GEOPOLÍTICA E SEGURANÇA PÚBLICA

INTRODUÇÃO

Pensar a segurança pública a partir de uma perspectiva global é um desafio ignorado pela maioria dos estudiosos, gestores e operadores de segurança pública. Os problemas locais e o cotidiano violento dos grandes centros urbanos, potencializados pelas narrativas da imprensa, deslocam as discussões para as causas mais imediatas deixando de lado as pressões decorrentes das determinantes territoriais e pelos desdobramentos das relações entre as nações. 

Mesmo os casos mais evidentes, como as fronteiras entre o Brasil e os principais produtores de cocaína do mundo, fogem do horizonte dos atores envolvidos nas políticas de enfrentamento do crime. Estabelecer as conexões entre as questões cotidianas de segurança pública e os eventos globais de geopolítica pode dar aos gestores locais uma visão global da realidade, desencadeando estratégias, políticas públicas e operações locais mais pragmáticas, de forma a garantir resultados mais efetivos de acordo com a esfera de atuação do agente público. 

Entender os conceitos de geopolítica também levará os gestores locais a encarar suas áreas de responsabilidade levando em conta fatores determinados, que não podem ser alterados pela atuação das forças de segurança, mas são determinantes na forma como as forças criminosas organizam e executam suas ações. A organização do espaço urbano, por exemplo, poderá ser a chave para identificar como traficantes locais conseguem estabelecer a logística para manutenção do comércio de drogas em uma comunidade. Ou mesmo quais serão os pontos mais favoráveis para depósito de mercadorias ilegais ou os locais para as bases operacionais dos criminosos. 

Os desdobramentos das relações entre as nações também são incorporadas no sistema de organizações internacionais que, através de órgãos como as Nações Unidas, acabam originando tratados e acordos. Esses documentos, uma vez incorporados nas legislações nacionais, terão um impacto direto nas políticas de segurança pública. A desconexão dos membros dessas organizações com as realidades locais, a formação ideológica deles e a influência da imprensa em suas decisões, faz com grande parte das políticas decorrentes desse tipo de legislação sejam completamente antagônicas às necessidades e anseios das sociedades submetidas a elas. 

Apesar de grande parte desses fatores estarem completamente fora do poder de atuação dos agentes e gestores de segurança pública, conhecê-los é fundamental. Não apenas por uma curiosidade acadêmica ou vaidade intelectual, mas para traçar rotas alternativas e eleger prioridades institucionais influenciando autoridades governamentais e políticas no sentido de não aderir a legislações e acordos que, apesar de gozarem de prestígio midiático e político, tem efeitos devastadores nas pessoas reais. Além disso, os membros das forças de segurança, no desenvolvimento de suas carreiras, têm oportunidades de ocupar cargos em instituições políticas e até em organizações internacionais. É preciso prepará-los como agentes de influência para orientar e defender, sempre que for possível, estratégias e ações contextualizadas que sejam verdadeiramente efetivas.

GEOPOLÍTICA

Em primeiro lugar é preciso trazer uma definição de Geopolítica. A quebra da palavra pode nos dar uma ideia mais exata dos conceitos envolvidos nessa seara. 

Geo refere-se aos elementos geográficos que formam uma determinada região, como o relevo, a composição hidrográfica, a localização e o clima. Tratam-se de elementos eminentemente constantes, quase imutáveis, que  apenas em situações muito específicas, e raras, sofrem alterações significativas que podem mudar a forma como interferem nas relações sociais. A geografia explica pode explicar como uma sociedade nasce, interage. A localização de um povo vai determinar os recursos naturais disponíveis para seu desenvolvimento bem como os povos em seu entorno, estabelecendo primariamente as possibilidades de trocas e interações.

Política, de acordo SCHIMITTER, é a resolução de conflitos ou um conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos (SCHMITTER, 1965). Ou seja, refere na forma como as pessoas interagem, de forma ideal, em busca do bem comum.

Política tem suas origens na expressão grega politéia. Usada para expressar  todos os temas relacionados a polis (Cidade-estado) e à vida em comunidade. Está diretamente associada à convivência e às interações sociais, dando a todos os membros de uma comunidade a oportunidade de expressar seus anseios e conflitos sem que haja rupturas ou conflitos, mantendo-se a ordem e a paz coletiva.

