Estudo aponta que câmeras nas fardas dos policiais podem ser prejudiciais à segurança pública

POR: GABRIEL SESTREM

FONTE: GAZETA DO POVO

Estudo aponta que uso de câmeras nas fardas dos policiais pode ser prejudicial à segurança pública

Um estudo recém-divulgado por pesquisadores da Universidade de Stanford sobre o uso de câmeras acopladas às fardas de policiais do Rio de Janeiro concluiu que a utilização dos equipamentos produziu um efeito de “despoliciamento”, isto é, desencorajou os agentes de segurança a se envolverem em atividades como abordagens e atendimento a chamados.

De acordo com os responsáveis pelo estudo (que ocorreu na favela da Rocinha, dominada pelo narcotráfico), grande parte dos policiais tenderam a evitar se envolver nos casos por receio de que o registro das interações pudessem incriminá-los. Como resultado, a partir do uso das câmeras houve redução de 46% nos vários tipos de fiscalização “proativas”, como abordagens e revistas.

Foi registrada também uma redução de 69% na probabilidade de os agentes agirem frente a denúncias de crimes por parte da comunidade e 43% no atendimento a chamadas recebidas pelo Centro de Operações. Os números revelam que o uso dos equipamentos de gravação pode estar relacionado a prejuízos significativos na segurança pública.

A divulgação do estudo ocorre num momento em que vários estados estão implementando sistemas de câmeras no fardamento dos agentes ou estudando tal medida.

Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) retomará o julgamento de uma ação que pede diversas restrições às operações policiais no Rio. Dentre as medidas que serão consideradas pela Corte está a instalação de sistemas de gravação de vídeo e áudio nas fardas dos agentes de segurança do estado. Até o momento, os dois ministros que já deram seus votos – Edson Fachin e Alexandre de Moraes – foram favoráveis ao uso dos equipamentos.

Enfrentamentos foram reduzidos, mas todas as atividades policiais também tiveram queda

estudo em questão consistiu em um experimento controlado randomizado na favela da Rocinha, considerada a maior favela do Brasil. O experimento foi implementado entre dezembro de 2015 e novembro de 2016 e incluiu a atribuição aleatória de câmeras a 470 policiais em 8,5 mil turnos.

As conclusões dos pesquisadores, divulgadas em 13 de janeiro deste ano, apontaram para uma redução dos indicadores de violência, como mortes e ferimentos de criminosos, policiais e moradores. Porém, apesar da redução dos enfrentamentos armados, também foi registrado um declínio sistemático e progressivo em todas as atividades de patrulha relacionadas a casos como tráfico de drogas, homicídios, roubos, assaltos, perturbação do sossego e violência doméstica.

Durante o período do experimento, percebeu-se que diversos policiais desligavam as câmeras diante das ocorrências. Houve maior ocorrência do uso ativo dos equipamentos em locais com maior incidência de comportamentos agressivos à polícia por parte da comunidade, o que incluiu registros de apedrejamento, arremesso de água e urina, ameaças e ataques verbais e físicos. “Em outras palavras, os policiais que ligaram suas câmeras parecem tê-las usado para se proteger do comportamento agressivo dos moradores”, cita o relatório da pesquisa.

Mesmo nos casos em que as câmeras estiveram desligadas, não houve registro de mortes decorrentes de enfrentamentos policiais. Durante o período do experimento, houve 27 eventos com disparo de armas de fogo por parte dos agentes de segurança. Nessas ocasiões, das 489 balas utilizadas, 364 foram disparadas quando a polícia não estava usando câmeras.

De acordo com fontes ouvidas pela reportagem, o fato de não haver registro de nenhum criminoso ou morador atingido mesmo com 74,4% dos disparos tendo sido efetuados com as câmeras desligadas invalida a tese de que os policiais, de forma generalizada, desligariam as câmeras para cometer execuções ou agir desproporcionalmente. A constatação, por outro lado, aponta mais para o receio de que, ao atingir suspeitos em situações de enfrentamento, esses agentes poderiam estar “produzindo provas contra si”.

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