POLÍCIA ADMINISTRATIVA – Como usar as PMs para salvar vidas em momento de guerra ao COVID 19

Estamos passando por um momento de crise extrema, a expansão da epidemia de Covid-19 no país mostra-se inevitável e a adoção de medidas efetivas para o controle da disseminação do vírus precisa ser rápida. Caso contrário poderemos ver o país mergulhado no caos, como observamos na Itália onde estão faltando caixões para enterrar as vítimas da doença. Apesar da taxa de mortalidade pelo Covid-19 não ser tão alta, 3,74%,[1] o vírus possui uma curva de expansão extremamente rápida. O aumento do número de casos, de forma exponencial, colapsa o sistema de saúde. Assim, muitas pessoas com sintomas graves não recebam o atendimento adequado, o que provoca as mortes.

Uma das principais medidas para tornar o avanço da doença mais lento é o isolamento das pessoas. Restringir a movimentação, o contato social, o comercio e as atividades educacionais e recreativas. Infelizmente é necessário que as autoridades determinem o fechamento de todos os estabelecimentos comerciais não essenciais, o que tem acontecido na maioria das cidades brasileiras. Entretanto, existe um gargalo nestas medidas, quem serão os agentes públicos responsáveis pelo cumprimento delas? De maneira geral, atividades de fiscalização e fechamento dos estabelecimentos são realizadas por fiscais de postura das prefeituras, vigilância sanitária e outros órgãos desta natureza. O problema é estas instituições não tem a capilaridade, efetivo ou meios de garantir que as determinações sejam efetivadas na escala necessária. Além disso, a situação atual pode exigir que os entes públicos sejam obrigados a utilização de um mecanismo do qual os fiscais administrativos comuns não dispõe, e não são treinados para sua utilização, a força.

Ao determinar o fechamento de estabelecimentos comerciais por um tempo indeterminado os governos estão tirando de centenas de milhares de pessoas suas únicas fontes de renda e sustento, o que geralmente as pessoas não estão inclinadas a aceitar de forma pacífica. Por enquanto, nenhum ente estatal apresentou uma alterativa satisfatória aos proprietários de restaurantes, bares, casas noturnas, papelarias e demais empresas que tiveram suas portas fechadas. Sem falar do gigantesco mercado informal formado por quiosques de rua, feiras, vendedores ambulantes e camelôs que também tiveram de parar, por tempo indeterminado, suas atividades de subsistência. Inevitavelmente, mais cedo ou tarde, o estado precisará utilizar da força para manter todo este sistema sob controle, principalmente se a crise se prolongar.  

Existe apenas uma instituição com a capilaridade, autoridade e treinamento para dar uma resposta adequada nesta situação, a Polícia Militar. As forças militares estaduais são, atualmente, as únicas corporações estatais com efetivo, organização e presença operacional em condições de manter de pé as determinações governamentais para o combate a disseminação do COVID-19. Além disso, estas forças militares estão constitucionalmente equipadas ao exercício destas funções, como dispõe o artigo 144 § 5º da constituição:

§ 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. [2]

A natureza ostensiva e a missão de preservação da ordem pública fazem das policiais militares agentes naturais para o cumprimento deste tipo de tarefa, ou seja, a imposição das leis através do exercício do poder de polícia.

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do poder público, à tranquilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos. (BRASIL, 1966).[3]

Mas em muitos estados no que concerne ao poder de policia administrativa as policias militares acabam atuando como coadjuvantes, principalmente na fiscalização de posturas. Na maioria dos casos o policial militar atua em apoio, zelando pela segurança pessoal dos fiscais. Garantem que medidas como apreensões e interdições de estabelecimentos sejam cumpridos. Entretanto, sem a presença dos fiscais os policiais estão de mãos atadas.

fiscal de posturas é a autoridade pública que a lei municipal incumbe de harmonizar os direitos concorrentes dos cidadãos, cabendo-lhe fiscalizar, orientativa, preventiva ou repressivamente, a conduta do munícipe para que as liberdades e os direitos individuais, em especial o de propriedade tanto a pública quanto a particular, sejam exercidos em concorrência e “sem lesar ou ameaçar a coletividade ou o bem-estar geral”[4]

Um exemplo desta realidade é o decreto do Governo do Distrito Federal, nº 40.539, de 19 de março de 2020, já em razão do Covid-19 que traz em seu artigo 7º, parágrafo único:

Parágrafo único. A fiscalização das disposições deste decreto será exercida pela Secretaria de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal – DF LEGAL, que poderá trabalhar em conjunto com os demais órgãos de fiscalização e forças policiais do Governo, por meio da aplicação de suas legislações específica.

Mesmo diante da epidemia as atribuições das policias militares acabam restritas a um papel secundário, principalmente no que se refere ao fechamento dos estabelecimentos comerciais, principal foco de aglomeração popular. Os policiais militares estão nas ruas, diretamente em contato com a comunidade, presenciam as situações e recebem denuncias dos pontos comerciais que estão colocando em risco as estratégias de achatamento da curva de expansão do vírus. Ainda assim, eles têm uma autonomia reduzida e acabam dependendo da presença de fiscais e agentes que, muitas vezes, não podem deslocar-se até o local onde o problema está ocorrendo.

