ESTUDO COMPARATIVO ENTRE O “CASO LÁZARO” e o “CONFRONTO DE VARGINHA”

Logo que foi veiculado na mídia um confronto entre Policiais e criminosos no interior de Minas Gerais (Varginha-MG) na data de ontem (31), resultando em 25 bandidos mortos e a apreensão de um arsenal de guerra, veio à tona uma inevitável comparação entre este fato atual e o “caso Lázaro”, iniciado a partir de um triplo homicídio e sequestro em 09 de junho deste ano no Entorno do DF.
A reflexão proposta trata-se de uma análise situacional da Segurança Pública em áreas rurais em nível local e nacional a partir do estudo comparativo, apontando semelhanças e diferenças, entre os casos acima narrados: “Lázaro” (DF/GO) em junho e Varginha-MG ontem (31 de outubro).

No primeiro caso, foi irradiado por meio do Centro de Operações da PMDF por volta de 03h da madrugada de quarta-feira (09 de junho de 2021) que um suspeito havia invadido uma chácara na área rural de Ceilândia-DF, ceifado a vida de três pessoas de uma família de produtores rurais e levado uma mulher dessa mesma família como refém em destino ignorado. Uma equipe do Batalhão Rural foi a primeira a chegar ao local com menos de cinco minutos, porém, não pode evitar o triplo homicídio. Era uma verdadeira cena de barbárie. Após buscas incessantes por mais de três dias, o corpo da mulher sequestrada foi encontrado sem vida em um córrego da região com marcas de crueldade. Apenas após longos 21 dias de caçada, o criminoso foi localizado e morto em confronto pela Polícia Militar de Goiás. Nesses dias, o bandido deixou um rastro de pânico na região do Entorno oeste do Distrito Federal e Goiás, diversas propriedades rurais invadidas, furtadas, policiais feridos, pessoas feitas reféns, vítimas de roubos e mais de quatro mortos. O terror foi imposto na região por um único criminoso que dominava a geografia onde ele atuava, tinha uma forte rede social de apoio e era extremamente habilidoso, cruel e frio.

No caso de ontem no interior mineiro, um grupo de criminosos conhecidos pelas ações de “novo cangaço” planejavam uma ação extremamente violenta de sitiar uma cidade de interior, fazer reféns, confrontar com forças policiais, estourar agências bancárias, cometer roubos vultosos e fugir com os numerários subtraídos a qualquer custo, sem qualquer preocupação com vidas e patrimônio alheios. Graças a uma exímia atuação proativa da Polícia Militar de Minas Gerais e da Polícia Rodoviária Federal, com base em ações de inteligência e operações especiais em áreas rurais, essas forças policiais se anteciparam, encontraram os criminosos e os confrontaram, chegando ao êxito de neutralizar 25 perpetradores do grupo criminoso e apreender um arsenal de guerra: fuzis de grosso calibre como 5,56, 7,62, metralhadora .50 antiaérea, carabinas calibre 12, galões de combustível, coletes balísticos, muita munição e outros apetrechos para realizar os crimes planejados pelo grupo.

Os fatos narrados têm diferenças bem caracterizadas, embora estejam inseridos na mesma categoria de crimes ocorridos em áreas rurais ou de interior. Quanto à resposta estatal perante os delitos, verifica-se que no “caso Lázaro” as ações policiais foram reativas, após o triplo homicídio e sequestro já consumados. O aparato estatal mobilizou-se para o restabelecimento da ordem.

Em Varginha-MG, porém, as Polícias, graças às ações de inteligência, puderam antecipar-se aos criminosos de forma preditiva. O resultado foi a frustração da ação criminosa, poupando vidas inocentes e preservando a ordem. Ou seja, no primeiro caso a ordem pública precisou ser restabelecida, enquanto no segundo caso a tranquilidade e o sossego foram preservadas.

Resultados das ações criminosas em cada caso: Varginha-MG (31/10/2021): mortes de 25 criminosos, os crimes não se consumaram e os artefatos foram todos apreendidos; Entorno DF-GO (09/06/2021): uma família inteira de produtores rurais dizimada, pânico em toda a região por mais de 21 dias, centenas de profissionais de segurança movimentados para a região, inocentes feridos, propriedades rurais invadidas e roubadas.

Outra dissonância nesta comparação foi que na ação de ontem (31) em Varginha-MG, foi plotada e neutralizada uma organização criminosa de “novo cangaço” que tinha o objetivo específico de cometer crimes violentos contra as pessoas, a incolumidade e o patrimônio no interior mineiro. No Entorno de Brasília em junho deste ano, um bandido, em princípio sozinho, com o apoio de redes sociais e um extremo conhecimento da geografia onde atuava, aterrorizou diversas cidades do DF e do estado de Goiás com ações extremamente violentas e bárbaras.

