AS BATALHAS EM CIDADES-FORTIFICAÇÕES EM DONBASS

  1. A operação militar da Rússia na Ucrânia foi iniciada em 24/02/2002, com objetivos declarados de desmilitarização e “desnazificação” da Ucrânia, preservação dos interesses russos na Criméia e da população de Donbass centrada nas regiões separatistas de Donestsk e Luhansk.
  2. O objetivo estratégico de rendição do atual governo ucraniano foi reconsiderado diante da resistência ucraniana promovida no eixo norte e massivo apoio ocidental através da OTAN à Ucrânia, em âmbito militar, econômico e mediante a deflagração de uma guerra econômica e de objetivos geopolíticos que visa ao enfraquecimento pleno e derrota militar, política e econômica da Federação Russa.
  3. No final de março, as unidades russas estruturadas em batalhões táticos ligeiros, em torno de 30 mil soldados posicionados em significativas áreas ocupadas nas oblasts de Kiev, Sumy e Chernihv retiraram-se após negociações ocorridas em Istambul entre delegações russas e ucranianas. Tal retirada foi alegada pelo Governo russo como gesto favorável às negociações e reposicionamento de unidades para consolidação e ampliação da ofensiva nos eixos sul e leste, focalizando o esforço operacional na consolidação das áreas já controladas em Kherson, e Zaporozhye, Donetsk e Luhansk, mantendo-se uma ligeira ocupação na região de Kharkiv. Perdas materiais e huimanas consideráveis no eixo norte determinaram reavaliação estratégica e redimensionamento de objetivos.
  4. Através de tais reposicionamentos e reagrupamentos da unidades remanescentes da frente norte e outras adicionalmente mobilizadas, as forças russas buscaram otimizar as unidades e recursos militares e humanos disponíveis, visivelmente limitados numericamente desde o início da operação militar, conduzida em 5 eixos em território amplo e com geografia adversa (principalmente no eixo norte, em que o terreno é desfavorável e intransitável para blindados e tanques durante o período de fim de inverno e início de outono.
  5. A deflagração da 2ª. fase da operação militar russa tem-se apresentado em contexto tático-operacional distinto, com avanços lentos e graduais em diferentes eixos, tal coo previsto em nosso artigo anterior. As batalhas são fortemente posicionais, com emprego majoritário de artilharias com apoio de drones, MLRS e apoio aéreo de longa distância ou média/alta altitude, evitando-se exposição de vetores aéreos de combate em baixa altitude e vulneráveis a derrubadas por MANPADS.
  6. As ações ofensivas das forças russas neste teatro de operações consolida a ocupação de assentamentos e cidades após supressão e destruição das poderosas fortificações ucranianas, depósitos de munições e esgotamento de suas reservas, impulsionando avanços de infantaria leve e mecanizada apenas com a retirada de forças ucranianas ou destruição ampla de suas unidades. Tal metodologia de combate se baseia fortemente na doutrina empregada na Segunda Guerra da Chechênia e na intervenção militar as Síria, no qual danos significativos à infraestrutura urbana são inseridos no contexto de eliminação completa da resistência e posterior avanço para eliminação de unidades remanescentes, porém esgotadas.
  1. Atualmente, dentro deste contexto tático-operacional exposto, nas regiões de Kharkov e Luhansk, as taxas de avanço relativamente lentas das tropas aliadas são mantidas. No sul, nas regiões de Donetsk e Zaporozhye, o progresso é quase imperceptível.
  2. Como analisado antes, a principal tarefa da segunda fase envolve o estabelecimento do controle completo sobre o Donbass. E aqui é necessário levar em conta vários fatores:
    ▪️ O agrupamento Donbass das Forças Armadas da Ucrânia é composto pelas unidades mais treinadas e motivadas, incluindo aquelas destacadas da Ucrânia Ocidental.
    ▪️Forças ucranianas ao longo de 8 anos implementaram poderosa a defesa em profundidade ao longo de toda a linha de contato com as regiões separatistas de Donestsk e Luhansk ocupadas por forças separatistas.
    ▪ Embora pouco noticiado, no âmbito de sua estratégia de resistência, as forças ucranianas deliberadamente não evacuam a população da zona de combate. A evacuação é realizada apenas quando militares se misturam com civis como parte dos comboios de evacuação.