Uma solução que pode fazer diferença fundamental para o efetivo controle do Covid-19, é garantir as corporações militares estaduais o efetivo exercício das atividades de polícia administrativa. De acordo com Lazzarini entende-se polícia administrativa como:

A polícia administrativa se destina a assegurar o bem-estar geral, impedindo através de ordens, proibições e apreensões o exercício antissocial dos direitos individuais, o uso abusivo da propriedade ou a prática de atividades prejudiciais à coletividade. A polícia administrativa se expressa no conjunto de órgãos e serviços incumbidos de fiscalizar, controlar e deter as atividades individuais que se revelam contrários, inconvenientes ou nocivas à comunidade, no tocante à segurança, à higiene, à saúde, à moralidade, ao sossego, ao conforto públicos e até mesmo à estética urbana. (Lazzarini 1999, p. 192)

Ou seja, não se trata de conceder às policias militares autoridade ou poderes além daqueles previstos desde a esfera constitucional. Ao contrário, a expansão do exercício do poder de polícia para esfera administrativa, está intimamente relacionada a preservação da ordem pública. Neste caso, dada a natureza ostensiva das forças militares estaduais, mesmo a simples presença de uma dupla de policiais na rua será um fator de dissuasão para aqueles que pretendem infringir as medidas severas impostas pelo poder público.

As corporações serão peça chave no controle e na imposição das regras sanitárias, principalmente daquelas que envolvam restrições ao direito de locomoção e reunião. Aliás, este fato pode ser visto nos países onde a pandemia tem atingido os níveis mais críticos. Na Itália policiais têm sido utilizados para o fiscalizar o deslocamento dos cidadãos e impedi-los, até mesmo, de sair de suas casas. Só para se ter uma ideia até o dia 17 de março a polícia italiana já havia realizado 27.616 multas por violação da ordem de isolamento, desde a entrada em vigor do decreto que prevê multa de 206 euros ou até 3 meses de prisão.[5]  Ainda assim, as medidas não tem sido suficientes e o governo italiano estuda proibir todas as atividades ao ar livre, depois que mais de 47.000 pessoas (dados do dia 19 de março) já terem sido multadas por estarem nas ruas “sem um razão adequada”.[6]

Policial Italiano cumprindo seu dever

Este tipo de controle só pode ser realizado com sucesso por agentes estatais habilitados ao uso de recursos coercitivos. E com experiencia em enfrentar a resistência popular no cumprimento determinações legais e treinamento para o controle de distúrbios civis. Atividades onde os militares estaduais são empregados diuturnamente.

Mas o exercício da polícia administrativa pelos militares estaduais não coisa inédita e já existem casos de sucesso. O mais exitoso é o da Polícia Militar do Estado de Santa Catarina, que já a alguns anos exerce este tipo de atividade. Através de uma série de convênios e acordos com governo estadual e prefeituras a policia militar tem realizado fiscalizações na esfera das infrações ambientais[7], em estabelecimento comerciais como bares e restaurantes[8] e até tem emitido autorizações para realização de eventos em todo o estado[9] .

De qualquer forma os militares estaduais acabarão realizando as atividades de polícia administrativa, se não por alterações de legislativas preventivas, será pela decretação de uma medida excepcional, como estado de defesa. O estado de defesa pode ser decretado em caso de grave e iminente instabilidade institucional ou de desastres naturais, visa a preservação e/ou o restabelecimento em locais restritos e determinados da ordem pública e/ou da paz social. Durante a vigência do estado de defesa alguns direitos dos cidadãos são suspensos, como por exemplo o sigilo de correspondência, de comunicação telegráfica e telefônica e o direito de reunião. Com a adoção prematura de ações preventivas podemos evitar que políticas extremas sejam adotadas.

O momento de crise pode se tornar uma oportunidade única para a expansão das ações de policia administrativa nas forças militares estaduais. A mudança pode ser determinante para garantir com agilidade, em todo o território nacional, a execução da restrição de movimentação das pessoas e o fechamento de estabelecimentos comerciais. Dessa forma diminuindo o a velocidade de manifestações dos casos graves da doença, permitindo que o sistema de saúde possa atender as pessoas. Estamos em um estágio crítico da expansão da pandemia, decisões tomadas agora podem significar a diferença entre a vida e a morte para milhares de pessoas e desperdiçar o potencial de ação das Policias Militares é um erro que os governantes não devem cometer.


[1] https://exame.abril.com.br/ciencia/taxa-de-letalidade-do-coronavirus-no-mundo-e-de-374/

[2] Constituição Federal Artigo 144, § 5º  

[3] Código Tributário Brasileiro artigo 78

[4] DE MORAES, Bernardo Ribeiro. A Taxa no Sistema Tributário Brasileiro. 1ª. ed. São Paulo: RT,1968, p.91/93

[5] https://sicnoticias.pt/especiais/coronavirus/2020-03-17-Quase-30-mil-multas-em-Italia-por-violacao-do-isolamento

[6] https://www.elagoradiario.com/coronavirus/diario-internacional/italia-extender-cuarentena-normas-reforzadas/

[7] https://www.pm.sc.gov.br/noticias/5241

[8] https://www.pm.sc.gov.br/noticias/5954

[9] https://www.pm.sc.gov.br/noticias/5954

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