O menor espião do mundo

A microscópica máquina voadora podia ter entrado por uma janela em absoluto silêncio, e fotografado documentos sobre a mesa.

Agora estão adiantados os estudos sobre uma miniaturização mais apurada de novas versões do robodiptera.

A viagem de trem entre Princeton e Nova York é feita em menos de uma hora. Naquela tarde de domingo, no entanto, o trem ia quase vazio e silencioso, de modo que as duas vozes com sotaque alemão ouvidas ali impediam os poucos passageiros de ler em paz o suplemento de arte e lazer do New York Times, ou de cochilar sob o sopro leve do ar condicionado do vagão.

Nas estações e antes do chamado estridente do all aboard, as vozes se destacavam e uma delas falava claramente do mais perfeito espião que o FBI havia inventado no seu pouco mais de um século de vida. “Com um milhão desses agentes”, dizia a voz masculina mais grave, “não haverá mais segredos no mundo”.

A outra voz, sem dúvida feminina, fazia eufórica uma pergunta: “E haverá um modo de combater esse agente?”. Depois de um silêncio veio a resposta e logo em seguida explodiu no trem uma dupla risada: “Talvez um bom inseticida”.

Ecomo eles continuassem sorrindo e aparentemente querendo falar, também sorri, confessando que havia escutado alguma coisa, e passei para o assento da frente para entrar na conversa deles. Muito à maneira americana ambos se apresentaram, dizendo seus nomes e logo explicando que nada do que falavam era segredo de Estado, porque alguns jornais já haviam divulgado a notícia.

Confessei que era curioso e jornalista, e Ernst Bauer exclamou: “Bastava dizer que era jornalista”, e rimos os três de novo.

A seu lado, Gerda Klein guardava numa pasta alguns papéis que antes estivera folheando, para poder falar sem se distrair.

Pressenti que poderia sair dali uma pequena entrevista, e isso era tudo o que eu de fato queria. A dupla estava voltando de Princeton, onde havia feito uma palestra sobre “um inseto artificial, a robodiptera”, uma invenção destinada a tirar o sono dos ditadores e dos malfeitores em geral. “Um inseto”? estranhei. Pedi que explicassem melhor.

Ele era da Universidade Leibniz, em Hanover, ela da Universidade de Freiburg, ambas na Alemanha, dois especialistas em nanotecnologia. “Esse é um daqueles nomes que assustam”,disse Bauer no seu sotaque pesado, “mas a coisa dá para ser entendida. A nanotech estuda a manipulação da matéria em escala microscópica, molecular e até atômica”.

Era isso, o avanço tecnológico dera saltos espetaculares na escala do gigantesco com os grandes foguetes, e agora se voltava para o infinitamente pequeno. Esse trabalho já havia sido feito pela natureza com a adaptação biológica dos vírus e bactérias. A ciência humana estaria agora imitando o fiat lux, isto é, o “faça-se a luz” do milenar Gênesis?

Ernst Bauer coçou a pequena barba branca antes de responder. “Todos os campos da atividade humana estão interessados nas novas pesquisas na área microscópica: medicina, economia, engenharia e até a segurança estratégica.

E é precisamente este o nosso campo agora”, concluiu, apontando as pastas empilhadas num canto dos assentos.

“Há apenas seis meses, no laboratório de robótica de Harvard, um inseto artificial muito menor do que um clipe, ou prendedor de papel, levantou voo e posou no braço de um funcionário”, disse Bauer com um sorriso. E acrescentou: “Em seguida, bateu uma foto da área e tornou a voar até a mesa de onde havia partido”.

A microscópica máquina voadora podia ter entrado por uma janela em absoluto silêncio, e fotografado documentos sobre a mesa.

Agora estão adiantados os estudos sobre uma miniaturização mais apurada de novas versões do robodiptera. Gerda Klein estende uma pasta amarela que tirou da pequena pilha a seu lado.

“Lembra-se de um filme de ficção científica, Viagem Fantástica, em que o personagem engole uma mistura de câmera e de cirurgião robotizados, que afinal vão operá-lo?”, ela pergunta e não espera a resposta. “Pois é, está sendo desenvolvido o projeto de uma pílula nanotecnológica nessa base. Os diagnósticos do futuro serão feitos com robôs-cirurgiões, e isso será para o tempo de nossos filhos e netos, não depois”.

A revista Science publicou há pouco tempo um artigo do Dr. Robert Wood, de Harvard, explicando como estão sendo experimentadas essas moscas-robôs com fins militares e médicos.

O Dr. Wood inventou um sistema elétrico miniaturizado que está imitando, cada dia mais, os movimentos de um pernilongo rondando um corpo humano em busca de sangue. Vários campos da tecnoologia colaboram no projeto.

Gerda folheou o calhamaço um pouco rapidamente, com receio de revelar demais. “É maravilhoso, e está tudo aqui, à espera de mais”.

“Pode ser admirável esse avanço, mas não deixa de ser assustador”, completou Bauer, olhando pensativo pela janela do trem, “se essas maravilhas caírem em mãos erradas”.

Ficamos os três balançando a cabeça de leve, enquanto a paisagem de Nova Jersey desfilava lá fora, com seus campos verdes, muito pólen no ar, árvores monumentais e milhões de insetos. Todos de verdade, pelo menos por enquanto.

Luiz Carlos Lisboa é jornalista.

Publicado no Mídia sem Máscara.

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