Interconexão e a interação entre esse conceitos formam a natureza da geopolítica definida por ,como:

A Geopolítica pode ser entendida como o estudo e a prática da política do poder internacional definida no espaço geográfico. É um campo do pensamento e da análise estratégica. A Geopolítica se dá essencialmente na confluência entre espaço (“geo”) e poder (“politica”). Como identificou Parag Khanna: “Geopolitics is equally concerned with the geography of power (its distribution across space) and the power of geography (the significance of place)”

Apesar dos princípios de geopolítica serem aplicados fundamentalmente nas relações entre as nações, podemos utilizá-los de forma análoga às relações e interações no microcosmo das cidades. Na verdade, muitas vezes de forma inconsciente e intuitiva, os gestores de segurança pública aplicam esses princípios. 

O planejamento do policiamento ostensivo em uma determinada comunidade que leva em conta o tipo de ordenamento urbano local tende a ser muito mais efetivo. As cidades que possuem uma ocupação vertical, por exemplo, com uma concentração de população em áreas reduzidas, podem receber uma quantidade maior de efetivos policiais a pé, já que não há necessidade de grandes deslocamentos e em uma região reduzida os policiais atendem uma comunidade significativa.Entretanto, regiões rurais ou áreas residenciais de ocupação horizontal, que apresentam baixa concentração demográfica, necessitam de policiais com maior possibilidade para realização de grandes deslocamentos, fazendo com que o uso de viaturas seja mais relevante.

Favela Rio de Janeiro

Favela São Paulo

Águas Claras – DF

Guará – DF

Da mesma forma, o gestor, em seu planejamento, não pode ignorar as relações políticas de uma determinada comunidade. Muitas vezes, é necessário “sacrificar” a cobertura de áreas para atender as reivindicações de organizações comunitárias e políticas, como forma de manter a tranquilidade local. Porque ignorar a reivindicação das lideranças locais pode desencadear manifestações populares e protestos que seriam ainda mais prejudiciais para o planejamento operacional. Afinal, para o acompanhamento de um protesto poderia ser necessário o remanejamento de um efetivo maior do que aquele empregado para satisfazer a demanda inicial, sem contar nas implicações políticas e de imagem para a corporação da qual o gestor faz parte.

PRINCIPAIS FATORES TERRITORIAIS

  1. TAMANHO (extensão territorial)

A extensão de um território é um dos principais fatores em sua importância geopolítica, principalmente no que se refere as condições de proteção e segurança. Quanto maior for uma nação, maior a extensão de suas fronteiras e águas territoriais, aumentando os desafios relacionados à segurança nacional, obrigando a nação a ter uma força armada preparada para guarnecer o país. Contudo a profundidade do território dá a possibilidade de uma defesa mais passiva, já que a possibilidade de atrair as forças invasoras para dentro das fronteiras, dificultando a logística e diminuindo a capacidade de combate do inimigo. A Rússia tem grande experiência no uso de sua profundidade territorial como forma de incapacitar forças invasoras, tanto nas invasão napoleônica quanto na ofensiva nazista, os russos utilizaram sua vastidão territorial para atrair as forças inimigas para o interior do país e quebrar suas linhas de suprimento usando o rigoroso inverno como aliado. Ao contrário, países de com território reduzido precisam ter uma política de defesa mais agressiva com forças armadas fortes, como o caso de Israel, ou então são obrigados a uma postura mais passiva, evitando o conflito.

  1. FRONTEIRAS

As nações vizinhas também serão determinantes para o tipo de política externa, de defesa e comercial adotada pelo país. Compare os EUA, que tem apenas duas fronteiras secas, México e Canadá, com o Brasil que, além de um mar territorial gigantesco, possui divisas com quase todos os países da América do Sul. 

  1. LOCALIZAÇÃO

A espaço onde está determinado um país irá inseri-lo em uma realidade específica, os países com quem terá fronteiras, o clima, a hidrografia, os recursos naturais disponíveis, o relevo e até o tipo de bioma. Um país com uma costa extensa será mais propenso a trocas, ao comércio e a interação com outros povos. Já uma nação isolada, sem mar territorial ou incrustada numa cadeia montanhosa, tenderá a ser mais fechada, tradicional pela dificuldade de trânsito das pessoas e de relacionamento com outros povos.

4. FATORES TERRITÓRIAIS APLICADOS A SEGURANÇA PÚBLICA

Todos esses fatores também estão presentes nas operações de segurança pública. A extensão da circunscrição de um Batalhão de Polícia Militar, por exemplo, irá determinar o tamanho do efetivo necessário, a quantidade de veículos, o tipo de regime de escalas e até a modalidade de policiamento empregado. Se uma circunscrição é muito extensa pode ser necessária sua divisão de responsabilidade entre mais de uma unidade policial. A logística também será alterada, se o território policiado é maior as viaturas de fiscalização precisarão fazer deslocamentos maiores, ou então, serão necessárias mais viaturas realizando esse tipo de tarefa, implicando em menos carros na atividade fim. 

