Acionamento da pastilha de emissão lacrimogênia

O Gás lacrimogêneo em instrução

Respeitada a autonomia institucional de se elaborar manuais, estabelecer doutrinas de treinamentos e etc, deve-se levar em consideração os padrões de segurança que devem ser observados dentro de um treinamento envolvendo agressivo químico lacrimogêneo.

Como sugere a boa técnica de treinamento com agente lacrimogêneo, deve ser estabelecido um objetivo a ser alcançado com determinado exercício em atmosfera contaminada. Estes objetivos devem ter por base as situações que este profissional poderá encontrar na sua jornada ou turno de serviço. Para o agente do sistema penitenciário, de maneira genérica, vislumbramos situações restritas onde este terá contato com o agressivo químico lacrimogêneo. Podemos ousar e estabelecer aqui um rol taxativo: 1) controle de um pequeno distúrbio no PÁTIO ABERTO do presídio. 2) contenção de um interno ou grupo de internos que intentem contra a integridade física do profissional de segurança pública ou a terceiros. Atento que para a primeira situação, poderá ser empregada uma granada de emissão lacrimogênea como a que foi utilizada no vídeo, mas para a segunda situação outras tecnologias de menor potencial ofensivo poderiam ser o recurso mais apropriado para reduzir a capacidade agressiva do interno, como um espargidor de solução lacrimogênea ou um dispositivo elétrico de controle. Qualquer outro evento provocado pelos internos que modifique a tranquilidade do complexo penitenciário, deverá ser utilizado outro recurso de menor potencial ofensivo que não adote o sistema de emissão lacrimogênea através da queima do produto químico, estas não podem ser empregadas em ambiente confinado. Não vou abordar aqui as situações onde exigirão uma intervenção letal por parte dos profissionais, permanecendo na análise do emprego dos recursos que gerem intervenções menos gravosas.

Vamos fazer uma pequena análise sobre o modo que foi conduzido o treinamento, com os dados disponíveis no vídeo. Cabe ressaltar que somente os instrutores e os alunos tem condições de relatar exatamente o que ocorreu em todo módulo de habilitação.

Primeiramente, considerando que o agente lacrimogêneo é um produto químico e como tal tem suas restrições de utilização, o instrutor deve sopesar até que ponto ele irá permitir a exposição dos instruendos a este produto. A exposição de uma pessoa ao agente lacrimogêneo em ambiente confinado deve ser feita com um equipamento de proteção respiratória para prevenir danos ao organismo dos instruendos. A exposição sem a devida proteção respiratória só poderá ser realizada em ambientes abertos e ventilados com lapsos temporais de 48 horas entre as exposições, para que se possa ter uma boa recuperação fisiológica. Caso essas exposições sejam descriteriosas e exageradas poderão gerar sequelas graves nas pessoas que foram expostas chegando até mesmo gerar efeitos carcinogênicos em seus organismos.

1) DA EXPOSIÇÃO EM AMBIENTES CONFINADOS

– A atmosfera onde irá se realizar o exercício deve conter no mínimo 18% de oxigeno na composição do ar, sem esse percentual a segurança da instrução fica comprometida. No caso em tela, com certeza não tinha o percentual mínimo de oxigênio exigido pela boa norma. Digo isto, pois a granada que foi utilizada neste treinamento, com certeza poderá ser uma granada ou canister de emissão lacrimogênea, contendo de 40 a 150 gramas de massa química que irá ser queimada e sublimada gerando, além do gás lacrimogêneo, outras substancias como CO2. Isso porque dentro de uma cela de viatura do tipo van, onde o habitáculo de condução de detidos possui volume cúbico reduzido, não permitiria a mantença desse percentual de oxigênio, pois o agente lacrimogêneo não irá consumir o ar respirável da atmosfera e sim expulsá-lo do ambiente. Recomenda-se que este tipo de exercício seja realizado em ambientes de pelo menos 27 metros cúbicos ou em uma barraca para capacidade de 10 pessoas.

Para esta prática, é de bom tom, que pelo menos dois instrutores permaneçam dentro do ambiente confinado, utilizando máscara de proteção respiratória, lanterna e luva. A presença desses instrutores, além de passar segurança, servirá para orientar a condução correta do exercício e, principalmente prestar socorro ou auxílio ao instruendo que sinalizar alguma anormalidade fisiológica ou no equipamento. O instrutor não deve proibir a saída do instruendo que entrou em pânico ou não consegue permanecer no ambiente, pois isso prejudicará a segurança e não ajudará em nada no melhoramento da conduta dos demais que estão participando do exercício. O trabalho de adaptação psicológica ao agente químico deve ser realizado de maneira gradual, buscando fortalecer a atitude do profissional ante a atmosfera contaminada. Não existe desenvolvimento fisiológico para alcançar imunidade ao agente químico lacrimogêneo, pois o mesmo foi construído para que o nosso organismo não se adapte aos seus efeitos. Não vamos confundir, pois a aparente adaptação fisiológica poderá se apresentar futuramente como uma disfunção grave do organismo. Desta forma, a adaptação será mais psicológica que fisiológica.

