qual se aferia a fratura de ossos e sua oscilação pela transferência de energia. Vale ressaltar que não havia à época munições de ponta oca e as utilizadas eram de chumbo puro ou cobre em formato ogival. Por fim, padronizou-se o calibre .45 ACP 230 grains como o mais eficaz para o exército americano. O nome dado a essa comissão foi de Thompson & La Garde, nome dos oficiais que elaboraram o estudo. Um dado relativamente importante dessa comissão foi o tempo de ação do calibre no momento em que o corpo era atingido.

Anos mais tarde em 1930, o coronel Chalberlin2 fez uma série de testes com cabras vivas os quais foram realizados com armas longas e cada cabra era submetida a um disparo de arma de fogo. Como os animais foram sedados, a questão de incapacitação fora descartada.

O estudo de Chalberlin trouxe resultados importantes para Balística de Ferimentos como os que seguem:

1.1  Estudos de Chalberlin

A lesão causada pelo projétil se amplia no obstante em que este não se mantém reto em sua trajetória e gira em contato com o alvo a cavidade permanente aumenta;

  1. Os ossos fragmentados causariam danos como se fossem pequenos projéteis secundários;
  2. Outro fator importante desse estudo é o de que o líquido deslocado entre os tecidos resultariam em danos para qualquer direção, além daquela feita pelo projétil.

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2 CABRAL, Antônio Benício de Castro e JÚNIOR, Benedito Pereira da Silva. CALIBRE .40 S&W Uma abordagem técnica. 2009. Disponível em: http://fenris1981.blogspot.com/2009/09/calibre-.40-s.html?zx=84975b8f00a15fb1. Acesso em: 17 mai. 2019.

2   A IMPORTÂNCIA EM SE ESTUDAR O ASSUNTO

O estudo do tema, torna-se imprescindível para o conceito adequado de determinado calibre, o qual possa ocasionar o resultado morte por disparo (s) de arma de fogo. E parte do princípio de que o objetivo do tiro policial seja o de neutralizar o agressor, enquanto houver o confronto armado e isso, no menor intervalo de tempo possível. O aspecto primordial, dá-se pela preservação da vida do agente público e ou de terceiros inocentes dentro do teatro de operações, os quais não devem morrer ou serem feridos em combate. O resultado morte do agressor não deve gerar consequências, caso a ação seja feita dentro dos princípios da legalidade. Esses parâmetros devem ser balizados por estudos que permitam a tomada das melhores decisões pelo judiciário e o legislativo, após o confronto e para as forças de segurança, antes mesmo que o confronto ocorra, de modo a quebrar paradigmas e permear a cultura judiciária, social e da mídia.

Cabe salientar que o estudo apresentado aqui faz referência ao procedimento no momento do emprego da arma de fogo e não anterior a ele, ou seja, a situação onde o confronto armado já se tornou inevitável.

2.2  EVAN MARSHALL E EDWIN SANOW

No início da Década de 1990, os policias Evan Marshall e Edwin Sanow elaboraram um estudo de balística com intuito de compreender as questões do comportamento de projéteis em um corpo humano. É importante destacar que o “Stopping Power“, segundo qualquer profissional sério das áreas policiais e, em particular, peritos criminais é algo inexistente, um mito, uma ilusão, puro folclore e por isso, esse pensamento deve ser extinto de nosso meio.

O "Poder de Parada" é uma ilusão. É importante começar um livro sobre o poder de parada de armas portáteis com isso em mente. Não existem projéteis mágicos. Não existem calibres 'paradores de homens'. Não existe essa coisa de poder de parada com um tiro. (MARSHALL & SANOW, 1992)

Esse conceito do mito do “poder de parada”, como vemos não é algo novo e remonta a década de 1980, mas por algum motivo, ainda permeia o imaginário policial e está contido em alguns manuais de Polícias no Brasil. Este artigo, propõe-se a mudar essa realidade.

2.3  OS ESTUDOS DE FACKLER

Não há como falar em Balística Terminal sem citar o nome do Coronel Martin L. Fackler, médico legista que trabalhou tanto na Marinha de Guerra dos EUA, quanto no Exército americano. É reconhecido mundialmente como a grande autoridade no assunto, bem como considerado o pai da Balística Terminal Moderna3. Também é o criador da gelatina balística e estudou balística de ferimentos por mais de 9 anos.

Tem em seu currículo milhares de autópsias, vários artigos publicados4, literaturas e documentários que são utilizados como parâmetros por todas as forças armadas americanas e diversas forças armadas e policiais do mundo inteiro.

Graças aos seus estudos, muitos paradigmas foram quebrados e o conceito de “stopping power”, ora utilizado, caiu por terra definitivamente. Fackler afirma em seus estudos que a relação entre o “poder de parada” e a munição está diretamente vinculada à biologia de quem recebe o disparo e não ao calibre em si, além do seu estado emocional e não pela energia cinética liberada pelo projétil traduzida em cavidade temporária (cavitação), no momento do impacto.

A cavitação nada mais é do que um deslocamento transitório do tecido, um estiramento, um "trauma contuso". Não é de surpreender que os tecidos elásticos parede intestinal, pulmão e músculos são relativamente resistentes a serem danificados por esse trecho, enquanto órgãos sólidos como o fígado, não o são. (FACKLER, 1987)

Por uma questão lógica, não havendo “stopping power” não há calibre que mata mais. Portanto, o paradigma na escolha de um calibre deve ser outro que não o “poder de parada”, o qual será explicitado neste artigo mais adiante.

A gelatina balística, ao contrário do que muitos imaginam, foi concebida no intuito de ser um poderoso instrumento de comparação entre diferentes tipos de munições. Porém, sem o objetivo de observar os seus efeitos físicos e biológicos resultantes de disparos em um corpo humano, pois o corpo humano que é um organismo vivo tem características bastantes peculiares e um disparo, em um objeto orgânico, com ossos, gordura, músculos e psique, terá resultados diferentes, inclusive com variações de seres humanos para seres humanos.

