A “revolução” da China é profunda, mas não é sem precedentes

Michael Cunningham, da Heritage Foundation

Tradução: Glayciene Almeida

Principais conclusões deste artigo:

  1. Pequim lançou recentemente novas regras para fortalecer o pensamento ideológico do governo no setor de entretenimento.
  2. Embora a escala e a intensidade dos desenvolvimentos regulatórios nos últimos meses pareçam sem precedentes, as pessoas não devem se surpreender com essa virada na política chinesa.
  3. Enquanto Xi continua a transformando China, é importante ter em mente que ele e o partido estão fazendo testes conforme avançam.

Em meio a uma já preocupante campanha de “prosperidade comum” e repressão a uma lista crescente de indústrias, Pequim lançou recentemente novas regras para fortalecer a ideologia do governo no setor de entretenimento. Logo depois, um post de um blogueiro até então desconhecido afirmou que esse desenvolvimento constitui uma “revolução profunda” contra os capitalistas, a “adoração” da cultura ocidental e as celebridades “maricas”. A mídia estatal divulgou amplamente o post, indicando pelo menos algum nível de concordância com as regras do governo chinês.

O post viral enviou ondas de choque às comunidades empresariais chinesas e internacionais, que já estavam no limite devido à intensidade das repressões governamentais nos últimos meses. Há muitas  especulações da mídia se esse desenvolvimento de fato constitui uma revolução e o que isso significará para as empresas na China.

A palavra “revolução” pode ser confusa para o observador casual da China. Embora a palavra muitas vezes conote conflito armado ou mudança de regime em outros contextos, na China geralmente se refere às ações tomadas pelo Partido Comunista Chinês, no poder, para mudar aspectos da sociedade e fortalecer ainda mais seu governo.

“Revolução” implica um impulso de todo o governo – até mesmo de toda a sociedade – para garantir o sucesso do partido em seus objetivos, e este é o tipo de revolução no centro dos debates atuais. Na verdade, a postagem do blog que gerou a polêmica usou a palavra quase que alternadamente com outra palavra – “transformação”.

Embora a escala e a intensidade dos desenvolvimentos regulatórios nos últimos meses pareçam sem precedentes, as pessoas não devem se surpreender com essa virada na política chinesa. Mudanças revolucionárias estão em andamento desde que o presidente Xi Jinping assumiu o poder em 2012, e mesmo muito antes disso. Na verdade, uma das primeiras ações de Xi no comando do Partido Comunista Chinês foi lançar uma campanha anticorrupção que continua até hoje e é ainda mais descarada do que as campanhas mais recentes que estão se desenrolando.

Apesar de a maioria dos outros elementos da transformação da China sob Xi tenham sido graduais, eles não são menos significativos. Uma simples comparação entre os excessos e a administração frouxa da China pré-Xi com o estado de segurança de alta tecnologia e centrado no partido que Xi está montando mostra o quão revolucionária foi essa transformação.

Embora a liderança de Xi tenha acelerado o ritmo de mudança na China, ao contrário de grande parte do discurso político no Ocidente, ele não é o responsável por grande parte dessa mudança. Na verdade, muitas das mudanças presididas por Xi começaram sob seus predecessores e estavam no DNA de seu sistema de partido único desde o início. Por mais desconfortável que seja essa perspectiva para governos e empresas que se relacionam com a China, o Partido Comunista Chinês sempre se considerou um partido revolucionário marxista.

Ao contrário da narrativa da mídia, até mesmo Deng Xiaoping, o padrinho da transformação econômica da China, se manteve um revolucionário comprometido ao longo de sua vida. Suas reformas de mercado não significaram o fim da luta pela revolução comunista, mas sim um reconhecimento do fracasso de Mao Tsé-Tung de superar o capitalismo, que é considerado pelo pensamento marxista como um passo necessário no caminho para o comunismo.

Na maior parte, os principais líderes da China ao longo dos anos mantiveram-se firmes nas ambições marxistas do partido, mesmo quando permitiram que o capitalismo florescesse como um meio para esse fim. Eles não mantinham segredo sobre isso – grande parte do Ocidente simplesmente não levava seus pronunciamentos oficiais a sério.

De igual modo, Xi sempre foi claro sobre suas pretensões revolucionárias. Ele sempre compartilhou seus planos de transformar a China em um “grande país socialista moderno” até 2035 e alcançar o “rejuvenescimento nacional” – definido como um “líder global em termos de força nacional composta e influência internacional” – pelo centenário da fundação da República Popular em 2049.

Ninguém fora dos escalões superiores da liderança da China sabe exatamente como cada desenvolvimento individual se encaixa nessas ambições. Não se pode nem mesmo descartar a possibilidade de que as atuais repressões tenham mais a ver com o posicionamento político antecedendo o congresso do partido que acontecerá no próximo ano do que com planos de longo prazo.

Independentemente de como os eventos se desenrolam, não obstante, é hora das comunidades políticas e empresárias se acostumarem novamente à ideia de que a China é liderada por um partido com uma missão revolucionária, e essa missão – não as opiniões das elites empresariais ou governos estrangeiros —Direciona a forma como o partido percebe os interesses nacionais.