  3. Atualmente, as forças russas estão fazendo tentativas ativas de invadir a defesa das Forças Armadas da Ucrânia em vários lugares ao mesmo tempo:
    ▪️ Lenta, mas seguramente, o progresso está sendo feito na direção de Izyum.
    ▪️ As forças aliadas completaram o cerco operacional de Liman: toda a área está sob controle de fogo do lado russo.
    ▪️As batalhas ao sul de Rubizhne continuam, onde a defesa ucraniana é gradualmente suprimida, havendo dias atrás a ocupação do complexo industrial da cidade. Batalhas ferozes e sem progresso continuam a ocorrer em Severodonetsk.
    ▪️ Forças separatistas de Luhansl avançaram sobre uma poderosa área fortificada em Novotoshkovsky e avançou em direção a Orekhovo.
  4. O ataque russo a Popasnaya continua: há um mês e meio tropas regulares, unidades chechenas e da PMC “Wagner” tomam lentamente a cidade, onde há reforços constantes de remanescentes de unidades ucranianas que se retiraram de áreas tomadas por forças russas. Popasnaya é chamada pela imprensa que noticia de perto o conflito como a “Stalingrado” do conflito militar, comparação obviamente pretensiosa. Mas se compararmos a escala das forças e meios envolvidos, bem como as perspectivas para a previsão do conflito , Popasnaya é um dos pontos críticos para o sucesso russo da segunda fase da guerra.
  5. O que permitiria às forças russas o controle sobre Popasna:
    ▪️ a possibilidade de continuar a ofensiva simultaneamente em várias direções;
    ▪️ acesso a um grande centro de transporte – a cidade de Bakhmut, cuja ocupação interromperá o abastecimento de parte das unidades das Forças Armadas da Ucrânia;
    ▪️ a possibilidade de criar vários caldeirões com o corte do grupo ucraniano de Slavyansk-Kramatorsk do resto das forças das Forças Armadas da Ucrânia no Donbass.
  6. Compreendendo corretamente essas perspectivas, o comando das Forças Armadas da Ucrânia transferiu parte das unidades da aglomeração Rubizhne-Severodonetsk-Lysichansk para Popasnaya. Isso permitiu compensar parcialmente as perdas sofridas pela 24ª brigada mecanizada de Lviv.
  7. E embora as forças aliadas já controlem a maior parte da cidade, o ataque a Popasnaya ainda é uma das operações mais difíceis de uma só vez por vários motivos, dentre os quais destacamos:
    ▪️ O assentamento está localizado em um morro, onde existe toda uma rede de obstáculos naturais de água. Isso diminuiu significativamente o ritmo da ofensiva nos primeiros dias.
    ▪️ Por 8 anos, as Forças Armadas da Ucrânia fizeram uma poderosa área fortificada fora da cidade, cercando-a (especialmente ao longo da periferia sul) com um sistema de redutos de pelotão e companhia, que são interligados por comunicações. Essas comunicações possibilitam a transferência secreta de pessoal e veículos blindados para posições de tiro com a possibilidade de retirada imediata para abrigos.
    ▪️As forças russas provavelmente tratarão da liquidação de redutos, onde unidades das Forças Armadas da Ucrânia agora tentam se retirar da cidade, após a liberação do próprio território de Popasnaya.
    ▪️ A maior parte da cidade é um setor residencial intrincado, onde militares ucranianos cavaram trincheiras, trincheiras e abrigos equipados em porões. Limpar cada casa leva muito tempo e esforço.
    ▪️ Em raros arranha-céus, unidades das Forças Armadas da Ucrânia criaram posições para franco-atiradores e observadores de fogo.
  1. Atualmente sob o controle das forças das milícias separatistas e russas, está toda a parte leste da cidade, a estação ferroviária “Popasnaya-1”, o prédio da administração local, com vários redutos liquidados pela cidade. Há uma destruição adicional dos arredores do sudoeste e preparativos para uma ofensiva em direção à fábrica de reparos de carros Popasnyansky.
  2. 1E assim acontece que levará mais tempo para invadir uma cidade de vinte mil do que para libertar meio milhão de Mariupol. Entretanto, “liberada” Popasnaya, forças russas ganharão escala para juntarem-se com as forças que avançam a partir do eixo de Izium que se aproxima de Slavyansk, promovendo cerco efetivo a esta cidade-fortaleza e a Kramakorsk, com ambas concentrando em torno de 30 mil militares ucranianos e centenas de sistemas de artilharia.
