SISTEMA PENITENCIÁRIO – A FÁBRICA DE FACCIONADOS

POR: LUIZ FERNANDO RAMOS AGUIAR

Os presídios brasileiros estão sempre a beira do colapso, com uma população carcerária que cresce constantemente, principalmente pela falta de investimentos na abertura de novos presídios (pensamento fomentado pela ideologia de desencarceramento). Em 2023 já possuíamos seiscentos e quarenta e quatro mil setecentos e noventa e quatro presos1, enquanto nossas cadeias suportavam no máximo quatrocentos e oitenta e um mil oitocentos e trinta e cinco detentos2. O que converteu as instituições penitenciárias em verdadeiros depósitos de pessoas.

Um problema grave quando se trata de super população carcerária é a quantidade de pessoas encarceradas que não vão a julgamento, de acordo com os Dados Estatísticos do Sistema Penitenciário – 14º CicloSISDEPEN em 2023, mais de cento e oitenta mil prisioneiros brasileiros ainda aguardavam julgamento.

O aumento da população nas cadeias faz com as condições de vida dos internos se degradem de forma contínua, tornado os presídios verdadeiros barris de pólvora. Transformando o ambiente dos locais no caldo de cultura ideal para o crescimento das facções, através do recrutamento de presos insatisfeitos e revoltados. Como forma de cooptar seus soldados as organizações criminosas oferecem favores e pequenos confortos como: pagamento de advogados, cestas básicas e pagamento de viagens para visita de parentes que moram longe dos presídios.

Outro problema que influi no crescimento da população carcerária é a reincidência. Como na maioria dos casos os presos cumprem pequenas porções de suas penas, pela progressão precoce para os regimes aberto ou semi-aberto, a sensação de impunidade é um incentivo para o cometimento de novos delitos. Além disso, egressos do sistema tem grande dificuldade de reinserção no mercado de trabalho. A média de reincidência no primeiro ano, após a saída do sistema, é em torno de 25% e se eleva até 38,9% após 5 anos.3

Todas as principais, e mais tradicionais, facções em atuação no país nasceram em instituições carcerárias, tanto o primeiro comando da capital quanto o comando vermelho tiveram suas origens no sistema. e novos grupos como a família do norte e o sindicato do crime seguiram o mesmo caminho.

REBELIÕES E MORTE, O HORROR DO PRESÍDIOS

Um dos episódios mais aterrorizantes aconteceu em janeiro de 2017, quando cento e dezenove presos foram mortos no amazonas, roraima e no rio grande do norte, resultado de uma disputa entre facções que já durava meses.4

A situação mais aguda ocorreu em Manaus, quando membros da família do norte invadiram o “seguro” do complexo penitenciário Anísio Jobim, massacrando em torno de 60 presos, vinculados ao PCC. a ação foi registrada em vídeos, onde os integrantes da quadrilha comemoravam exibindo corpos decepados e mutilados. a família do norte controla o tráfico de drogas na região amazônica, por onde entram no país cocaína originária da Colômbia, Bolívia e peru e tenta conter o avanço do pcc na região.

Entre 2017 e 2018 outras organizações adversárias do PCC intensificaram suas ações. o sindicato do crime, surgido da dissidência de membros do PCC, ja comandava 28 das 32 prisões do estado. Como forma de protestar contra a instalação de bloqueadores de celulares nos presídios do estado, em 2016, o sindicato do crime, já havia orquestrado um ataque a 38 cidades no estado. mas em 2017 promoveu uma rebelião no presídio de alcaçuz, onde 27 detentos foram mortos e 74 indiciados por homicídio.5

Com cerca de trinta mil presos o PCC é a única facção presente em todos os estados brasileiros. Com a necessidade de novos soldados antigos métodos de recrutamento, como a exigência de um padrinho, que seria responsável pelos atos do afilhado por um determinado período tempo, deixaram de ser adotadas.

Enquanto isso a expansão das organizações criminosas no Rio de Janeiro mostra que as milícias já controlam 25,5% dos bairros, totalizando 57,5% superfície territorial da cidade. os números são de 2019 e revelam o crescimento assustador das milícias, que só começaram a se articular no início dos anos dos anos 2000. Enquanto o comando vermelho ocupa atualmente 24,2% dos bairros, o Terceiro Comando Puro 8,1% e o Amigos dos amigos 1,9%, mesmo atuando desde a década de 90.6 Os números mostram uma realidade ainda mais complexa no estado, levando definitivamente as batalhas entre facções para além dos muros dos presídios, principalmente, pela disputa de territórios. E não podemos desconsiderar as tentativas do PCC de atuar no Rio de Janeiro, mesmo que ainda não consiga operar com a mesma força das organizações criminosas locais.

As disputas regionais fragilizam o PCC, que precisa dispersar recursos para os diversos campos de batalha. Além disso, disputas internas na facção também levam instabilidade e insegurança entre seus membros. (confira no card acima um vídeo sobre essas disputas).