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3 PARKS, W. Hays. Father of Modern Wound Ballistics Features, History. V9N3, Volume 9, 2017.

4 FACKLER, Martin L. Whats Wrong With the Wound Ballistics Literature. 1987.

De modo que ao efetuar disparos em gelatina balística, plastilina (massa de modelar), sabão, frutas e outros objetos podem até “saltar aos olhos” e impressionar a mente, contudo não servem de parâmetro para efeitos em um corpo humano pelas razões explicitadas acima. Um corpo humano não sai voando ao receber um disparo, vide a Lei de Newton. Todavia, por mais óbvio que essa afirmação possa parecer, há pessoas que creem que um corpo humano possa ser arremessado ou explodir ao receber um disparo de arma de fogo. Isso é impossível de acordo com as leis da gravidade e pela massa comparada entre o peso do calibre versus o corpo atingido, além do que o seu organismo ao receber o impacto, absorve em parte ou no todo a energia cinética por ele liberada. Essa energia é em grande parte distribuída entre os tecidos, fibras musculares, órgãos internos e poderá ser transformada em outras energias como som, calor etc.

Silvino Jr., afirma: “Quando um projétil atinge um corpo, transfere parte da sua energia cinética que pode ser convertida em deformações no projétil e parte da energia é transferida para o corpo como deformações, som, calor e/ou energia cinética.” (SILVINO JR., 2018)

Por esta razão, torna-se essencial estudar o tema, incluí-lo na grade curricular do M-19-PM (Polícia Militar Paulista), ampliando a carga horária (vide N.º de Ordem 6) sobre a disciplina Balística para um mínimo de 16h, o que ainda é pouco, porém o policial terá uma real noção de Balística Interna, Balística Externa, Intermediária e Terminal com ênfase em Balística de Ferimentos. Um assunto tão relevante deve ter uma atenção a altura da maior instituição policial do país, quase duo centenária.

3  DA INCAPACITAÇÃO IMEDIATA E CONCEITOS BALÍSTICOS

Diante do cenário balístico, ora aqui apresentado, há que se pôr em destaque o da incapacitação imediata (stopping power), ponto nevrálgico deste estudo.

A incapacitação imediata real (física) só é possível dentro de um confronto armado com pelo menos um disparo efetivo no sistema nervoso central (SNC) e ou na medula cervical. Em ambos os casos, o baleado cessaria a agressão imediatamente.

“O termo “poder de parada”, do inglês “stopping power” é empregado desde o final do século XIX para se referir à incapacitação decorrente do ferimento de tiro, entretanto atualmente não é um conceito tecnicamente adequado porque, como visto antes, não é o impacto do tiro responsável por impedir o avanço da vítima e sim a região do corpo atingida (tronco cerebral) e/ou a quantidade de sangue perdida pela vítima.” (Silvino Jr., 2018)

Porém, observa-se que antes de se falar em incapacitação imediata é importante destacar 4 (quatro) parâmetros básicos dentro da Balística Terminal, os quais são:

3.1  Penetração

Para um melhor resultado balístico, um projétil deve penetrar5 o suficiente dentro do corpo humano, de maneira que atinja seus órgãos vitais e isso inclui artérias importantes, de maneira que o ferimento do (s) órgão (s) lesado (s) possa (m) provocar uma rápida hemorragia, choque hipovolêmico etc.

Especialistas sérios, inclusive com experiência em avaliação de ferimentos à bala creem que um bom disparo deve possuir uma penetração entre 12 a 18 polegadas6, a variar com a compreensão física, tamanho e ângulo da trajetória do projétil ao perfurar o corpo afetado. A penetração bem como a cavidade permanente são os principais fatores de incapacitação, dentro da Balística Terminal.

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5 PATRICK, Urey W. Handgun Wounding Factors and Effectiveness. Firearms Training Unit, Ballistic Research Facility, 1989.

6 JASON, Alexander and FACKLER, Martin L., Documentário Deadly Effects: Wound Ballistics "What Bullets Do to Bodies." Anite Productions, 1987.

3.2  Cavidade Permanente

A cavidade permanente concretizada após o impacto e consequentemente a trajetória do projétil permitirá mensurar a expansão dos danos, os quais serão determinados pelo diâmetro dessa cavidade produzida pelo disparo, ou seja, o quanto a porção de tecido fora destruída de modo permanente. Diante da expansão e distância da perfuração será possível obter o resultado total da cavidade permanente. Outro fato importante é que não se pode reconhecer qual o tipo de calibre causador do ferimento avaliado no percurso de um ferimento à bala, em uma autopsia ou durante uma cirurgia, pois o médico cirurgião ou legista não consegue distinguir as diferenças entre ferimentos ocasionados por calibres que variam entre 0.35 a 0.45 polegadas, ou seja, o ferido poderá ter sido atingido por uma .380 ACP e ou .45 ACP que não seria possível fazer essa distinção sem o projétil no corpo do indivíduo.

3.3  Cavidade Temporária

A cavidade temporária ocorre com o afastamento temporário de tecidos em um intervalo de tempo muito curto que varia em média 0,019 m/s. Posterior a passagem do projétil, o tecido retorna a sua posição inicial até a cavidade permanente. Para que a cavidade temporária possa lesionar o projétil deve ter contato com o tecido humano a uma velocidade superior aos 610 M/S ou 2000 FPS, o que só será possível em armas de alta energia como fuzis, por exemplo. Mesmo em tecidos mais elásticos, os disparos de alta energia podem ocasionar a ruptura deles. “Podem”.