As fronteiras da circunscrição serão determinantes, caso não existam fronteiras claras, como no caso das conurbações e das grandes metrópoles, unidades policiais podem ter áreas de sobreposição de policiamento. Os policiais de uma unidade podem acabar tendo que atender ocorrências na região vizinha, deslocando o policiamento do planejamento inicial. Um batalhão que tenha em seus limites de atuação uma comunidade conflagrada, dominada por uma facção criminosa, terá que reforçar o patrulhamento nos limites daquela população, dificultando a atuação em regiões de sua responsabilidade.

A localização também irá determinar o tipo de urbanização. Regiões com pouca infraestrutura, por exemplo, sem vias pavimentadas aumenta a necessidade de manutenção das viaturas, dificulta o deslocamento dos efetivos, diminui a salubridade do serviço, aumenta o absenteísmo implicando em constantes adequações do planejamento e do emprego do policiamento.

POLÍTICA INTERNACIONAL E INFLUÊNCIA LOCAL

O processo de globalização tem tornado os países cada vez mais interdependentes, a comunicação global pela internet e as relações comerciais cada vez mais dinâmicas fazem com que acontecimento ocorridos a centenas de quilômetros, ou em outros continentes possam ter consequências em sociedade que, aparentemente, estão desconectadas.

CRISES MIGRATÓRIAS

Por exemplo, a crise política na Venezuela, desencadeou uma onda migratória para o Brasil trazendo consequências na segurança pública. Principalmente para as regiões mais próximas às fronteiras.

De acordo com matéria publicada na Folha BV (jornal de Roraima) dados divulgados pela secretaria de segurança do estado entre os anos de 2017 e 2018 foram registradas 5.939 ocorrências envolvendo estrangeiros, sendo que 95% desses casos foram praticados por venezuelanos. Os dados demonstram que em 2017 o atendimento emergencial registrou 1.765 acontecimentos, representando 2,26% das 77.939 demandas do ano. Enquanto que em 2018 foram registradas 4.173 ocorrências, representando 5,8% no universo de 71.852 casos gerais, com taxa de crescimento de 2017 para 2018 na ordem de 136%.

CONFLITOS INTERNACIONAIS

Mesmo os conflitos internacionais, como o que está em curso agora entre a Rússia e a Ucrânia, podem ter consequências diretas para o agravamento da crise de criminalidade no Brasil. Imagine que a Ucrânia foi inundada por centenas de milhares de armas, fuzis, morteiros, lançadores de foguetes, granadas, explosivos e todo tipo de arsenal que pode ser usado por unidades de guerrilha. Com o fim do conflito, o caminho natural desse arsenal, hoje sem nenhum controle, é o tráfico internacional de armas. 

Armas dessa natureza tem destino certo, milícias guerrilheiras e o crime organizado. Não seria nenhuma suposição exagerada acreditar que, após o término do conflito, as forças policiais do país comecem a prender e enfrentar criminosos armados com os espólios da guerra ucraniana. Nesse caso, o agravante é que as armas a disposição do tráfico internacional poderiam ser os poderosos lança-míssil FGM-148 Javelin. Portáteis e simples de operar, podem ser levados por 1 só homem, e neutralizar um veículo blindado com um único disparo – que custa US $80.000. Quanto um traficante carioca estaria disposto a pagar por uma tecnologia que pode neutralizar a única ameaça à hegemonia dos criminosos nas comunidades, os carros blindados da polícia carioca, os caveirões?

Para entender essas relações é preciso entender dois conceitos básicos que são cotidianamente confundidos: Globalização e Globalismo.

GLOBALIZAÇÃO x GLOBALISMO

A globalização é um processo de intensificação e aprofundamento da integração econômica, social, cultural e política, entre povos e nações. Ocorrida em função da redução de custos dos meios de transporte e da facilitação de comunicação entre os países, principalmente no final do século XX e início do século XXI. Está relacionada a fatores culturais e econômicos. Caracteriza-se pela intercomunicação entre os povos e acesso a produtos e serviços, de forma ágil, acessível mesmo a longas distâncias. 

A globalização nada mais é que a profunda integração global de capitais, empresas, do comércio, do turismo e, em menor escala, de pessoas e de povos, que se intensificou a partir dos anos 1990, em virtude de uma brutal redução dos custos de transporte e de comunicação, consequências da chamada “revolução da telemática”, que foi o grande desenvolvimento das tecnologias de telecomunicação e de informática. A globalização, portanto, resulta do avanço do liberalismo e do livre mercado.

