Paralisação dos caminhoneiros e as consequências para segurança pública

Nos últimos dias temos assistido atônitos a escalada em direção ao caos iniciada pela paralisação nacional dos caminhoneiros. A despeito da legitimidade do movimento, sua importância política e os desdobramentos da mobilização é preciso ter em mente que existem consequências práticas relativas à segurança da população decorrentes do desabastecimento generalizado. Não se pretende, nesta análise, tomar partido a favor ou contra a mobilização, mas avaliar as consequências relacionadas à segurança pública direta ou indiretamente relacionadas ao quadro.

Desabastecimento de mercado em Porto Alegre – foto Davi Magalhães – Futura Press – Folhapress

Na ponta da lança do movimento temos os caminhões parados nas estradas, em centros de distribuição de combustíveis, pátios de pedágio ou em zonas industriais. Esta primeira linha está, de forma geral, instalada em regiões de menor densidade populacional ou periurbanas. O primeiro impacto é a ocupação das vias que, mesmo que não estejam bloqueadas, acabam sofrendo com retenção de tráfego, dificultando os deslocamentos entre as cidades e a circulação de mercadorias. A presença de pessoas nas vias aumenta o risco de acidentes de trânsito e atropelamentos. Além disso, a reunião de manifestantes em áreas sem infraestrutura mínima resulta em um problema sanitário nas localidades, já que não há banheiros, restaurantes ou assistência médica. Mesmo que as lideranças do movimento orientem os participantes a não imobilizarem motorista contra a vontade, a heterogeneidade e a dimensão da mobilização impedem uma unidade de conduta e conflitos não podem ser evitados. Em um cenário extremo bloqueios compulsórios e conflitos nas principais vias de acesso às zonas urbanas podem colapsar a conexão entre as principais cidades do país.

A interrupção no abastecimento começa a impactar toda economia, produtores não conseguem escoar a produção, indústrias param de produzir, o comércio começa a encarar prejuízos por falta de mercadorias. A pressão social decorrente inicia o problema na segurança pública. A falta de bens básicos obriga a população a começar a peregrinar em busca de combustível, alimentos, remédios e outros insumos básicos que, quando escassos, provocam frustração e em alguns casos desespero. A disputa pelas mercadorias provoca o acirramento dos ânimos entre as pessoas levam a episódios de luta física, como tem ocorrido em postos de gasolinas. O agravamento da crise cria um ambiente favorável aos saques, ao vandalismo e a desordem generalizada. Aliás este parece ser o objetivo de algumas forças políticas que estão “surfando” na onda da mobilização dos caminhoneiros.

Brigas em postos de gasolina

É verdade que o abastecimento das viaturas das forças policiais, dos bombeiros e ambulâncias dos serviços de saúde tem sido garantido. Entretanto, os profissionais que operam estes carros também precisam de transporte para chegar aos locais de trabalho. Além disso, os veículos das forças de segurança precisam de manutenção e peças de reposição e, dado o uso intensivo dos equipamentos, com frequência maior do que os veículos de uso civil. No caso das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros a natureza castrense de suas organizações permitem que, em caso de necessidade, os profissionais sejam aquartelados, ou seja, mobilizados de forma permanente permanecendo nos quarteis até o controle da situação. Contudo, como no Distrito Federal as estruturas de logística das corporações como o rancho, centros de manutenção, alojamentos nas unidades militares foram praticamente extintas teríamos uma séria dificuldade em manter nossas tropas de forma prolongada nos quartéis. Esta é uma das consequências do processo de desmilitarização cultural que, em muitos aspectos, tem fragilizado as forças militares distritais.

Com a desestabilização dos sistemas básicos de abastecimento inicia-se uma desconexão das redes de estruturais que dão suporte a vida urbana. A falta de produtos e serviços básicos, como abastecimento de água e energia, levam a um processo de concorrência desleal, aumento de preços e violência generalizada. O deslocamento dos efetivos das forças de segurança para manutenção do fornecimento de produtos básicos à população, caso das escoltas aos caminhões de combustível, desloca o foco das ações criminosas. O crime tende a crescer tanto pela violência gerada na disputa pelos bens de consumo, escassos pelo desabastecimento, quanto pela diminuição do policiamento ostensivo.Outra consequência do processo de desabastecimento severo são os saques, quando a população começa a invadir comércios, depósitos ou mesmo residências na esperança de conseguir víveres. Neste estágio iniciam-se os distúrbios civis que podem se generalizar. Caso a situação chegue a este patamar caminhamos para um estado de anomia, onde a restauração da ordem exigirá medidas mais severas com uso mais intensivo dos recursos de força das corporações policiais e até com emprego das forças armadas.

Desabastecimento de medicamentos em farmácias e hospitais

É preciso ponderar que mesmo legítimo o movimento dos caminhoneiros pode passar dos limites da manifestação democrática, e passar de remédio a veneno. Este seria o pior dos cenários, onde a população pode começar a enxergar os caminhoneiros como causadores do caos. De modo semelhante as operações para controle de distúrbios civis, que exigem o uso da força por parte das forças de segurança, podem deixar a impressão de que as polícias e as forças armadas estariam a serviço deste governo, ou pior, que teriam a sua atuação atrelada à vontade ou aos interesses de alguma personalidade política. O que representaria a quebra da legitimidade nas últimas instituições da República que ainda gozam da confiança da população, e barreira derradeira na defesa da democracia. Entender os riscos envolvidos na mobilização e ponderar sua intensidade é uma tarefa que cabe a todos nos. Sejamos partidários ou não da causa dos caminhoneiros.

Saques na Venezuela – frutos do desabastecimento e da crise política

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