Para a cavidade temporária da maioria dos projéteis ter um efeito sobre o ferimento, sua velocidade deve exceder cerca de 2000 fps. Nas velocidades mais baixas, a cavidade temporária não é produzida com velocidade suficiente para ter qualquer efeito no ferimento; portanto, qualquer diferença na cavidade temporária observada entre os calibres de arma curta é irrelevante. “A fim de provocar ferimentos significativos a uma estrutura, uma munição de arma curta deve atingir a estrutura diretamente.”  (DI MAIO, 1987, p. 42)

3.4  Fragmentação

A definição que certamente mais se adequa a fragmentação em balística de ferimentos é a de pedaços secundários de projéteis e ou de fragmentos ósseos, os quais são impelidos para além da cavidade permanente, de modo a separar os tecidos musculares, vasos sanguíneos, etc. A Fragmentação “poderá” ser fator primordial, caso os fragmentos atinjam efetivamente as áreas da medula cervical ou o sistema nervoso central, lesionando-as significativamente.

A fragmentação não ocorre com certeza em ferimentos leves por arma devido às baixas velocidades das munições das armas curtas. Quando a fragmentação ocorre, os fragmentos são encontrados geralmente no limite de um centímetro (0.39“) da cavidade permanente, pois a maioria das munições policiais modernas premium, agora comumente utilizam revestimento de cobre, a probabilidade de fragmentação é muito baixa. Por estas razões, os efeitos secundários ferindo a qualquer arma de fragmentação bala calibre são consideradas irrelevantes6. (FACKLER, 1989)

De acordo com Fackler nenhum desses fatores é determinante para incapacitação imediata (Stopping Power), exceto um disparo direto na região encefálica que atinja o Sistema Nervoso Central ou a coluna cervical, nos demais casos o fator psicológico e a compleição física de quem é atingido são os fatores determinantes.

Diante do cenário tão complexo, na temática do combate armado, há que se considerar dois dados importantíssimos:

  1. Biológico;
  2. Psicológico.

Dentro do aspecto biológico há pessoas com estrutura óssea diferente, órgãos diferentes, massa corporal diferente, com mais ou menos gordura, com mais ou menos músculos etc. De igual modo, o estado emocional também deve ser levado em consideração, sendo esse determinante em muitos casos, pois varia de indivíduo para indivíduo, sendo que, há seres humanos mais determinados e outros nem tanto. Cada indivíduo é único e desse modo, os efeitos de um ou mais disparos de arma de fogo que o acertem, tendem a apresentar resultados diferentes e pormenorizados, peculiares a cada um. Por isso, crer que somente um disparo poderá deter um indivíduo é um mito a ser quebrado.

Dessa maneira, essa construção da ideia de "Poder de Parada", do calibre/projétil ideal, de alguma forma domina o imaginário das pessoas e dissemina-se em todos os âmbitos da sociedade, pois os integrantes do "ciclo leigo" acreditam que uma pessoal atingida por um tiro será imediatamente incapacitada. (LEANDRO, 2016).

Há pessoas de diferentes tipos, com compleições físicas distintas e isso pode influenciar em um teatro de operações, onde indivíduos que recebam disparos teriam vantagem física e psicológica em relação a outros indivíduos. Pessoas mais fortes física e emocionalmente determinadas, levariam vantagem em relação a outras, fisicamente mais fracas e menos determinadas. Outros fatores a serem levados em consideração são as questões que envolveriam a utilização de substâncias entorpecentes, alucinógenas, estimulantes etc.

O dado primordial dentro dessa lógica é o estado psicológico que eleva ou não a sobrevida em um confronto armado e até são determinantes para que em casos extremos, seja decisivo, o fator vida ou morte, dentro da temática do combate com uso de armas de fogo.

Embora há numerosos casos em que um indivíduo recebeu uma ferimento mortal e continuou a atirar, também existem numerosos casos em que o indivíduo entrou em colapso imediatamente, após receber um disparo não-letal, mesmo sendo menor a ferida. Nestes casos, a rápida incapacitação se deve a problemas psicológicos e reações fisiológicas ao trauma, específicas da vítima e não da natureza das feridas. (DI MAIO, 1999, p. 395)

Não se deve contar com efeitos psicológicos de quem fora baleado em um confronto armado, pois esse indivíduo poderá estar determinado e ou ainda, sob o efeito de substâncias que o levem a agir perseverantemente. Os efeitos da dor podem ser amenizados pelo instinto de sobrevivência, raiva incontrolada e por substâncias entorpecentes ou alcoólicas, de modo a ignorar a dor. Aqueles que param, geralmente fazem isso, porque literalmente, desistem do combate e não pelo fato de terem sido lesionados em confronto. Exceto se o disparo foi efetivo no SNC ou na coluna cervical, conforme já mencionado. Há também, o fator de oxigênio e sangue irrigando as artérias cerebrais, isso permite que o individuo atingido, ainda possa conscientemente efetuar disparos contra policiais e ou civis em um confronto armado até que cesse completamente essa demanda de oxigênio para o cérebro.

Como o cérebro pode funcionar por 10 a 15 segundos sem oxigênio, mesmo que todo o sangue seja cortado pela ferida, o indivíduo pode trabalhar nesse período de tempo. Caso a lesão não interrompa o fluxo de sangue para o cérebro completamente, um indivíduo será capaz de atividade normal até perder aproximadamente 25% do seu volume total de sangue. A quantidade de tempo necessária para que isso aconteça pode variar de alguns segundos (mais os 10 a 15 segundos de reserva de oxigênio do cérebro), a minutos, a horas, dependendo das estruturas mecanismos compensatórios do corpo lesionados e tentativas de estancar a sangramento pela vítima. (DI MAIO, 1999, p. 395).

A observar um caso concreto, de que, o poder de parada é um mito, segue abaixo um fato ocorrido nos Estados Unidos e registrado em arquivo do Federal Bureau Investigation (FBI)7, envolvendo três policiais do Departamento de Polícia da Pennsylvania e um criminoso de 18 anos.