Em contrapartida, os dois fatos narrados apontam certas semelhanças entre si. Nos dois casos, as ações criminosas planejadas e executadas eram de extrema violência e incomuns às rotinas das áreas afetadas. Outra similitude entre os dois fatos aqui narrados é o fato de que ambos ocorreram em áreas rurais, ou seja, fora do ambiente urbano. O caso Lázaro iniciou-se no INCRA 09, zona rural da maior cidade satélite do Distrito Federal, Ceilândia. Já o confronto de ontem (31) em Varginha-MG, ocorreu em uma propriedade rural do município.
Um último aspecto relevante que aponta simetria entre o “caso Lázaro” e o “caso Varginha” é a necessidade imperiosa do Estado estar pronto para responder à altura a esses crimes. Ações delituosas semelhantes estão crescendo no país devido fatores sociais, culturais, morais, de impunidade, de justiça ou da falta de justiça. Porém, há de considerar-se também o crescimento econômico no campo e o aumento da riqueza e do valor agregado de bens no ambiente rural. É de amplo conhecimento que o Brasil tem sua maior riqueza no agronegócio que sustenta o país com mais de 21% do PIB nacional em 2020 e marcando recordes mundiais de safra a cada ano, colocando nosso país na condição de “celeiro do mundo”.

Neste particular, as forças de segurança têm a obrigação de aparelhar seus contingentes com recursos humanos cada vez mais especializados na atuação em ambientes rurais, de interior e divisas. O “caso Lázaro” mostrou que não basta apenas às forças policiais ter conhecimentos específicos, mas, também estarem inseridas nos contextos regionais e geográficos como conhecer a população de determinada região, fazer parte das suas relações sociais e culturais, além de saber atuar no bioma com técnicas específicas de adentramento e sobrevivência nesses ambientes.
Além disso, o Estado deve mobiliar esses grupamentos com equipamentos e armamentos à altura de responder com efetividade às graves rupturas da ordem causadas por criminosos aqui descritos. Viaturas blindadas, com tração 4X4, alto desempenho, preparadas para ambientes hostis, armamentos com munição de grosso calibre, confiáveis, com lunetas telescópicas, miras a laser, equipamentos com tecnologia de ponta como smartphones com internet à rádio de longo alcance, aeronaves remotamente pilotadas (ARP ou Drones como são amplamente conhecidos) equipados com sensores termográficos e sensores RGB de alta resolução, fardamento camuflado de padrão internacional de qualidade, dotado de acessórios necessários à incursão segura do profissional de segurança nos diversos biomas e mais uma infinidade de bens facilitadores à permanência do profissional de segurança no front e para estar em vantagem ao oponente.
Outro investimento incontestável é a criação e o fortalecimento de agências de inteligência diretamente ligadas aos grupos táticos que estão operando no terreno, em confronto ou cerco a esses grupos criminosos. O compartilhamento de informações interagências e a integração das forças de segurança envolvidas, isenta de amarras jurisdicionais e políticas, entre os entes municipais, estaduais, distritais ou federais, devem ser princípios basilares para ações dessas naturezas. Perde-se tempo, vidas e meios com vaidades, interesses políticos, retrabalho e outros ruídos em momentos delicados de grande ruptura e comoção social.

O policiamento orientado pela inteligência é capaz de colocar as forças de segurança à frente das ofensivas criminosas e evitar perdas de vidas inocentes, subtração de patrimônios vultosos, garantindo a preservação da ordem pública que é a missão constitucional das agências de segurança públicas brasileiras.

Em síntese, os fatos ocorridos na área rural de Minas Gerais ontem (31) e no Entorno de Brasília, conhecido como “caso Lázaro”, em junho, são estudos de caso que guardam diferenças e semelhanças importantes para uma reflexão crítica da segurança pública brasileira em ambientes rurais. Guardadas as diferenças como: a atuação isolada de um criminoso ou a organização de um grupo de bandidos; os resultados obtidos e; a ação do Estado frente ao problema; é de fundamental importância verificar o crescimento de crimes extremamente violentos em áreas rurais devido a diversos fatores, mas, especialmente, ao aumento da atividade econômica no campo. Paralelamente a isso, o Estado brasileiro, por meio de seus entes federativos, deve aparelhar suas forças policiais com profissionais especializados em policiamento rural e de divisas; adquirir armamentos, frota e equipamentos superiores aos meios utilizados pelos bandidos; criar e fortalecer a inteligência de segurança pública rural e; promover operações integradas interagências e interestaduais, sem amarras jurisdicionais e políticas, com a finalidade precípua da preservação da ordem pública nas áreas rurais, oportunizando à família do campo e ao agronegócio a paz necessária para continuar a alimentar cada vez mais e mais pessoas no mundo.

Por Rafael Branquinho da Cunha.

Sobre o autor: Rafael Branquinho da Cunha. E-mail: [email protected]. Oficial Superior da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF), atualmente no posto de Major do Quadro de Oficiais Policiais Militares. Exerce o cargo de Comandante do Batalhão de Policiamento Rural (BPRural) da PMDF. Bacharel em Ciências Policiais pela Academia de Polícia Militar de Brasília (APMB) – Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP) – da PMDF (2000); Bacharel em Direito pelo Centro Universitário UNIEURO de Brasília (2008); Pós-graduação lato sensu em Didática do Ensino Superior pelo Centro Universitário de Brasília – UNICEUB (2013); Pós-graduação lato sensu em Gestão de Segurança Pública – Curso de Aperfeiçoamento de Oficiais pelo Instituto Superior de Ciências Policiais (ISCP) da PMDF (2017). Atuou no policiamento em áreas rurais do Distrito Federal por aproximadamente nove anos. Gerente do Projeto do Estado-Maior da PMDF para promover estudos referentes ao “Guardião Rural da Polícia Militar do Distrito Federal”, conforme Portaria EM/PMDF de 04 de março de 2020.

Lattes: http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4850811J8

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