OPORTUNIDADE – A CRISE É UM CASE

A crise do corona vírus, após o primeiro mês na China, não poderia mais ser considerada apenas do ponto de vista da saúde, haja vista a magnitude e implicações em todos os segmentos da sociedade e pelas perspectivas das consequências em âmbito global. É muito fácil dizer isso depois da crise instalada, pensarão alguns. Realmente, o cidadão individualmente e com seus afazeres e preocupações só percebe a extensão do problema muito tempo depois. Não é dele essa obrigação, pois o Estado é quem deve se antecipar, por ser o ente encarregado de garantir a segurança, o desenvolvimento e o bem-estar da sociedade e do cidadão. Não pretendo considerar como o tema foi ou deveria ter sido gerenciado em outros países, mas sim aqui.

O Brasil não tem, em nível ministerial, um órgão de elaboração da Estratégia Nacional (ou Grande Estratégia), que trace os objetivos nacionais de longo prazo, fundamentados na Constituição Federal e nas leis complementares, e as diretrizes estratégicas para alcançá-los. Ou seja, um Projeto Nacional, que aponte os rumos gerais sem impor estratégias setoriais, a não ser algumas onde a atuação do Estado seja indispensável. Esse órgão também elaboraria e monitoraria cenários prospectivos, bem como orientaria e coordenaria, com os demais ministérios, a condução das estratégias setoriais.

Assim, os servidores de tal órgão, naturalmente e por atribuição, levantariam os desafios, oportunidades e ameaças dos cenários e proporiam as medidas para com eles lidar, sempre com base em elementos de juízo superiores aos dos demais cidadãos. Essa ideia existe há décadas em muitas cabeças, portanto, não surgiu depois da crise, que só confirmou o acerto desse pensamento e como faz falta sua implementação.

Eis então que, no monitoramento de cenários e lá nos idos de novembro ou dezembro de 2019, esse órgão já teria começado a estudar a crise do corona vírus na China como fato portador de futuro. Isto é, haveria um órgão pensando e propondo medidas para o país se preparar, ciente de que epidemias anteriores também chegaram aqui. Tais medidas seriam voltadas tanto para o setor de saúde, o primeiro a ser priorizado, quanto para outros que teriam de ser mobilizados em se agravando ou em se estendendo o problema.

Hoje, está clara a falta de uma integração oportuna dos setores envolvidos na crise, não restrita ao setor de saúde que, vale dizer, cumpre muito bem o seu papel, porém, focado no que lhe compete. Deveria haver um planejamento prévio e integrado para lidar com o porvir, após o remédio da quarentena radical e seus efeitos colaterais, bem como para coordenar as ações em todos os campos do poder nacional. Eis um dos espaços do órgão em pauta, lembrando que não seria apenas o gerenciamento de crises mas, principalmente, a elaboração da Estratégia Nacional.

No entanto, pasmem os leitores, existe na estrutura de governo esse órgão, amadoristicamente relegado a segundo plano desde os anos 1990. Trata-se da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), cujo Secretário, que deveria ter status de ministro, seria o chefe do gabinete dessa crise. Não significa ser o decisor, mas sim o gestor, coordenando com os demais ministros envolvidos, pois a SAE seria o órgão com maior conhecimento global do problema, ao tê-lo monitorado desde as origens.

Infelizmente, o pensamento estratégico de alto nível não é valorizado pelo governo e, tampouco, pelas lideranças políticas desde os anos 1990. Embora sempre tenha existido, na estrutura de gestão governamental, gente com visão de futuro a se esforçar para incutir o pensamento estratégico nas instâncias decisórias, essa carência permanece como uma perigosa vulnerabilidade nacional.

Um país não pode se atrelar, prioritariamente, ao que pensa o segmento da economia. Ela tem papel de extrema relevância, pois baliza os estrategistas da SAE, de modo a não alçarem voos calcados em anseios e sonhos inviáveis. No entanto, não é nela que se planeja o futuro, embora assessore para garantir objetivos e metas realistas, o ritmo sustentável das ações e o faseamento necessário para a viabilizar a concretização dos interesses vitais da nação. Enfim, para buscar a compatibilização de objetivos com recursos.

Não posso imaginar o Exército com o Estado-Maior subordinado à Secretaria de Economia e Finanças ao invés de assessorado por ela. Pior ainda, se relegado a um nível de segundo plano na estrutura de comando da Força.

Essa crise é para ser estudada como um case, visando aperfeiçoar a gestão de governo no nível estratégico nacional.

General de Brigada Reformado Luiz Eduardo Rocha Paiva

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