O delinquente portava uma pistola Colt 1911, em calibre .45 ACP, com apenas um carregador e uma caixa em seu bolso contendo 50 (cinquenta) cartuchos do mesmo calibre. Esse criminoso efetuou 7 (sete) disparos com sua arma, parou para remuniciá-la manualmente, ou seja, munição por munição em um total de 26 (vinte e seis). E diante desse fato, estava a uma distância de aproximadamente 20 pés (7,3 m), ele recebeu 22 (vinte e dois) disparos, sendo 6 (seis) tiros de calibre .40 S&W, os quais foram disparados por pistolas Glock 22, com munição Speer 180 grains, Gold Dot Hollow Points; 1 (um) tiro acertou o braço fraturando o úmero e 5 (cinco) acertaram o abdômen e tórax; os demais 16 (dezesseis) no total, foram disparados de calibre .223 Rem, por um fuzil M4 com 14,5″ de cano e com munição Hornady Tap 55 gr ballistic tip e Hornady Tap 72 gr. Hollow Points. Desses, 13 (treze) disparos atravessaram o corpo. Após cair, depois de um disparo de .223 REM no tornozelo, o qual foi, em parte dilacerado, o criminoso continuara a atirar e posteriormente fora abatido por um dos policiais com uma M4.

Figura 1 – autopsia pé esquerdo

Fonte: Defensive Carry US-PA.

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7 Defensive Systems Unit. Ballistic Research Facility. FBI Academy, 2014.

Na figura 1 foi possível verificar a dilaceração de parte do pé esquerdo, do Assassino Ativo. Esse disparo fora decisivo na imobilização do criminoso, o qual ainda lutou para não ser algemado, tendo sua morte ocorrida no hospital.

Cabe ressaltar que o criminoso vestia uma camiseta comum e por sobre ela, uma jaqueta, abaixo uma imagem do corpo com parte dos ferimentos.

A conclusão do laudo médico fora de que, nenhum dos disparos de calibre .40 S&W foram considerados letais. Ele fora incapacitado pelos disparos de .223 REM, os 3 que ficaram no corpo, tendo um acertado sua costela e a esfacelada.

Figura 2 – autopsia corpo lado direito
Fonte: Defensive Carry US-PA.

O outro disparo que atingiu a sua veia aorta e um terceiro no pulmão. O exame médico atestou que os disparos de 223 REM causaram um dano interno massivo. Também fora encontrado em seu organismo, pequeno vestígio de maconha.

As munições de .40 S&W se expandiram com menos de 1 (uma) polegada de penetração e pararam. O FBI considerou que a munição de .40 S&W fizera exatamente aquilo para que fora proposta, ou seja, não atravessar o corpo. E considerou que as munições do calibre .223 REM não fizera o que deveria, não transpassar o alvo. No total, foram efetuados mais de 100 (cem) disparos pelos policiais.

A figura 3, abaixo demostra de modo mais claro a entrada dos projéteis e a extensão dos ferimentos do lado direito membro inferior.

Figura 3 – Autopsia tronco lateral
Fonte: Defensive Carry US-PA.

Um exemplo prático e laboral de que disparos em meio biológico, nem sempre incapacitarão imediatamente, seja qualquer calibre de armas curtas e até mesmo longas como foi o caso.Observe que um dos disparos fraturou o úmero direito, conforme demonstrado na figura abaixo.

Figura 4 – autopsia úmero direito
Fonte: Defensive Carry US-PA.

4 BALÍSTICA TERMINAL E OU DE FERIMENTOS

Dentro do espectro da Balística Terminal considera-se desprezível os efeitos da cavidade temporária causados por disparos efetuados por armas curtas (pistolas e revólveres), pois seus efeitos se equivalem ao afastamento de tecidos, fruto da energia cinética resultante da força e velocidade do projétil. Dessa forma, não se torna capaz de produzir lesões em tecidos elásticos do corpo humano.

Se a cavidade temporária for produzida para passar a cavidade elástica do tecido, será capaz de produzir lesões em decorrência do estiramento provocado. Este efeito é percebido em projéteis de calibres de alta energia, como os de fuzis, mas não pelos calibres comuns de armas curtas. (DI MAIO, 2016).

Observa-se no meio social, no ciclo leigo, na imprensa e por mais incrível que possa parecer, até mesmo no meio policial, a fala de que os calibres de armas curtas seriam capazes de causar lesões significativas pela sua cavidade temporária, mesmo em alguns casos se comparados a outros calibres de maior energia. Exemplo: um calibre .380 ACP comparado ao calibre .40 S&W, onde a cavidade temporária causada pelo calibre .40, deveria causar uma lesão maior e mais efetiva no corpo humano, com relação ao calibre .380 de menor energia. Para que isso, fosse verdade, seria necessário que um dos dois calibres tivesse alta energia com velocidade superior a 610 m/s, o que não é o caso de praticamente nenhum calibre de arma curta. Desse modo, os efeitos produzidos pela cavidade temporária são nulos segundo Di Maio.

Para que a cavidade temporária de um projétil seja capaz de produzir um efeito lesivo, a velocidade do projétil precisa exceder os 2000 pés por segundo (610 m/s). Em velocidades menores, desenvolvidas por armas curtas, a cavidade temporária possui velocidade suficiente para produzir nenhum efeito lesivo, portanto qualquer diferença de cavidade temporária produzida por calibres de armas curtas é irrelevante. (DI MAIO, 2016).

Ainda por esse prisma há que se destacar que nenhuma morte por disparo de um calibre “X” de arma de fogo não teria o mesmo resultado, caso fosse disparado por um calibre “Y” em iguais condições. Isso quer dizer, caso um policial em um confronto armado alvejasse um indivíduo com uma pistola calibre .40 S&W e esse criminoso viesse a falecer, não há absolutamente nenhum dado cientificamente comprovado de que, acaso o policial, em tela tivesse efetuado em iguais condições o mesmo disparo com um calibre 9mm ou um calibre .45 ACP, por exemplo, o resultado morte não teria ocorrido.

Segundo Di Maio "parar" um indivíduo depende não apenas das características de um cartucho, mas também do (s) órgão (s) feridos, a gravidade da (s) ferida (s) e a composição fisiológica da pessoa que é baleada. (DI MAIO, 1999. p. 392).