Instrutor, Cap Jonny Wilsom, a espera do turno
Instrutor, Cap Jonny Wilsom, com máscara.

No treinamento apresentado no vídeo, os instrutores erroneamente trancam o habitáculo da viatura e com isso não têm noção do que acontece em seu interior, sem falar na concentração elevada do agente químico que reduz drasticamente a acuidade visual dentro do ambiente. Certamente, não foi objeto da atenção dos instrutores a elevada concentração, pela simples regra que orienta que a exposição de uma pessoa a uma grande quantidade de agente químico por um período curto de tempo, tem resultados iguais a uma exposição com uma pequena quantidade de agente químico por um longo período de tempo.

O instrutor deve ter o controle total do ambiente de instrução, primando pela integridade da saúde dos instruendos que, diga-se de passagem, são seus companheiros de trabalho. Atividade como esta não fortalece a atitude do profissional em adotar procedimentos corretos no caso de contaminação do seu ambiente de trabalho, tão pouco desperta a segurança e confiança necessárias para lidar com o agente químico, pois o contato com este sempre foi traumático.

2) DA PROIBIÇÃO TÉCNICA DO USO DE GRANADAS DE EMISSÃO EM AMBIENTES CONFINADOS

Não se recomenda a utilização de granadas de emissão lacrimogênea em ambientes confinados/fechados devido a alta emissão de agente químico e devido as altas temperaturas que estas atingem para promover a emissão do gás lacrimogêneo.

No caso de presídios, sua aplicação fica restrita a um pátio aberto onde não tenham corredores de celas adjacentes. Imagine que um profissional utilize uma granada de emissão no pátio e controle o distúrbio naquele ponto, mas a “nuvem” lacrimogênea do pátio migrou pela ação do vento para um corredor de cela que já estava com a população carcerária controlada. Diante da contaminação neste corredor, o profissional resolveu um problema, mas gerou outro. A solução para isso seria o emprego de espargidores que tem poder de contaminação menor e de melhor controle, o emprego de munições de jato direto, o emprego de granadas explosivas para ambientes fechados ou o uso munições de impacto controlado, desde que tenha uma distancia mínima de segurança para realização do disparo. Além disso, o responsável da intervenção deve verificar se todos os seus profissionais estão portando o EPI de proteção respiratória para autorizar a utilização do agente químico lacrimogêneo, tendo ciência que a falta do equipamento, caso haja uma contaminação do ambiente, poderá por em risco o êxito da ação. A contaminação eficaz do ambiente, caso o profissional não porte o EPI específico, não permitirá que ele enxergue adequadamente ou até mesmo não permitirá que ele permaneça no local.

3) DA NÃO CONSERVAÇÃO ADEQUADA DO BEM PÚBLICO (VIATURA)

O agente químico lacrimogêneo em contato com metal poderá oxidá-lo. O mesmo agente químico impregnará nos tecidos de bancos, cortinas e filtros do ar-condicionado, transformando-se em risco respiratório para os ocupantes que utilizarem esses acessórios. Se o veículo possuir sistemas eletrônicos e tecnologias embarcadas como terminais remotos, GPS, mesas de controle, rádios, todos estes sofrerão pela ação corrosiva do agressivo químico. Cabe repensar até quando vale a pena deteriorar um bem público tão importante por falta de conhecimento técnico do servidor ou pela omissão da autoridade constituída em não providenciar estruturas para acomodar seus programas de capacitação e treinamento.

Diante desses breves apontamentos, devemos refletir sobre a maturidade profissional e de como deveremos conformar nossos programas de treinamento para quebrar paradigmas ultrapassados e afastar o empirismo e a falta de recursos que predominam nas nossas Instituições.

Mainar Rocha – especialista em operações químicas pela Polícia Militar do Distrito Federal.

Fonte da notícia que inspirou o artigo: http://g1.globo.com/espirito-santo/noticia/2015/06/alunos-sao-trancados-em-camburao-com-gas-lacrimogeneo-no-es.html 

Foto: L.F. Aguiar com exclusividade para o BlitzDigital.

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