O globalismo é a tentativa de estabelecimento de uma política transnacional,  gerida por burocratas, não eleitos, membros de organizações internacionais ou transnacionais como, a Organização das Nações Unidas e a União Europeia. Os defensores dessa política enxergam o mundo campo para sua influência política. A meta final dos globalistas é o estabelecimento de estruturas burocráticas supra governamentais com condições de delimitar, conduzir e comandar as relações entre as pessoas de vários continentes através de intervenções e decretos.

Enquanto a Globalização é um processo, em princípio, espontâneo e orgânico  decorrente da intensificação das relações econômicas, do desenvolvimento tecnológico e de mudanças culturais.O Globalismo é um projeto político ideológico organizado, bem documentado e com movimentos independentes que, hora se apoiam ou se antagonizam, de acordo com a conveniência, oportunidade o objetivos políticos.

Sobre as três principais forças globalistas o professor Olavo de Carvalho, em debate com Alexandr Dúgin-, traz:

Cada um tem uma história bem documentada, mostrando suas origens remotas, as transformações que sofreu ao longo do tempo e o estado atual da sua implementação.

Os agentes que hoje os personificam são respectivamente:

  1. A elite governante da Rússia e da China, especialmente os serviços secretos desses dois países.
  2.  A elite financeira ocidental, tal como representada especialmente no Clube Bilderberg, no Council on Foreign Relations e na Comissão Trilateral.
  3. A Fraternidade Islâmica, as lideranças religiosas de vários países islâmicos e também alguns governos de países muçulmanos.

Desses três agentes, só o primeiro pode ser concebido em termos estritamente geopolíticos, já que seus planos e ações correspondem a interesses nacionais e regionais bem definidos. O segundo, que está mais avançado na consecução de seus planos de governo mundial, coloca-se explicitamente acima de quaisquer interesses nacionais, inclusive os dos países onde se originou e que lhe servem de base de operações. No terceiro, eventuais conflitos de interesses entre os governos nacionais e o objetivo maior do Califado Universal acabam sempre resolvidos em favor deste último, que embora só exista atualmente como ideal tem sua autoridade simbólica fundada em mandamentos corânicos que nenhum governo islâmico ousaria contrariar de frente.

No Brasil a principal ação do globalismo se dá através das resoluções e tratados oriundos das entidades e organizações internacionais, influenciadas principalmente pelo bloco da elite financeira internacional, que acabam sendo acatados pelo governo brasileiro e tornam-se parte da legislação nacional. Um exemplo é o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e a Convenção Interamericana de Direitos Humanos, conhecida como Pacto de San Jose da Costa Rica que deu origem às audiências de custódia. 

CONCLUSÃO

Estar atento aos aspectos geopolíticos no planejamento da políticas de segurança pública, em suas estratégias e na atividade operacional, é obrigação dos gestores fortalecendo a execução das melhores práticas de forma à garantir segurança e a tranquilidade  da população. Além disso, o gestor deve identificar projetos e ações vinculados aos desdobramentos de movimentos políticos e ideológicos estando pronto para minimizar suas consequências autoritárias, garantindo os direitos fundamentais dos cidadãos, da melhor forma possível.

Estudar os desdobramentos dos conflitos internacionais, as crises humanitárias e o modo como os organismos supranacionais trabalham para implementar seus objetivos, muitas vezes em detrimento dos interesses nacionais, deve ser o guia para subsidiar o profissional de segurança pública no sentindo de influenciar e direcionar ações de governos e políticas públicas na direção da manutenção da liberdade, da democracia e dos direitos individuais. E a verdade é que muitas vezes haverá um conflito de interesses evidente, entre os interesses pessoais do gestor e as necessidades da população. Contudo, compromisso com o serviço e a proteção da sociedade precisa estar à frente dos interesses políticos, das vantagens financeiras ou do vínculo a funções.

Os melhores oficiais nazistas, não eram monstruosos. Eram excelentes funcionários públicos, chegavam sempre na hora, controlavam com precisão o fluxo de gás para as câmaras da morte e cumpriam todas as metas do Reich. Lembrando que todas suas ações estavam respaldadas nos regulamentos e normas da Alemanha nazista, como fariseus, cumpriram tudo, sem argumentar ou resistir. E, no final disseram: nós só estávamos cumprindo ordens…

POR: Luiz Fernando Ramos Aguiar (Major na PMDF)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.