A Lei da Física também contribui, e muito em um teatro de operações, tendo em vista que, um corpo humano médio tem massa de 70Kg e um projétil de .40 S&W tem aproximadamente 11g. Diante do exposto é claramente impossível que um ou mais disparos possam movimentar o corpo, baseado nas Leis da Física. Isso é tão trivial que é aprendido nas aulas de ciência da quinta série com a lei de Newton, a Lei da Gravidade, Inércia etc. A proporção de massa do corpo humano é muito superior a de um projétil, como se pode observar, o peso do corpo humano frente a um projétil de apenas 11 gramas. Então fica claro que não há como um disparo de armas curtas (porte) e mesmo longas (portáteis) de projetar uma pessoa, em razão da sua massa corporal e ações da gravidade.

E ainda, nessa comparação, os dados obtidos com um disparo direto e no corpo humano com resultado morte seria exatamente a de que a morte ocorreria independentemente do calibre utilizado segundo DI MAIO.

Caso a bala causar um dano vital na área do cérebro, tronco cerebral ou medula espinhal cervical. Porém, qualquer munição, independentemente do estilo ou calibre, que venha a ferir esses órgãos causará incapacitação instantânea. (DI MAIO, 1999, p. 394.)

4.1  BREVE COMPARATIVO ENTRE A BALÍSTICA EXTERNA E TERMINAL

A principal divergência no conceito de “stopping power” tem como base os efeitos do projétil não no corpo humano, mas sim em seu comportamento na gelatina balística ou na plastilina, conforme mencionado, neste mesmo artigo (vide Chalberlin), o estudo mais próximo já realizado foi em cabras, entretanto esses resultados não deram subsídio adequado para se afirmar os mesmos resultados em um corpo humano. No item 7, deste artigo este assunto será abordado com maior dinâmica e profundidade, o qual consolidará o entendimento das diferenças entre ambas as balísticas.

Segundo Di Maio a relação direta da incapacitação, refere-se ao objeto lesado, no caso, o foco está no indivíduo que é ferido e não na munição propriamente dita.

É a natureza da estrutura lesada, não a natureza da estrutura da bala, que causa a incapacidade. Além de áreas no sistema nervoso central. Embora uma bala possa produzir uma rápida incapacitação, não há garantias de que produzirá incapacitação instantânea. Isso ocorre porque nessas outras áreas a incapacitação é produzida indiretamente, privando o cérebro de sangue e oxigênio. (DI MAIO, 1999, p. 395).

Isso deixa claro que não há como afirmar, que tal munição, mata mais ou menos do que a outra, pois para tal afirmação, seria necessário, o ambiente e material laboral adequado e cito uma variedade de munições e calibres com a utilização de seres humanos vivos com diferentes biótipos e em quantidade razoável, além de igual proporção para tal experimento, ou seja, colocá-los em um teatro de operações e baleá-los um a um com diferentes munições de diferentes tipos de calibres para se ter uma noção aproximada de seus reais efeitos em um corpo humano. Algo que é impossível de ser feito por questões óbvias.

No que tange a atividade policial e o emprego de arma de fogo, seja no teatro de operações, seja em treinamento é fundamental que sejam observadas comparações entre ambos os calibres e suas vantagens e desvantagens nessa atividade tendo como base o Tiro Defensivo na Preservação da Vida Método Giraldi. Nos capítulos que seguem poderá ser observado os motivos que ensejaram a criação do tão “aclamado” calibre .40S&W, bem como o retorno as pistolas em calibre 9 x 19 mm Luger da própria instituição que dera origem a ele. O FBI, assim como outras instituições policias do mundo estão se rendendo aos aspectos técnicos e altamente positivos, os quais são oferecidos pelo calibre 9 mm Luger. Além de contar com excelente razão custo-benefício. E as Polícias da República Federativa do Brasil devem observar esse fato.

5 O TIROTEIO DE MIAMI E O SURGIMENTO DO CALIBRE 10 X 22 (.40 S&W)

O calibre .40 S&W nasceu de um evento que marcou a Polícia Federal norte americana, em 11 de Abril de 1986, no Condado de Miami Dade no sul da Flórida, um tiroteio entre 8 (oito) agentes do FBI e 2 (dois) criminosos. Aquele episódio, o qual ficou conhecido como o maior tiroteio da História à época, com mais de 150 disparos culminou com a morte dos 2 (dois) criminosos, mas também ceifou a vida de 2 (dois) agentes, além de mais 5 (cinco) policias feridos. A partir desse fatídico episódio, o FBI passou a procurar um calibre com maior poder de incapacitação que substituísse os 9 x 19 mm utilizados, tanto que na época foram testados vários outros calibres, dentre eles o .357 Magnum e o 10 x 25 mm (10 mm Auto). Porém, os resultados obtidos não foram satisfatórios para o serviço policial, por uma série de fatores, tais como:

    1. Os calibres ora apresentados eram muito fortes;
    2. A taxa de assertividade decaia muito em relação ao calibre utilizado;
    3. A quantidade de munições quando comparados ao 9mm Luger.

Após mais pesquisas e estudos, optou-se por recortar o calibre 10 x 25 mm e criar o 10 x 22 mm, o qual fora batizado de .40 S&W ou simplesmente 10 mm curto.

Com a criação do calibre 40, o FBI acreditava em seu poder de incapacitação imediata, termo que deu origem ao nome “Stopping Power” ou poder de parada, cujo conceito é que com apenas um único disparo assertivo, oponente saia imediatamente de combate.

