O PODER DO ESTADO ABDUZIDO PELO JUDICIÁRIO

POR: General Reformado Luiz Eduardo Rocha Paiva

O Poder do Estado é uno e não se divide, por isso, separação dos Poderes é uma expressão imprecisa. A separação é das Funções Estatais, não do Poder do Estado, e tem a finalidade de controlar o Poder, pelo próprio Poder, em prol da segurança dos cidadãos, evitando sua concentração em uma pessoa ou grupo. Para isso, existem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, uma Trindade Política compondo o Poder do Estado uno e trino, respectivamente, com funções executivas, legislativas e judiciárias. Mal comparando, pode-se fazer um paralelismo com a Santíssima Trindade.

A separação confere autonomia a cada um desses “subpoderes componentes” para exercerem suas funções, evitando abusos por um dos três, daí ser imperiosa a sua harmonia. A separação das Funções Estatais atua como um sistema de freios e contrapesos. Freio, por exemplo, quando o Judiciário declara que uma lei fere a Constituição Federal (CF), agindo na contenção do Legislativo que a criou. O contrapeso resulta das funções distintas, independentes e não hierárquicas e assegura o equilíbrio entre os “subpoderes componentes”.

A operação Lava-Jato foi um marco na história recente do País. Deu-nos a esperança de um futuro mais digno, mostrou que a Nação anseia por mudanças moralizadoras na vida política e social e levou à ascensão de uma nova liderança, que não pertence aos quadros da velha e carcomida política encastelada, principalmente, mas não
exclusivamente, no Legislativo e no Judiciário.


Essa reação é o cerne do conflito, daí porque, mesmo reconhecendo haver vulnerabilidades, inabilidades, falhas e precipitações na condução da crise, no que compete ao Executivo, julgo ser ele o único “subpoder”, cuja liderança está
compromissada, de fato, com os interesses da Nação.


Numa escalada da crise, se houver ruptura entre os “subpoderes”, a estabilidade política sofrerá um abalo de extrema gravidade, dividindo o país. De que lado ficariam vários governadores de estados da Federação? Uma cisão nesse nível ameaçaria a unidade política do Brasil.


As FA estariam diante de um impasse, porque a CF permite aos três “subpoderes” requisitar o emprego das FA para garantir a lei e a ordem. Entretanto, estando em conflito entre si, qual deles teria autoridade legítima para requisitar o emprego das FA para enquadrar o oponente, sendo uma das partes envolvidas no contencioso? E se o Judiciário requisitar o emprego das FA, para obrigar o Executivo a cumprir uma determinação, e o Presidente da República (PR) se recusar a dar a ordem de emprego, alegando ingerência do STF nas funções do Executivo? Já houve o precedente na suposta tentativa da quebra de sigilo do celular do PR. Haveria consenso nas FA para apoiar um deles ou elas adotariam uma posição própria? E se elas se dividissem?

O artigo nº 142/CF reza que as FA estão sob a autoridade suprema do PR, destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos Poderes Constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. O Judiciário e o Legislativo também podem requisitar o emprego das FA para garantir a lei e a ordem (GLO) e nada autoriza o PR a recusar, embora a Lei Complementar nº 97/1999 preconize que a ordem de emprego é do PR.


Só com a falência do Poder do Estado, pela perda de autoridade dos três “subpoderes componentes”, portanto, num quadro de anomia, a ação militar independente, mesmo sem amparo legal, seria legítima. Isso porque seria a condição para restaurar a estabilidade, impedindo que o país mergulhasse em uma convulsão social e provável guerra civil, com risco para a unidade nacional. A escalada de um conflito entre os “subpoderes” pode abalar a estabilidade e causar uma ruptura institucional.


A ruptura da estabilidade, por uma convulsão política e social, com perda de autoridade dos três “subpoderes”, portanto, a ruína do Poder do Estado, é ameaça à democracia, à unidade política e à sobrevivência do País.

As FA não permitiriam o esfacelamento da Nação e, em tal situação, só elas teriam a força necessária para reverter o quadro de anomia. Um cenário tão grave legitimaria a intervenção das FA, não para implantar um governo ou um regime militar, mas sim restaurar a autoridade dos Poderes Constitucionais, a lei e a ordem, a paz interna, a normalidade democrática e garantir a unidade nacional. Em suma, restaurar o próprio Poder uno do Estado.


Cabe uma apreciação sobre legalidade, legitimidade, justiça e estabilidade. Quando a legalidade é usada por grupos de qualquer natureza, para respaldar desígnios ilegítimos, cai por terra a justiça, esta sim cláusula pétrea e não a lei. Justiça é fim e lei é meio. Se as leis fossem cláusulas pétreas, o Brasil ainda seria colônia ou monarquia. Não seria
república. Não teria havido a Revolução Americana, a Francesa e nem a Bolchevista, todas ilegais.

No atual conflito entre “subpoderes”, levantou-se a possibilidade de as FA intervirem no processo político como poder moderador, a exemplo do que era exercido pelo Imperador no período monárquico. Assim, alguns juristas consideram ser legal as FA intervirem para garantir “o subpoder ou os subpoderes” contra outro ou outros que exorbite ou exorbitem em suas funções e interfira ou interfiram ilegalmente em um ou mais de um deles.


A conduta das FA se pauta pela legalidade, legitimidade e, acima de tudo, pela estabilidade, ou seja, pela sobrevivência da Nação, esta sim credora maior de sua lealdade, acima até do Estado. Reitero que uma intervenção seria legítima, se necessária para garantir a estabilidade, pois as FA não deixariam o país mergulhar numa convulsão social, com risco de evoluir para uma guerra civil e levar à quebra da unidade política.


Embora não o sejam de direito, as FA estariam agindo, de fato, como poder moderador. Longe de ser positivo, isso significaria que o Brasil ainda não é uma democracia consolidada. A Nação não pode ser eternamente tutelada pelas FA. Não se deveria pedir que elas fizessem com fuzil e com sangue o que o cidadão pode fazer com suor, civismo,
cidadania e perseverança, ou seja, exigir o comportamento republicano de suas lideranças em todos os “subpoderes”.

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