Isso não significa que Xi esteja se preparando para libertar uma nova geração de guardas vermelhos, fomentar revoluções armadas no exterior ou eliminar as forças do mercado e reintroduzir um sistema comunitário. Xi não é Mao Tsé-Tung. Enquanto Mao rotineiramente colocava em risco o desenvolvimento econômico da China e o prestígio global em nome de experimentos sociais mal concebidos, Xi vinculou seu legado a transformar o país em um dos países mais ricos e influentes do planeta, preservando o monopólio do partido sobre o poder político. Este é o ponto crucial de seus objetivos revolucionários.

Para ter sucesso em seus objetivos, Xi precisa de um setor privado robusto conectado aos mercados internacionais. Ele tem demonstrado que entende isso. Seu assessor econômico, Liu He, concordou com esse entendimento, apontando que o setor privado contribui com mais de 50% da receita tributária da China, 60% de seu produto interno bruto, 70% de suas inovações tecnológicas e 80% de seu emprego urbano.

Na semana passada, membros do governo continuaram a cortejar investidores estrangeiros e pediram uma interação mais profunda entre os mercados chinês e global.

Os temores de uma nova “revolução cultural” são improváveis de se materializar, pelo menos não da forma que a maioria imagina ao considerar o termo. Enquanto Mao desencadeava o caos em massa para conquistar seus objetivos políticos, Xi até agora adotou uma abordagem diferente. Durante seus nove anos à frente da China, Xi presidiu uma das maiores repressões à sociedade civil da história. Vigilância, regulamentação, aplicação da lei e disciplina partidária – não tumultos – são os instrumentos rotineiros de controle partidário sob Xi.

Embora o desespero político possa eventualmente fazer com que ele mude de curso, a probabilidade de tal desenvolvimento parece remota, dado o controle quase sem precedentes de Xi no poder.

Aqueles que buscam entender para onde Xi está levando a China devem olhar para seu histórico no governo – o que ele e outros líderes importantes disseram e fizeram desde que ele assumiu o poder – e não para os maiores fracassos de seu predecessor mais radical.

Em vez de impor pureza ideológica ao copiar as táticas de mobilização em massa de Mao e ameaçar a estabilidade social que o partido trabalha tão arduamente para preservar, os líderes chineses continuarão a liberar a polícia e os reguladores para garantir que os indivíduos e empresas sigam a linha do partido.

Em vez de declarar guerra a todo o capital privado, Pequim continuará a usar a regulamentação e medidas repressivas para forçar as empresas e setores que considera uma ameaça – econômica ou politicamente – a se alinharem ou fecharem.

Ao executar esses esforços, Pequim provavelmente adotará uma abordagem cada vez mais prática para governar o setor privado, mas é improvável que tente uma aquisição ampla de empresas privadas. Algumas empresas ou setores grandes ou estratégicos selecionados podem ser nacionalizados ou forçados a se tornar sem fins lucrativos a fim de promover seus objetivos. No entanto, a abordagem preferida da parte para exercer controle sobre o setor privado quando a regulamentação e a aplicação não são suficientes provavelmente continuará a ser a compra de ações de empresas estatais em empresas privadas que considere particularmente importantes ou arriscadas.

Eles podem assumir a forma de golden shares, como foi relatado recentemente com o ByteDance. Essas medidas visam principalmente empresas chinesas, mas negócios estrangeiros com parceiros próximos ou empreendimentos conjuntos, em setores importantes da China também podem ser indiretamente afetados.

Enquanto Xi continua transformando a China, é importante ter em mente que ele e o partido estão fazendo testes à medida que avançam. Eles vão se deparar com obstáculos ao longo do caminho e, em alguns casos, provavelmente serão forçados a recuar ou colocar os planos em espera para aguardar condições mais favoráveis.

De fato, Xi tem uma agenda ambiciosa, e alguns de seus planos ao longo dos anos não ocorreram como esperado. Isso não significa que tais planos serão abandonados, mas sim que as condições ainda não estavam certas ou que crises imprevistas – como a pandemia global – redirecionaram a atenção do governo para outro lugar. No entanto, independentemente de quais atrasos ou retrocessos possam ocorrer, a direção geral que o Partido está tomando na China – em direção a um escrutínio regulatório mais rígido e crescente envolvimento do partido na sociedade e na economia – provavelmente não mudará.

Uma “revolução profunda” está em andamento desde a fundação da República Popular. Comparada às mudanças que essa revolução provocou no século passado, a transformação atual é mais sutil, mais incremental e travada por reguladores em vez de milícias ou guardas vermelhos.

Enquanto Pequim persegue suas ambições que levam a 2049, políticos, líderes empresariais e investidores devem se acostumar com o fato de que repressões e leis mais rígidas são agora uma característica de longo prazo da economia chinesa. As ações para purificar a cultura popular são apenas uma manifestação dessa tendência.

Artigo original publicado pela Heritage Foundation com o título de China’s “Revolution” Profound but Not Unprecedented.

FONTE: INSTITUTO MONTE CASTELO

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