Esse conceito foi adotado por várias indústrias bélicas fabricantes de munição e perdurou durante longos anos e ainda hoje é comum ouvir inclusive no meio policial, o conceito equivocado de “stopping power”, bem como ensinado em cursos preparatórios. Contudo, paralelo a esses estudos conforme mencionado no capítulo anterior Dr. Fackler desmitifica o tema e deixa claro que as relações de incapacitação imediata estão relacionadas diretamente a conduta do agente recebedor do disparo, sobretudo a sua higidez psicológica e biologia. Posteriormente verificou-se que dentre a grande quantidade de disparos efetuados menos de 20% foram assertivos, boa parte em áreas vitais. E que a atribuição do calibre ao desastre ocorrido era um conceito equivocado, sendo a determinação dos criminosos a maior responsável pela extensão do combate e não os calibres. O que anos mais tarde, mais precisamente em 2015, o FBI8 retornara ao calibre 9mm Luger para suas armas curtas operacionais e propusera as demais agências policiais norte americanas que fizessem o mesmo.

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8 NEFF, Thomas Gibbons, and GOLDMAN, Adam. FBI returns to 9mm rounds, once shunned as ineffective. Washington Post, 2015.

6 CRITÉRIOS PARA ESCOLHA DE CALIBRES DE USO POLICIAL

Então, eis que surge o ponto nevrálgico na escolha de um calibre adequado para defesa e seu uso policial (armas curtas e submetralhadoras). O critério de escolha deve ser outro que não o de “Incapacitação Imediata” (Stopping Power), pois como mencionado, esse é um conceito defasado há anos e comprovadamente equivocado, conforme Di Maio “É a natureza da estrutura lesada, não a natureza da estrutura da bala, que causa a incapacidade. Além de áreas no sistema nervoso central.” (DI MAIO, 1999).

Segundo o protocolo do FBI9 as razões na escolha de um calibre para emprego policial devem se estabelecer em critérios objetivos como:

    1. Efetividade: Capacidade de neutralizar uma ameaça;
    2. Capacidade: Quantidade de munições suficientes;
    3. Controle de disparo: Manutenção da trajetória do cano e consequentemente do projétil;
    4. Recuperação: Disponibilidade em retornar com maior rapidez ao controle de disparo;
    5. Custo benefício: Razão entre o menor valor e o melhor resultado.

Em praticamente todos esses critérios, o calibre 9 mm Luger ganha do calibre .40 S&W ou chega a valores muito próximos, como será demonstrado a seguir. Após, notadamente desgastes em suas armas no calibre .40 S&W e dentro desse paradigma, observa-se o estudo do FBI, que optou pela retomada do calibre 9 mm Luger em suas armas. E o fez, por questões fundamentadas em fortes parâmetros científicos. Como foi lido, as discussões sobre calibres existem há anos, décadas, um século, sendo boa parte desses debates equivocados, inclusive por profissionais de polícia no que compete a Balística de Ferimentos. Cabe aqui salientar que o substantivo “bala” é um termo adequado ao se referir as munições de uma arma de fogo, pois faz menção exatamente ao termo projétil, conforme especificado no dicionário Houaiss, “qualquer projétil, ger. metálico, de forma esférica ou cilíndrica e cabeça ogival, próprio para ser disparado por uma arma de fogo.” (HOUAISS, 2009, p. 245).

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9 FBI Training Division. FBI Academy, Quantico, VA, 2014.

É sabido que os projéteis no uso policial são a última alternativa no uso flexibilizado da força, de modo que, ao serem utilizados devem ser a raiz de sustentação para melhor desempenho para o qual se propõe.

No caso, o melhor calibre proposto para atividade policial. A incapacitação imediata é um mito, um folclore e portanto, deve ser extinto do meio policial, onde se espera de seus profissionais, conhecimento razoável sobre um tema deveras trivial, básico. Tão simples quanto a lei da gravidade é para o físico, o mito do stopping power deve ser para o profissional de Segurança Pública.

Um quesito importante para escolha do calibre é a sua capacidade de penetração em um alvo humano, aferida por uma gelatina balística em torno de 12″ a 18″, segundo protocolo do FBI10.

No Brasil, os dados sobre a quantidade de disparos perdidos em ação policial é desconhecido, todavia, nos EUA está em torno de (70 a 80%)11, O policial perde entre 70-80 por cento dos tiros disparados durante um tiroteio, ou seja, a cada 10 disparos efetuados, somente 3 ou menos acertam o alvo.

Projéteis tem ampliado sua eficiência em termos balísticos, em particular os 9 mm Luger comparados a calibres maiores como o .40 S&W e o .45 ACP. De modo que, o calibre 9 x 19 mm comparados em armamentos similares ou iguais comportam maior quantidade de munições em seus carregadores, tem menor recuo, menor manutenção, maior estabilidade, maior confiabilidade, melhor recuperação, melhor custo benefício, notadamente menores problemas, maior confiabilidade etc.

Outro dado que também merece destaque em relação ao calibre 9 mm Luger frente ao .40 S&W é o fato de seu projétil (bala) ter formato cônico, o que permite melhor acomodação na câmara de disparo e diminui panes de alimentação, propiciando ainda um bom desempenho aerodinâmico em movimento de rotação na balística externa.

Em termos de perfuração são quase imperceptíveis as diferenças com calibres maiores como o .40 S&W e mesmo o .45 ACP. No teatro de operações, isso pode significar a vida e a morte, tendo em vista a assertividade nos confrontos armados, sem a desvantagem nos resultados comparados aos calibres em voga na PMESP e outras polícias do Brasil.

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10 Freedom Of Information Act (FOIA) FBI 9mm Justification, 2014.

11 FBI Training Division. FBI Academy, Quantico, VA, 2014.

7   COMPARATIVO ENTRE OS CALIBRES 9 MM LUGER E .40 S&W

Para efeito de estudo de calibres distintos, faz-se necessário utilizar munições de modelos similares, o que permite maior fidelidade nos resultados comparativos. Para esse evento vamos utilizar 7 (sete) tipos de munição do calibre 9 mm Luger e 9 (nove) tipos de munição do calibre .40 S&W.