RETROALIMENTAÇÃO DAS FACÇÕES

As condições de vida nas cadeias brasileiras são extremamente precárias, um preso tem 28 vezes mais chances de contrair tuberculose e dez vezes mais possibilidades de ser infectado pelo HIV e três vezes mais chances de ser morto em relação a população geral. Dessa forma, as cadeias se tornaram um celeiros de recrutas e uma peça fundamental para articulação das quadrilhas, que também utilizam as instituições ampliando sua rede de conexões, possibilitando ações coordenadas em praticamente todo o território nacional.

O tráfico de drogas é a principal fonte de financiamento das quadrilhas. o dinheiro é reinvestido na operação com o financiamento das exportações de drogas, abertura de franquias nos diversos estados, na cooptação de agentes públicos e no estabelecimento de estruturas de negociação de drogas. Para defender suas estruturas e manter o poder entre os adversários, as facções montam arsenais de guerra que contam com fuzis, submetralhadoras, morteiros, explosivos e granadas. e mesmo estes arsenais se tornam fonte de receitas quando são alugados para cometimento de crimes, como assaltos a carros fortes, tomadas de cidades, tomadas de pontos de vendas de drogas ou proteção contra grupos riviais.

PRINCIPAL FACÇÃO

Embora o Comando Vermelho tenha sido a primeira facção e se estabelecer no país, o Primeiro Comando da Capital continua como a maior força do crime organizado. Criado em 1993, eles seguem um estatuto rigoroso, que dá o suporte ideológico aos seus integrantes e servem como um regulamento disciplinar para seus membros. Artigos como “luta contra opressão do sistema prisional” e a defesa de valores como lealdade e honra são usados para seduzir novos membros. O PCC funciona como um sindicato que, além da fidelidade, cobra mensalidade de seus integrantes. Todo este sistema fez com que a organização praticamente se tornasse a dona dos presídios, tornando-os sua reserva de pessoal, articulação política e de organização logística.

O estado de São Paulo conhece bem o poder do PCC, que controla 90% dos presídios. Em 2006 a facção promoveu uma série de ataques que paralisaram a capital paulista por quatro dias. Como saldo foram mais de 50 policiais mortos e uma contundente reação do estado, que levou a neutralização de mais de 100 criminosos. Combinado aos ataques urbanos o PCC conseguiu deflagar rebeliões em 74 presídios. Em um ato político covarde o governo do estado acabou negociando com os criminosos uma saída mais rápida e menos violenta para a crise. Um evento que custaria caro para a sociedade.

Com a complacência do estado, que cedeu aos criminosos, a facção tornou-se ainda mais agressiva e radicalizada. consolidando seu domínio nos presídios e ampliando suas ações na sociedade. Seduzindo, cooptando e usando os milhares de presos, insatisfeitos e revoltados, o PCC dispõe de um efetivo praticamente ilimitado para seu exército. E os presídios se tornaram os portões do inferno para aqueles que vivem sob o domínio do crime.

REFERÊNCIAS:

1 – SENAPPEN lança Levantamento de Informações Penitenciárias referentes ao primeiro semestre de 2023 https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023 , acessado em 04 de maio de 2024.

2 – Secretaria Nacional de Políticas Penais Diretoria de Inteligência Penitenciária Dados Estatísticos do Sistema Penitenciário – 14º ciclo SISDEPEN – Período de referência: Janeiro a Junho de 2023 – https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/senappen-lanca-levantamento-de-informacoes-penitenciarias-referentes-ao-primeiro-semestre-de-2023/relipen , acessado em 04 de maio de 2024.

3 – Depen divulga relatório prévio de estudo inédito sobre reincidência criminal no Brasil – https://www.gov.br/senappen/pt-br/assuntos/noticias/depen-divulga-relatorio-previo-de-estudo-inedito-sobre-reincidencia-criminal-no-brasil ,acessado em 04 de maio de 2024.

4 – Como as cadeias viraram fábricas de facções criminosas – https://super.abril.com.br/comportamento/como-as-cadeias-viraram-fabricas-de-faccoes-criminosas?utm_source=google&utm_medium=cpc&utm_campaign=eda_super_audiencia_institucional&gad_source=1&gclid=Cj0KCQjwudexBhDKARIsAI- ,acessado em 04 de maio de 2024.

5 – Massacre de Alcaçuz: quase 3 anos depois, número de mortos aumenta e 74 são indiciados por homicídios – https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/11/29/massacre-de-alcacuz-policia-conclui-inquerito-e-indicia-74-por-homicidio.ghtml ,acessado em 04 de maio de 2024.

6 – Mapa Histórico dos Grupos Armados no Rio de Janeiro – https://geni.uff.br/2022/09/13/mapa-historico-dos-grupos-armados-no-rio-de-janeiro/ ,acessado em 04 de maio de 2024.

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