  3. Especialistas militares ocidentais afirmam que o exército ucraniano não poderá manter a linha de contato sem o fornecimento de armas e equipamentos militares. Eles acreditam que se até meados de maio não for possível restabelecer o suprimento de armas na quantidade necessária, toda defesa ucraniana será gradualmente esmagada e expulsa seu agrupamento remanescente para o oeste. Se as forças da OTAN em parceria com as estruturas de comando logístico da Ucrânia forem incrivelmente bem-sucedidos em fazer chegar a tempo todo inventário de tanques, blindados, sistemas antitanque, sistemas de defesa aérea, radares, drones e munições, a resistência ucraniana terá condições de persistência e potencial equilíbrio tático perante forças russas e das milícias separatistas, prolongando no mínimo para o final do ano a Batalha de Donbass.
  4. Diante de tal perspectiva, o comando de forças russas diariamente promove ataques de misseis de cruzeiro em alvos selecionados, em detrimento de priorizar manobras de flanco e rupturas de fortificações através de tanques, o que geraria baixas irreparáveis. Conforme analisado no artigo anterior sobre a Batalha de Donbass, todo este território foi equipado de acordo com todas as regras da fortificação moderna, de modo que uma área fortificada cobre outra área fortificada. É feito de tal forma que existem estruturas de concreto na vanguarda, nas quais situam-se armas pequenas e antitanque, além de sistemas de artilharia. A artilharia mais poderosa, materializada em obuses autopropulsados e sistemas MLRS, está na segunda linha de fortificação. Sistemas de defesa aérea e sistemas de mísseis táticos operacionais estão localizados na terceira linha. Todos estes recursos militares setorizados em diferentes linhas de fortificação estão interligados e integrados em unidades móveis. Se a primeira linha quebrar, a segunda linha se tornará a primeira e a terceira linha se tornará a segunda. Torna-se, portanto, lento, custoso e complexo para as forças russas quebrar sistematicamente todas estas linhas de fortificação e consolidar uma ocupação, exigindo-se gradualismo de supressão e uso maciço de ataques. Batalhas atualmente que ocorrem neste contexto operacional são de Marynka, Severodonetsk, Lyman, Advinka e, tal como mencionado, Popasnaya.
Batalha em Marynka em segunda linha de fortificação.
  1. Há enorme dificuldade de se confirmar o que é avanço e retomada de cidades, vilas ou assentamentos neste conflito militar, pois cada parte em conflito narra como vitória não apenas ocupações subsequentes a combates (nosso foco de pesquisa a partir de confirmações e convergência de fontes diversas), mas simples posicionamentos em áreas “cinzentas”, conhecidas como ‘grey zones”, em que há apenas ocupação temporária da força adversária ou postos extremos isolados de observação. Formam-0se duas categorias de assentamentos sem controle pleno de nenhuma força em conflito:
    • A “zona cinza” pode ser dividida em duas categorias. O primeiro é completamente “cinza”, como por exemplo ocorreu recentemente com a ocupação ucraniana das cidades de Tsirkunov e Lozova, ou seja, aldeias localizadas na linha de hostilidades, mas sem ocorrência de batalhas ou conflagrações. Não há combate relatados em tais cidadelas, apenas administrações locais estão sendo formadas, as pessoas não têm empregos permanentes. Por vezes militares entregam ajuda humanitária, mas muitas vezes são atingidos. A população destas aldeias (os que ficaram) é obrigada a sobreviver à custa da agricultura de subsistência.
    • A segunda categoria são as aldeias onde a presença temporária (dependendo da situação) de militares russos e ucranianos é mantida – os chamados postos de controle extremos. A partir disso, eles não se tornam menos “cinzas”. Os confrontos ocorrem periodicamente lá, artilharia e morteiros estão trabalhando ativamente em ambos os lados. Normalmente, esses “sucessos significativos” em termos táticos operacionais são imediatamente postados online em canais oficiais de redes sociais como propaganda de vitória e são replicados maciçamente pela mídia.

Rodolfo Queiroz Laterza, Delegado de Polícia, historiador, pesquisador de temas ligados a conflitos armados e geopolítica, Mestre em Segurança Pública.

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