Observe agora uma comparação balística entre os calibres 9 mm Luger e o .40 S&W em velocidade e energia na boca do cano com provete de 4 polegadas:

Tabela 2 – Comparativo Balístico
Fonte: Revista Magnum, Ed. 131, 2017.

Como se pode notar, tanto em penetração quanto em retenção de massa os resultados obtidos foram muito próximos e bastante satisfatórios por ambos os calibres. E, em todos os casos, atenderam ao protocolo do FBI.

Diante do exposto cabe salientar que, a tendência natural do projétil Hollow Point (ponta oca) tende a fechar em contato direto com superfícies rígidas, em particular, a chapa de aço, mas ainda assim manteve excelente penetração e de igual modo excelente retenção de massa. Outro dado importante é que nas munições em 9 mm Luger, com exceção da Copper Bullet e Winchester, todas as demais tiveram menor penetração em relação as similares em .40 S&W, na chapa de aço, o que faz cair por terra, o discurso de que o calibre 9 mm é mais perfurante do que o calibre .40.

Observe agora, o mesmo teste em gelatina balística com disparo indireto em vidro automotivo:

Tabela 4 – Gelatina e Vidro
Fonte: Revista Magnum, Ed. 131, 2017.

Observa-se que mesmo no teste envolvendo o vidro automotivo, houve excelente retenção de massa e ótima penetração, todas ainda dentro dos parâmetros protocolares do FBI. Nota-se também, a similaridade de penetração entre os calibres. Os resultados são muito próximos e dentro do esperado para atividade policial e defesa.

Outro dado a ser destacado é o de que, o contato do projétil com o vidro automotivo, tende a cortar a ponta desse projétil, deformando-o de modo a diminuir sua energia e retenção de massa. Mas ainda assim, os resultados obtidos com as munições utilizadas foram muito bons.

Outra vantagem do calibre 9 mm Luger frente ao calibre .40 S&W, refere-se ao menor recuo e melhora significativa na retomada de visada, principalmente em sequências rápidas como geralmente ocorrem na temática do combate armado.

No teste comparativo efetuado pela Revista Magnum Edição 131, mostra claramente essa diferença. E, no caso em particular, fidedigna, pois as pistolas utilizadas nessa comparação TH.40 e TH9 respectivamente, ambas no tamanho standard possuem massas idênticas, alterando somente o calibre. As munições utilizadas foram do tipo bonded para os dois calibres. E nos testes abaixo, os avaliadores são dois experientes atiradores, sendo um deles Luís Costa, policial civil, com experiência em combate armado e também atirador profissional e o outro Caio Wolf Bava, um exímio atirador desportivo. Veja na figura 5, o recuo da arma em disparos similares feitos pelo mesmo atirador, note a diferença:

Figura 5 – Comparativo entre recuos
Fonte: Revista Magnum, Edição 131, 2017.

O comparativo acima demonstra as desvantagens do calibre .40 S&W frente ao 9 mm Luger nesse quesito. A diferença no recuo foi destacada em 36%, ou seja, um recuo bastante acentuado, comparando-se ambos os calibres. Para o teste em tela, fora utilizado um filmadora de alta resolução com fundo quadriculado com 20 mm.

Foi realizado um teste prático a curta distância para avaliar o desempenho de ambos os calibres, a ilustração abaixo mostra a diferença entre eles e mais uma vez fica clara a superioridade do calibre 9 mm Luger em relação ao calibre .40 S&W.

Figura 6 – Disparos a 5 metros
Fonte: Revista Magnum, Edição 131, 2017.

Na figura 7, outra comparação com teste visado a 10m com disparos rápidos.

Figura 7 – Disparos a 10 metros
Fonte: Revista Magnum, Edição 131, 2017.

Agora, observe esta comparação entre os calibres .40 S&W EXPO e o 9 mm Luger EXPO +P+, tendo-se como parâmetro, o Informativo Técnico (IT) 43 da CBC:

Tabela 5 – IT
Fonte: Informativo Técnico Nº43, CBC, 2013.

Nota-se, que mesmo pelo padrão utilizado de comparativo em gelatina balística a velocidade do projétil do calibre 9 mm +P+ é maior na proporção inversa praticamente a sua energia em relação ao calibre .40 S&W, sendo 41 (m/s) e 55 (Joules) respectivamente. Há que se destacar também, que na própria Instrução Técnica em tela, diz-se: “Excelente expansão e poder de parada.”

Como já visto, poder de parada é um mito, mas porque as empresas de munições persistem em utilizar e propagar esse termo? Às razões, tornam-se óbvias, quando se leva em consideração o fator comercial agregado a sua utilização.

De forma clara, para que a munição tenha maior aceitação em um mercado amplamente competitivo e dinâmico, faz-se necessário um trabalho de marketing igualmente amplo e forte e aliado com as cenas de filmes e seus roteiros “hollywoodianos” a expressão “tiro e queda” ganha força. Por isso, destaca-se tanto a propaganda de que tal munição com um único disparo seja o suficientemente forte para cessar uma agressão e ou derrubar seu oponente. Então, cria-se no imaginário popular e até mesmo no policial, de que isso seja a verdade. E é exatamente aí onde mora o perigo, todavia esse pesado e inverídico fato, faz com que o policial e mesmo o cidadão, que ao se depararem com um cenário verídico de ocorrência, possa ser conduzido a morte, por acreditar que com um ou dois disparos a ocorrência seja solucionada. E o que se observa é; que o poder judiciário acabe por tomar decisões pautados por esse equivocado entendimento, tendo seu veredito em desfavor do agente policial, por acreditar que, um ou dois disparos fossem o suficiente para cessar a agressão, quando na verdade o policial que efetuou mais disparos teve de fazê-lo para cessar a agressão. Os disparos devem ser efetuados até que a agressão se cesse por completo.

Em qualquer vídeo policial americano, onde há o confronto, nota-se que os policias em seus embates contra criminosos atiram “à vontade” até que se cesse a injusta agressão definitivamente. Esse é um fator de extrema relevância, pois denota a preocupação de suas corporações e autoridades com a vida desses profissionais e da sociedade, respectivamente. Além de ser o correto do ponto de vista técnico, também o é do ponto de vista jurídico, pois há um respaldo por parte dos legisladores daquele país, os quais nitidamente adaptam suas leis à atividade policial e não o contrário. Dado esse fato, torna-se condição sine qua non que os operadores da Segurança Pública tenham como procedimento operacional o uso de técnicas indispensáveis para manutenção da vida de nossos agentes, bem como da sociedade, garantindo aos nossos profissionais o respaldo necessário e explícito por meio dos Procedimentos Operacionais Padrão (POP), a segurança para trabalhar no estrito cumprimento do dever legal, dentro da legalidade que a atividade policial exige. Não se trata em hipótese alguma de licença para matar, mas sim para sobreviver e desempenhar a atividade de modo eficaz e de acordo com a lei, exatamente para salvaguardar vidas, de maneira a proteger a sociedade.

Faz-se necessária uma atualização pontual no M-19-PM, tendo em vista o contido no referido manual não permite que sejam feitas modificações. Pois segundo o seu criador, “O “Método Giraldi” está internacionalmente registrado e publicado. Não pode ser alterado nem contaminado. Seria crime fazê-lo.” (GIRALDI, 2013, p. 234).

O maior “crime” seria o de não atualizá-lo e não permitir que se torne ainda melhor, alinhando as demandas de seu tempo. Pois do contrário, irá se defasar e custar vidas, algo contrário ao que se propõe a fazer.

         Figura 8 – Munições Bonded
Fonte: Arquivo do autor, 2019.

  CONSIDERAÇÕES FINAIS

Fruto de um aprofundado estudo das questões de Balística Terminal com referências sólidas de peritos mundialmente renomados, este artigo teve como objetivo a quebra de paradigma quanto à utilização do calibre 9 mm Luger para o serviço policial (operacional) em armas curtas e submetralhadoras da maioria das Polícias do Brasil, bem como a queda do termo “Poder de Parada”. O próprio termo “stopping power” não é sólido e, por isso, torna-se preferível utilizar o termo “Incapacitação imediata”, conceito, inclusive antigo, tendo em vista que os estudos de Fackler têm mais de 30 anos. Todavia, a incapacitação imediata não é algo exato do ponto de vista operacional a menos que seja atingida uma área vital do corpo humano, como a região da coluna cervical ou o bulbo cerebral, tiro esse que no teatro de operações é praticamente impossível dadas as variantes do combate armado. Os disparos de precisão que visam as regiões do SNC e ou a medula cervical são mais passíveis de ocorrer em situações específicas e são efetuados por atiradores de elite (snipers), melhores preparados para confrontos dessa natureza.

Foi visto que um indivíduo não terá incapacitação imediata, podendo vir inclusive a efetuar, conscientemente, disparos contra o agente policial de acordo com seu estado psicológico e biológico.

A energia cinética, tão endeusada por grande parte dos “especialistas” e tida com ponto de referência para o mito do poder de parada, cai por terra ao entender que essa energia é em boa parte dissipada no instante em que o projétil perfura a roupa, a derme, a epiderme, os músculos, gordura e diferentes órgãos sendo transformada em calor e outros tipos de energia durante esse trajeto. Conclui-se que o calibre .40 S&W fora desenvolvido em virtude de uma pergunta que não se tem resposta e sua trajetória sempre foi problemática e onerosa. Anos mais tarde foi substituído pelo calibre 9×19 mm Luger exatamente pela instituição policial que o criara, haja vista as vantagens desse último no emprego da atividade policial. Fica clara a percepção do calibre 9×19 mm Luger em relação ao calibre .40 S&W, devido ao seu custo benefício, sua efetividade, aumento de capacidade, melhora na recuperação de visada, menor manutenção, maior vida útil do armamento, melhor estabilidade, melhor adaptação do usuário etc. Considerando que, o agente policial efetua por protocolo, somente 50 disparos por ano e pouco treina por motivos diversos, torna-se imprescindível que o calibre 9 mm Luger seja o calibre adotado pelas Polícias Civil e Militar que adotam o Método Giraldi e seu manual seja alterado em pontos específicos o que não afetará sua filosofia que é muito boa, mas pelo contrário, o deixará ainda melhor.

Visto que a adequação do calibre objetivando o “poder de parada” deve estar focada na biologia e não na física, ou seja, ciência impossível de se determinar dada as variantes do corpo humano e a falta de se pôr em prática (laboral) esse estudo.

A PMESP e demais polícias poderão também pleitear parcerias com instituições privadas, como Clubes de Tiro, e junto ao governo do Estado ou mesmo a União para que sejam reduzidas alíquotas de impostos ou eliminá-las, de maneira que o policial possa comprar armas e munições a um custo justo para aprimorar seu treinamento, inclusive com cursos em locais reconhecidos. Isso permitirá um ganho considerável na qualificação dos policias, além de trazer um alto nível de aprimoramento técnico-profissional, tanto à instituição, quanto ao próprio ao agente do Estado.

STOPPING POWER PARADIGM AND THE BENEFITS OF 9 x 19 MM LUGER CALIBRATE COMPARED TO .40 S&W CALIBER FOR POLICE SERVICE

ABSTRACT

The purpose of this scientific article is to present shooting lovers with an update of knowledge with a paradigm break regarding the concepts now employed by immediate incapacitation, also known as “Stopping Power”, on short arms and submachine guns. The study is based on Terminal Ballistics and emphasizes the benefits of using the 9 x 19 mm caliber (Luger) on the theme of armed confrontation compared to the current 10 x 22 caliber (.40 S&W), adopted by most Civil and Military Police in the Brazil, in addition to demystifying the temporary cavity with a focus on disability in the physical and psychological conditions of the person who receives the shot.

Keywords: Guns. Stopping Power. Caliber. 9mm Luger. .40 S&W. Ballistic.

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